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“Os trabalhadores aprenderam a pensar nas suas carreiras menos como escadas a subir e mais como percursos a traçar ou portefólios a construir” – Sharla Alegria

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Ser pontual, cumprir rigorosamente o que está dentro das suas competências, ser organizado e dedicado de modo que o trabalho produzido seja de qualidade e de acordo com as necessidades do empregador e relacionar-se com os colegas na base do respeito – esta descrição é um resumo do que se considera ser um trabalhador que exerce as suas funções com os princípios de uma boa ética de trabalho. Para além de tudo, este profissional será confiante e sentir-se-á motivado, porque tem capacidade de resolver problemas e trabalhar de forma independente.

Claro que tudo isto pressupõe também que as chefias demonstram que confiam na sua capacidade e ganham a certeza de que este tipo de trabalhador cumprirá todos os objetivos e concluirá o trabalho a tempo porque, estando confiante de si próprio e motivado, raramente adiará o que tem por missão fazer em prol da empresa.
Daí que uma pessoa que reúna estas caraterísticas no desempenho das suas funções diárias será considerada pelo empregador o trabalhador ideal, isto porque a probabilidade de se atingirem objetivos essenciais para o bom funcionamento de uma empresa é muito maior.

Por outro lado, ter equipas assentes em princípios de boa ética de trabalho alivia a gestão de uma das áreas mais sensíveis – recursos humanos – e contribui para o crescimento do negócio.

Sharla Alegria é professora de sociologia da Universidade de Toronto e aceitou explicar-nos melhor o que é isto de ética de trabalho e também nos deu a sua perspetiva do estado atual deste conceito na sociedade onde o trabalho tem uma componente importante para o seu equilíbrio. Com ela confirmámos ainda que o conceito de “trabalho para a vida toda” faz cada vez mais parte da história.

Alegria, Sharla - 335x393 (1)Milénio Stadium: Como podemos definir o conceito de ética no trabalho, atualmente?
Sharla Alegria: A maioria dos trabalhadores continua a associar a moralidade à diligência e ao empenho no trabalho remunerado, mas houve uma mudança desde o apogeu da indústria transformadora, quando os trabalhadores esperavam trabalhar para a mesma empresa durante a maior parte das suas carreiras. A ideia era que os trabalhadores deviam ao empregador produtividade e lealdade, ao passo que os empregadores deviam aos trabalhadores respeito e emprego contínuo, enquanto tal fosse financeiramente possível.
Desde os anos 80 que esta ideia tem vindo a mudar, pelo que os trabalhadores e os empregadores já não têm o sentido de responsabilidade mútua que acompanha a ética do trabalho. A ética de trabalho contemporânea assemelha-se mais a um empenhamento na construção de uma identidade profissional e, para alguns trabalhadores, de uma marca pessoal. Pode incluir múltiplas atividades, trabalhos paralelos ou trabalho temporário. Isto pode ser especialmente difícil para os trabalhadores mais jovens, que veem as longas horas e o trabalho árduo como virtuosos, mas tendem a não ser bem pagos por esse trabalho.
Pode ser difícil para os trabalhadores, cujos empregos são precários e pagam pouco, verem virtude em trabalhar mais para empregadores que não os respeitam claramente, especialmente quando não podem pagar o custo de vida numa cidade como Toronto, independentemente do número de horas que trabalham.

MS: Podemos dizer que este conceito sofreu uma mudança substancial após a pandemia de Covid-19?
SA: Parece que a pandemia mudou a perspetiva das pessoas. Ouvimos falar muito da “grande demissão”, mas mais do que isso foi uma remodelação em que as pessoas alteraram as suas situações de trabalho e de vida. Mais pessoas tiveram a oportunidade de trabalhar a partir de casa e gostaram da flexibilidade, mas é difícil dizer que a ética de trabalho mudou. Em muitos aspetos da vida social, a pandemia acelerou forças que já estavam em ação.

MS: Os trabalhadores estão preocupados com a forma como lidam com o seu trabalho?
SA: Sim, mas, de muitas formas e para muitos trabalhadores, o “trabalho” expandiu-se para incluir não só o tempo que passam no escritório, mas quem são – a forma como trabalham sobre si próprios para apoiar a sua identidade profissional. Isto inclui coisas como a sua educação e competências, mas também a sua presença nas redes sociais, os seus passatempos, os podcasts que ouvem e a introspeção para decidir o que querem das suas vidas e se o seu trabalho os está a ajudar a consegui-lo. Para muitos trabalhadores, o seu emprego atual está relacionado com o seu trabalho e a sua ética profissional, mas é apenas uma parte.

MS: Qual o impacto da ética profissional nas empresas?
SA: Há décadas que as empresas têm vindo a despedir trabalhadores, nos bons e nos maus momentos, para cumprirem e gerirem uma série de objetivos empresariais que incluem, mas não se limitam diretamente, ao resultado financeiro. Os trabalhadores adaptaram-se, desviando a sua lealdade e o foco da sua ética de trabalho dos empregadores para si próprios, para as suas carreiras e para os seus objetivos. Consequentemente, os trabalhadores tendem a pensar que os seus empregadores lhes devem pouco mais do que um pouco de respeito e o seu cheque de ordenado conforme acordado. As empresas libertaram-se, em grande medida, de obrigações mais significativas para com os trabalhadores, mas isto é válido para ambos os lados – os trabalhadores tendem a não pensar na sua ética de trabalho como algo que fazem por si próprios. Trabalhar arduamente torna-se importante para os trabalhadores como forma de abrir portas a oportunidades futuras, de aprender novas competências ou de procurar satisfação pessoal. Isto significa que as empresas fazem bem em reconhecer e recompensar o bom trabalho tanto quanto possível, porque os trabalhadores cuja motivação vem de si próprios não hesitarão em deixar a empresa por uma nova oportunidade noutro lugar.

MS: Será que a forma como lidamos com as nossas atividades diárias influencia as relações que estabelecemos com os nossos colegas de trabalho?
SA: Muitos trabalhadores aprendem a pensar em cada relação profissional como uma ligação em rede que pode ajudar a abrir uma porta para uma nova oportunidade no futuro. Isto significa construir relações pessoais e profissionais com os colegas e ter o cuidado de não queimar pontes. Especialmente para os trabalhadores que esperam mudar de emprego de poucos em poucos anos, um antigo colega pode tornar-se uma potencial ligação para um futuro emprego numa nova empresa.

MS: Sabemos que as relações entre os trabalhadores e as suas empresas são atualmente diferentes do que eram há alguns anos. Acabou-se o “emprego para toda a vida”? É isso que faz toda a diferença?
SA: Esta mudança, que começou por volta de 1980, alterou efetivamente a forma como os trabalhadores entendem o que é um emprego e o que significa trabalhar. Se os empregos são instáveis e não se pode contar com os empregadores para garantir carreiras, os trabalhadores tiveram de encontrar outras formas significativas de compreender as atividades que ocupam a maior parte dos seus dias. Os trabalhadores aprenderam a pensar nas suas carreiras menos como escadas a subir e mais como percursos a traçar ou portefólios a construir. A identidade profissional dos trabalhadores é mais importante para a forma como se entendem a si próprios e a ética de trabalho é algo que os trabalhadores interiorizam como sendo deles próprios e não para o seu empregador.

adalena Balça/MS

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