Aida Batista

Os amores que deixei

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Sentir as cidades é tomar o pulso à utopia. […] A utopia, pensei, é onde vivem os nossos amores. Paulo Moura, As Cidades do Sol

 

 

Há dias assim, em que, a horas diferentes e com diferentes pessoas, falamos da mesma cidade. Desta vez, foi de Toronto.

Com duas delas, porque lá viveram (uma ainda vive) e, inevitavelmente, damos por nós a recordar instantâneos ligados a amigos comuns (alguns perdidos já para sempre), a lugares que frequentámos e nos marcaram, a eventos em que estivemos presentes – quase sempre pelas mesmas razões -, a pequenos episódios que, por uma razão ou outra, se intrometem na conversa e, a partir deles, se puxam outros e mais outros, na senda do provérbio que nos diz serem as conversas como as cerejas. E, como elas, nem sempre doces nem com o brilho que o colorido vermelho lhes empresta. Mas a vida é feita disto: um caldo dos mais diversos sabores, que, sejam eles doces, amargos ou agridoces, fazem parte do prazer e das dores do crescimento – da idade da inocência à adolescência, da maturidade à velhice.

Com a segunda, à tarde, porque em breve partirá para Toronto e demonstrou um genuíno interesse em conhecer particularidades de uma cidade multicultural, onde vive uma forte comunidade portuguesa e luso-canadiana.
Nos dois momentos, apesar de separados por um intervalo de várias horas, houve temas coincidentes, como acontece com tantos diálogos em que o mesmo fio, com mais ou menos borboto, forma o novelo de uma conversa. Outros, esperam a vez de serem dobados, e o resultado final terá uma tessitura diferente, de acordo com o que se quer descodificar no desenho do tear onde se urdiram vidas fora da sua malha de origem, ou nascidas já noutras que as acolheram e formataram.

Os escassos cinco anos que vivi e trabalhei em Toronto, acrescidos das visitas que anualmente passei a fazer, não me deram qualquer diploma que me permita falar em nome de uma comunidade, nem sequer emitir certeiros juízos de valor. Contudo, o distanciamento, o estar “de fora” e a relação de “não pertença”, outorgam-me o direito a ter uma opinião e um olhar mais isentos, porque despojado das emoções que podem toldar ou interferir na neutralidade de qualquer avaliação.

Recentemente, li “Cidades do Sol” de Paulo Moura e, de imediato, me vieram à mente várias frases em que me revi. Sublinhei-as porque, ler, para mim, ainda continua a ser um ato que obriga a ter um lápis ou uma caneta na mão. Talvez se encontre aí a razão de não ter ainda aderido ao “e-book”. Preciso de pegar nos livros, de os folhear, de lhes sentir o cheiro à medida que os vou manuseando, de ter um marcador que me lembre onde fiquei, para não me perder no regresso ao caminho da leitura.

Voltando às “Cidades do Sol”, diz-nos o autor: “A partir do momento em que visitamos uma cidade, de alguma forma elegemo-la, passamos a habitá-la. Não é preciso permanecer. A cidade passa a integrar o nosso mundo, formado por várias cidades, ou pedaços delas, lugares que amamos por alguma razão. Torna-se parte de uma espécie de país imaginário, só nosso. À medida que viajamos, esse país onde somos reis vai crescendo, tornando-nos mais poderosos.”

Por circunstâncias várias (umas, por imposição; outras, por opção) tive oportunidade de conhecer e viver em lugares e cidades que passei a amar como meus. Toronto foi uma delas.

Assim, e seguindo o pensamento de Paulo Moura, rapidamente concluo que também eu sou dona de um país imaginário, só meu, onde reino como rainha única que dele dispõe. No entanto, disponibilizo-me a partilhá-lo com quem já nele viveu, ou com quem revela uma manifesta curiosidade de o conhecer.

Porque são lugares onde ainda vivem muitos dos amores que deixei.

Aida Batista/MS

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