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Ucrânia vai compensar mulheres vítimas de abusos sexuais dos russos

Ucrânia vai compensar mulheres vítimas de abusos sexuais dos russos. ROBERTO SCHMIDT / AFP

A Ucrânia vai compensar cerca de 500 mulheres identificadas como vítimas de crimes sexuais cometidos por soldados russos durante a invasão. Uma prática denunciada pela ONU e que terá deixado marcas perenes em milhares de vítimas.

A acusação tem quase dois anos. “A Rússia usa as violações como estratégia militar” e alguns soldados “são equipados com Viagra”, denunciou, em outubro de 2022, a representante especial das Nações Unidas para a violência sexual em conflitos, Pamila Patten.

Algumas das vítimas sofrem com os traumas dos abusos e das torturas sexuais pelo menos desde 2014, data da entrada dos russos nos territórios agora ocupados de Lugansk e Donetsk. A prática continuou com a “operação especial” lançada por Vladimir Putin, em fevereiro de 2022. Segundo o Fundo Global de Sobreviventes, criado em 2019 pelos Nobel Denis Mukwege e Nadia Murad, haverá milhares de mulheres ucranianas abusadas sexualmente pelos russos nos últimos 10 anos.

Cerca de 500 mulheres foram confirmadas como vítimas de abusos sexuais russos e vão ser compensadas pela Ucrânia, com ajuda financeira, médica e psicológica. “As reparações às vítimas de violações graves dos direitos humanos, incluindo as vítimas de violência sexual relacionada com conflitos, não são apenas um apoio económico. Trata-se de um passo importante para o restabelecimento da justiça”, defendeu ao “The Guardian” a primeira dama ucraniana, Olena Zelenska.

“A reabilitação e a indemnização são um elemento da reparação, mas o que os sobreviventes consideram muito importante é o reconhecimento”,  diz Esther Dingemans, diretora do Fundo Global de Sobreviventes (GSF, na sigla original), que gere o projeto ucraniano de compensações, com fundos de governos doadores. Será a primeira vez que os sobreviventes são compensados durante um conflito ativo, ressalva.

“O regime de compensações oferece uma confirmação de que o que lhes aconteceu é oficialmente reconhecido. Isto também envia uma mensagem à comunidade em geral”, argumenta Dingemans. Uma perspetiva que acolhida por uma das vítimas assumidas e confirmadas dos abusos russos, Lyudmila Huseynova. “As reparações podem ajudar, mas têm de incluir um apoio holístico à saúde física e mental. As mulheres precisam de ter acesso a um psicólogo – não apenas para algumas sessões, mas durante o tempo que precisarem. O trauma da violência sexual não desaparece”, disse.

“Quando fui libertada tive de reaprender a andar”

Huseynova foi uma dos oito civis libertados na primeira troca de prisioneiros do sexo feminino com a Rússia, em outubro de 2022, em conjunto com 100 soldados ucranianos. “Durante três anos e 13 dias, fui mantida numa cela sobrelotada”, às mãos dos separatistas do Donetsk. “Não vi o céu e o ar era pesado devido ao fumo dos cigarros”, contou ao jornal britânico “The Guardian”.

“Quando fui libertada tive de reaprender a andar e a encher o peito de ar”, recordou. Mas os traumas psicológicos não a largam. “Ainda acordo a meio da noite a sentir a forma horrenda como me tocavam e não consigo dormir”, conta.

Num país em guerra, os serviços públicos da Ucrânia estão por um fio. E no hospital de Dnipro, onde foi recebido depois da libertação, faltavam meios humanos, técnicos e capacidade humana para a entender. “Não os culpo, mas não estavam preparados para lidar com alguém como eu”, desabafa.  “Não sabiam como me abordar ou falar comigo, o que causou mais danos psicológicos a longo prazo”, acrescentou.

Foi esta experiência que levou Huseynova a juntar-se ao GSF. Tendo sido vítima, quer colaborar na solução e garantir que outras vítimas de abusos sexuais da guerra tenham melhor apoio do que aquele que teve. “Os sobreviventes deixam as prisões sem nada”, recorda.

Homens também estão a denunciar abusos

E não são só mulheres. Há relatos de homens e rapazes que também foram abusados pelos russos. “Sabemos, com base noutros contextos, que os homens sobreviventes de violência sexual relacionada com conflitos raramente procuram ajuda, mas, surpreendentemente, não tem sido esse o caso na Ucrânia”, disse Fedir Dunebabin, representante do GSF na Ucrânia. “Muitos homens sobreviventes estão a dar um passo em frente para lutar pelos seus direitos e pela justiça”, acrescentou.

A diretora do GSF, fundado em 2019, considera que a sociedade civil e o governo da Ucrânia têm sido eficazes na abordagem ao estigma dos sobreviventes de abusos sexuais, como é o exemplo o empenho de Zelenska. Ainda segundo Dingemans, há novas leis em discussão no parlamento ucraniano que definirão a violência sexual relacionada com conflitos como um crime distinto e criarão um registo nacional para registar os casos.

JN/MS

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