70 Anos no Canadá

Portugal no Canadá – 70 anos de história

70 anos - milenio stadium

 

Caminhamos a passos largos para o ano 2023. A comunidade lusófona do Canadá irá comemorar, nessa altura, os 70 anos da abertura oficial da emigração para este país.

Lembrar e comemorar datas como a do desembarque de um punhado de homens em Halifax, a 13 de maio de 1953, são ações de memória intrínsecas ao ser humano que nos permitem refletir criticamente sobre o passado e, são ao mesmo tempo, fonte de muitas lições para futuras gerações.

Dentro deste espírito de celebração, iremos registar neste espaço durante os próximos sete meses, uma rubrica mensal sobre essas chegadas e partidas, os lugares de memória por excelência, histórias dos pioneiros que já não se encontram entre nós, e dos filhos e netos deles que são pioneiros também.

Começo por recordar a minha chegada a Toronto nos anos 60 – e as primeiras impressões que guardo da comunidade portuguesa.

Toronto nos anos 60

Em 1967, Toronto era uma cidade promissora, mas definitivamente muito longe de ser, como é hoje, a maior cidade do Canadá! Montreal comparativamente tinha, nessa altura, o dobro dos habitantes de Toronto e era o centro financeiro e económico deste país. Contudo para nós portugueses, na esmagadora maioria vindos de regiões não urbanas, Toronto parecia uma cidade moderna e todos eram atraídos pela sua vivacidade e promessa de vir a ser a “boom town”.

Recordo vagamente as ruas da Baixa, especialmente a Bay street, festiva e engalanada, para as celebrações do Centenário do Canadá que haviam decorrido naquele ano e se prolongaram até dezembro de 1967. O edifício da nova City Hall era dos mais emblemáticos, mas os prédios mais altos que se impunham na cidade era o TD Centre (acabado de inaugurar) nas ruas Bay e King e o hotel Royal York na Front St. A equipa de hóquei no gelo, Toronto Maple Leafs, foi campeã (pela última vez, se não me engano!). Não havia cafés ou restaurantes, como hoje. A cidade era bastante pacata, exceto na zona da Yorkville e da rua Yonge a sul da Gerrard, onde a cultura hippie atraía jovens como eu. Lembro-me de alguém me ter levado, logo que cheguei, à zona dos gregos, algures na Danforth, para tomar um café expresso, o meu primeiro café com sabor a Portugal. No ano seguinte, abriria nas ruas College e Clinton o Café Diplomático. Não posso esquecer como as ilhas de Toronto, especialmente a Central Island, eram o lugar favorito nos domingos de verão.Ou, como nós, jovens portugueses, eventualmente descobrimos as praias de Wasaga Beach. Mas tudo isto era raro, e só acontecia depois dos primeiros anos de adaptação e de algum dinheiro no bolso.

Durante a primeira década, após a chegada dos primeiros portugueses e logo que se iniciou o reagrupamento familiar, a grande maioria dos jovens em idade escolar trabalhava aos fins de semana, ou mesmo depois da escola. O estatuto de estudante que em Portugal era sagrado – o menino de gente de bem que geralmente não precisava de trabalhar -, não existia no Canadá. Aqui o estudante canadiano tinha de angariar o dinheiro para pagar os seus estudos! E nós, filhos de imigrantes recém-chegados, aprendemos a lição de imediato. Todos lá em casa trabalhavam, fosse de dia ou à noite, se necessário fosse, para sobreviver. Os adultos que trabalhavam durante o dia, tinham muitas vezes que ir à escola da noite para aprender a língua ou obter as aptidões ou certificados necessários para conseguir melhor emprego, pois a maioria recém-chegada ocupava os empregos do escalão salarial mais baixo, como é comum na primeira vaga da imigração. Não faltava quem tivesse um part-time para ajudar o orçamento familiar. Em minha casa, por exemplo, o meu pai trabalhava na construção, mas à noite tinha um contrato de limpeza numa pequena loja de equipamento desportivo, essencialmente de esqui – Margensons, acho que era o nome! E os filhos mais novos, ou a minha mãe em algumas ocasiões, tinham que dar uma ajuda naquelas duas ou três horas de trabalho, ali algures na Baixa de Toronto, Adelaide e Church streets se não me falha a memória. Eu também entrei nessa tarefa empresarial do meu pai. Onde recusei participar foi na apanha da minhoca. Lá em casa, alguns dos meus irmãos foram campeões nessa tarefa. Com uma lata afivelada aos pés e uma luz presa na cabeça, conseguiam apanhar em noite ideal mil minhocas numa hora de trabalho.Tudo começou no Bellwoods Park, mas depois prolongou-se por algumas noites passadas noutros parques do Ontário.

O ambiente familiar dos portugueses recém-chegados era bastante conservador e a sua vida social ainda girava muito à volta da igreja (neste caso a de Santa Maria, na Bathurst e Adelaide). Acreditem os jovens de hoje que a igreja era dos poucos locais onde era possível às raparigas conviver com rapazes portugueses. Claro que já haviam sido fundados um ou dois clubes – o First e o Madeira Club -, mas atividades culturais ou outros lugares de confraternização para as gentes portuguesas eram muito poucos ou quase inexistentes. Os homens juntavam-se aos fins de semana nos “bilhares da Augusta” ou em redor do Portuguese Book Store, ouvindo os relatos de futebol ou esperando a chegada semanal dos jornais com notícias “frescas” de Portugal. A comunidade ou “colónia portuguesa” de Toronto, como era referida pelas entidades portuguesas, tais como o Consulado, estava ainda no seu embrião natural. A área da Kensington Market e o distrito de Alexander Park, que ia da Spadina à Bathurst e da Queen à Dundas, aglomeravam a grande maioria dos recém-chegados. Quando cheguei, a comunidade estava já espalhada para Oeste, tendo chegada à Ossington e até à Dovercourt Ave. A década de 70 viria acelerar rapidamente o seu crescimento até à Lansdowne.

Eu vim juntar-me à família que vivia na zona do Bellwoods Park, junto à Dundas. Os tempos livres concentraram-se nos meus primeiros três anos, à volta da igreja de Santa Maria, na Adelaide e Bathurstpara onde fui encaminhado com o intuito de dinamizar um grupo de jovens acabado de se formar, sob a orientação do padre Alberto Cunha. Fazíamos teatro, reuniões e passeios organizados. Ali nasceu o grupo musical “Os Rebeldes” que viria a ser o segundo na comunidade, depois do “Boa Esperança”. Na minha perspetiva e experiência, esta igreja e o seu Centro Paroquial Português foi, durante a segunda metade da década de 1960 e a primeira de 1970, o epicentro da vida comunitária portuguesa. Dali nasceram muitas iniciativas – assistência social, centenas de oportunidades de emprego, eventos de caráter recreativo e cultural, incluindo a primeira celebração do dia de Portugal em Toronto, a 10 de junho de 1966 e a grande Festa do Senhor Santo Cristo dos Milagres. No ano seguinte, a paróquia voltou a organizar um cortejo de carros alegóricos que passou pelas ruas Bay e Front. Eu não cheguei a tempo de presenciar o cortejo, mas ainda pude testemunhar a participação da minha família nos eventos, pois na nossa garagem encontravam-se alguns painéis com pinturas dos barcos moliceiros alegóricos à minha terra natal.

Meio século depois, muito mais há para contar da minha experiência em Toronto. Ficará para a próxima vez.

Domingos Marques

Redes Sociais - Comentários

Artigos relacionados

Back to top button

 

O Facebook/Instagram bloqueou os orgão de comunicação social no Canadá.

Quer receber a edição semanal e as newsletters editoriais no seu e-mail?

 

Mais próximo. Mais dinâmico. Mais atual.
www.mileniostadium.com
O mesmo de sempre, mas melhor!

 

SUBSCREVER