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Ana Bailão – TORONTO – O futuro está já aí

 

A recém-empossada vice-presidente da cidade de Toronto fala, em exclusivo ao Milénio Stadium, do futuro, das responsabilidades acrescidas e dos grandes desafios que tem entre mãos. Combater o crime organizado e as mortes nas estradas da cidade estão no topo das prioridades. É preciso trabalhar a vida, combatendo as mortes inúteis e violentas.

Milénio Stadium: Ana Bailão, em primeiro lugar, e porque estamos mesmo no início de um ano novo e se costuma olhar para trás nestas alturas: 2018 foi um ano particularmente intenso para todos os políticos do Ontário e, enfim, do Canadá de uma forma geral, porque se juntaram duas eleições muito importantes. Por um lado, as eleições provinciais e, logo de seguida, as autárquicas. Que balanço é que a Ana faz do ano 2018, sendo certo que teve aquela vitória retumbante, mas em termos pessoais e políticos, o trabalho desenvolvido… Que balanço é que faz?
Ana Bailão: É um balanço obviamente positivo, visto os resultados finais terem sido bastante positivos. Mas, na verdade, não foram umas eleições normais. Foram umas eleições onde as regras mudaram a meio do “jogo”. Portanto, o tipo de eleição que estávamos a ter mudou já com a eleição em curso. Obviamente isso cria tensões, cria pressões e, portanto, foram umas eleições muito fora do normal, mas acho que o balanço ao fim do dia, obviamente, a nível pessoal foi positivo visto ter conseguido uma vitória, uma vitória bastante significativa, ter conseguido estar em contacto direto com um grande número de moradores da área, conseguir o apoio deles…

MS: Até porque essa área aumentou exponencialmente também com a mudança…
AB: Hoje em dia é o dobro. Eu representava perto de 50 mil habitantes e hoje represento 107 mil habitantes, portanto é mais do dobro.

MS: Portanto, a responsabilidade acha que está acrescida ou é exatamente a mesma?
AB: Não, a responsabilidade está acrescida! É assim, nós tínhamos 44 vereadores, hoje temos 25. Portanto, não só a nível local representamos o dobro do eleitorado, a área geográfica é muito maior, e os assuntos camarários onde anteriormente havia 44 pessoas a decidir hoje há 25 apenas. E nas pastas a nível da cidade e dos assuntos distribuídos também temos um impacto maior visto sermos só 25.

MS: Mas há quem defenda que o facto de serem 25 – era essa aliás a teoria de Doug Ford – torna a gestão mais eficaz. A Ana partilha dessa opinião?
AB: Eu acho que a mudança não vai ser suficiente, para ser sincera, para se notar tanto essa eficácia. Havia de haver outras medidas que seriam até talvez mais eficazes para ter esse resultado final. Obviamente que quando são 25 contra 44 ideias, pode haver a ideia que há menos hipótese de se perder tempo, mas é como lhe digo, não sei até que ponto é que se tornará assim tão mais eficaz. Eu acho que outras medidas seriam bastante mais necessárias para trazer essa eficácia.

MS: Entretanto John Tory renovou a confiança na Ana Bailão dando-lhe um lugar da maior importância no conselho de vereadores. Não só pelo facto de ser, de novo, vice-presidente da Câmara de Toronto, mas porque lhe foi atribuída uma responsabilidade muito grande numa das áreas cruciais – ou pelo menos muito falada na campanha como sendo crucial – para o desenvolvimento da própria cidade, um desenvolvimento sustentado, que é a área da habitação…
AB: Exato. Portanto, nós agora com esta nova forma de estruturar a cidade temos 4 comissões de trabalho aqui na Câmara, 4 pelouros. Um desses pelouros é o pelouro de todo o planeamento urbano e habitação. Portanto, são duas pastas que ficaram juntas. Todo o planeamento da cidade, o planeamento dos transportes urbanos… Portanto, todo o nível de construção e de habitação e de tudo mais que é feito na cidade e, depois, a questão da habitação que é de extrema importância. Como a maioria das grandes cidades no mundo, é um assunto com que nos debatemos aqui, dia após dia, com o custo da habitação. E eu fiquei como presidente dessa comissão, fiquei com esse pelouro. Há 4 vereadores que têm pelouros diferentes e eu fiquei com esse pelouro e acho que sim, que foi um voto renovado de confiança do presidente da Câmara. Sinto-me lisonjeada por isso, mas é realmente um grande desafio e é um desafio que a Câmara Municipal não poderá enfrentar sozinha porque, aliás, a questão da habitação está muito ligada a questões do governo federal e do governo provincial, não é? As questões das hipotecas, as questões dos juros, isto tem tudo a ver com o governo federal. Portanto, isto não são assuntos que estejam estritamente só ligados ao poder municipal, à autarquia. Há muitas questões que são decididas a nível provincial e a nível federal que têm um impacto profundo nesta área.

MS: Sim, mas a voz da Ana Bailão será, com certeza, muito ouvida – ou pelo menos deverá ser – nesses outros fóruns a nível provincial e federal, não é?
AB: Sim, exatamente! As reuniões e os trabalhos já começaram. Até mesmo antes do Natal já tive oportunidade de estar com o Ministro dos Assuntos Municipais, que quis logo encontrar-se comigo porque também a província acredita que este é um assunto bastante importante e que temos de trabalhar juntos nesta questão.

MS: Quais são as suas ideias fortes para este ano de 2019? Quais são as suas maiores preocupações nomeadamente nesta área, que é uma área absolutamente sensível na cidade? O que é que acha que pode começar a fazer desde já?
AB: Nós começámos dois dias depois das eleições. Eu e o presidente da Câmara anunciámos que íamos usar 11 propriedades da Câmara onde íamos fazer um leilão público para que essas propriedades fossem usadas para habitação, a preços mais acessíveis. Já estamos a trabalhar nisso, essas 11 propriedades vão a concurso público nestes próximos meses e, portanto, vamos fazer parcerias com o sector privado e com o sector não-lucrativo para construir milhares de unidades de habitação mais acessível. Este foi logo um primeiro passo. São 11 propriedades que irão produzir milhares de unidades, mas é só o primeiro passo. Nós estamos já à procura de outras propriedades. Eu acho que nós temos que usar o que temos, seja a nível de propriedades da Câmara – a Câmara ainda hoje é proprietária de inúmeras propriedades aqui na cidade de Toronto – temos de utilizar melhor os investimentos que fazemos no trânsito e, portanto, para todas as propriedades – sejam nossas ou não – fazer planos secundários, fazer um melhor planeamento urbano à volta destas áreas que já têm bons acessos, para que a habitação a preços mais acessíveis esteja também próxima dessas artérias e dessas áreas e, depois, continuar com o programa que temos, que é o Open Door, a dar alguns incentivos e apoios ao sector não-lucrativo e de habitação privada.

MS: Esses planos que tem para a cidade relacionam-se também com uma das preocupações de que lhe falava e é também uma das partes do grande tema de capa do Milénio desta semana e que tem a ver com as mortes na cidade de Toronto. Houve 47 pessoas, 42 peões e 5 ciclistas que morreram na cidade de Toronto. Isto faz-nos pensar também no que é que se pode fazer para mudar a cidade, para a tornar mais amiga dos peões e dos ciclistas e, ao mesmo tempo também, haver mais consciência por parte dos próprios peões e ciclistas que não estão sozinhos na estrada, não é?
AB: O que nós temos que fazer para prevenir as mortes de ciclistas, de peões ou até mesmo de pessoas que circulam dentro de um automóvel – embora que, obviamente, quando se está dentro do carro está-se muito mais protegido do que se for na rua ou a andar de bicicleta e são menos as mortes dentro dos carros – é compreender que esta é uma cidade que está a crescer a um ritmo alucinante. Temos de tentar estudar e aliar maneiras das pessoas se movimentarem de um lado para o outro nesta cidade que sejam seguras e convenientes. E para isso não podemos dizer que os carros são mais importantes do que o TTC, ou que as bicicletas são mais importantes que os carros… Nós temos de pensar que temos de criar uma cidade em que qualquer pessoa tenha a possibilidade de se deslocar num destes modos. Se quiser andar de bicicleta que o possa fazer de uma maneira segura porque são menos carros que vão estar nas ruas, o que vai beneficiar também os carros. Se a pessoa tiver necessidade de se deslocar de carro também o deve fazer de uma maneira segura e ter a possibilidade de fazer de uma maneira rápida, não estar duas horas no trânsito. Ou seja, temos que criar modos de garantir que as pessoas se deslocam em segurança, com mais vias específicas quer para peões, quer para ciclistas. Mais sinalização que garanta que uns se respeitam aos outros e que todos têm o seu lugar.

MS: 2018 tornou ainda mais evidente, com números nunca antes alcançados, um problema sério da cidade de Toronto – o número de mortes violentas, com armas. 96 mortes por assaltos à mão armada ou em troca de tiros entre gangues é, unanimemente, um problema que urge resolver. Atingiu-se este ano um número absolutamente raro e inusitado na cidade de Toronto. Não é um número excessivo, considerando a cidade que é e o número de população que tem mas…
AB: Ultrapassou os números de 2005 que era o que se chamava “O Verão da Morte”.

MS: Pois… exatamente. O governo de Ottawa veio recentemente garantir 6,7 milhões de dólares, durante cinco anos, para um “projeto de cura” comunitário para prevenir o crime. Na sua opinião é por aqui o caminho?
AB: É! Sem dúvida! É preciso fazer um trabalho que retire estes jovens, que estão em risco e que estão identificados, deste mundo do crime organizado. Se conseguirmos dar-lhes condições de terem o seu trabalho, fazê-los sentirem-se mais integrados na sociedade e, por outro lado, se a comunidade estiver atenta. Por isso nós na Câmara Municipal de Toronto já temos implementados planos de apoio ao emprego destes jovens, garantindo que as empresas que ganham empreitadas de obras camarárias têm nas suas equipas uma percentagem de trabalhadores guardada para estes jovens; isto já está a acontecer e vai ser ainda mais incentivado, dentro do projeto que já foi anunciado e que já está a ser desenvolvido, que visa exatamente resolver este problema da violência nas ruas da nossa cidade – o Vision Zero. Por outro lado, é preciso também, naturalmente, aumentar ainda mais o policiamento nas ruas, para garantir mais segurança ao cidadão. O aumento de violência entre gangues é uma realidade e exige uma mais apertada fiscalização. Para além do policiamento convencional, a polícia municipal está também já a desenvolver uma outra componente muito importante – o neighbourhood officer program – um projeto que envolve diretamente a comunidade e que a faz estar mais atenta e próxima, com um policiamento com mandatos de maior duração, com formação específica para este efeito, mais robusto, mas também mais dirigido para a construção de relacionamentos.
É claro que também tem que haver por parte do governo federal uma maior atenção à forma como as armas aparecem no mercado e à facilidade com que chegam aos potenciais criminosos.

MS: Ou seja, fechando o ciclo – criar uma cidade com mais habitação acessível para que todos possam viver condignamente, melhorar os transportes públicos, a sinalização e as vias para que os ciclistas e os peões convivam tranquilamente com os automobilistas e por outro lado tornar esta cidade mais segura, combatendo na raiz o crime organizado. Este é o grande trabalho que vos espera para este novo mandato.
AB: Sem dúvida! Entre outras coisas, naturalmente, mas é muito por aí que terá que ser o futuro da cidade de Toronto.

Madalena Balça/MS

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