“Precisamos entender que uma crise de saúde requer um apoio imediato e generoso”

O Canadá é um país rico e desenvolvido, mas que lida, assim como outros da América do Norte e Europa, com altos índices de jovens a apresentarem problemas de saúde mental dos mais diversos. De acordo com estudos nessa área, o Canadá apresenta o terceiro maior nível de suicídios entre jovens em países industrializados, sendo que aqui o suicídio é a primeira causa de mortes entre pessoas entre os 10 e 24 anos aparecendo apenas depois dos acidentes. Outros dados apontam que cerca de 25% da juventude canadiana apresenta pelo menos uma questão de saúde mental e apenas um em cada cinco desses jovens buscam de fato ajuda ou tratamento para tais problemas. Entra aí outro fator complicador, o tempo de espera, que pode ser de até um ano para aqueles que tomam coragem e buscam ajuda médica.

Diante desse cenário, já há 10 anos a Youth Mental Health Canada (YMHC), realiza um trabalho de conscientização e apoio junto a esses milhares de jovens e suas famílias, além de buscar o engajamento comunitário para educação, apoio, defesa e mudança da maneira como a saúde mental é abordada e disponibilizar mais recursos para a causa.

Nesta entrevista a diretora executiva Youth Mental Health Canada, Sheryl Boswell, nos apresenta um pouco do trabalho da organização, destaca o crescimento no ritmo de trabalho durante a pandemia, momento em que muitos jovens recorreram ao serviço, mas ao mesmo tempo muitos voluntários também foram incorporados à organização, explica os sinais de alerta aos quais pais e educadores podem estar atentos e como buscar ajuda para esses jovens. Também faz uma análise crítica do sistema existente para apoiar essa juventude com questões mentais, destacando que é preciso mais investimentos de todos os níveis, desde governos até a iniciativa privada, para auxiliar organizações como a YMHC, que desenvolvem um trabalho tão importante e focado na saúde e bem-estar da população mais nova e futuro da nossa sociedade.

Milénio Stadium: Que tipo de serviços a sua organização oferece para jovens com questões de saúde mental?
Sheryl Boswell: A Youth Mental Health Canada oferece o seguinte apoio, serviços, recursos e informações: pacotes de cartazes multilíngues sobre saúde mental – aproximadamente 100 cartazes em cada pacote em mais de 20 idiomas; cinco livros de exercícios para o bem-estar mental: quatro de exercícios de revistas criativas e um de Bem-Estar Mental; apoio de pessoas que já passaram por situações semelhantes para jovens com questões de saúde mental, workshops e cursos de treinamento que abrangem uma gama de tópicos relacionados à saúde mental juvenil; três serviços on-line de apoio e compaixão: Serviço de Cartão de Compaixão e um destinado as comunidades Indígenas, esse serviço que consiste em mandar um cartão com mensagens positivas e incentivadoras para qualquer pessoas que esteja lutando contra uma questão de saúde mental, Mensagem Diária de Apoio, além de uma escola- programa de suporte para pais e educadores com downloads gratuitos de nossos 24 cartões com mensagens de apoio; quatro plataformas de mídia social sendo que são as maiores e mais engajadas plataformas de saúde mental do Canadá; download gratuito de folhetos sobre saúde mental para jovens; três websites: nosso principal, www.ymhc.ngo, nosso site de educação : https://edu.ymhc.ngo e nosso último website, https://schoolphobia.ymhc.ngo. Fazemos pesquisa sobre as necessidades de saúde mental e bem-estar dos jovens e a primeira pesquisa do Canadá sobre fobia escolar e absenteísmo crônico.

MS: Há quanto tempo a organização já oferece esse tipo de apoio e tem notado um aumento na busca de ajuda nos dias de hoje?
SB: A YMHC vem operando há quase 10 anos: primeiro, como Youth Mental Health Action Group e depois como Youth Mental Health Canada. Fomos incorporados pela Corporations Canada como uma organização beneficente sem fins lucrativos em 2018. Levou quase dois anos para ser registrada como uma organização de caridade. Estamos registrados como YMHC Charitable Foundation junto ao CRA. Nosso alcance nas mídias sociais está na casa dos milhões. Durante o primeiro ano da pandemia global tivemos um enorme aumento em nossa base de voluntários com quase 150 voluntários e muito mais pessoas acessando nossos serviços, como as mensagens personalizadas on-line e workshops.

MS: Quais são os problemas mais comuns que seus pacientes apresentam e eles têm um determinado perfil?
SB: Não temos pacientes ou clientes. A maior parte do nosso trabalho é feita on-line. A YMHC não é patrocinada pelo governo ou por subsídios.

MS: Existem alguns sinais ou características que esses jovens com problemas de saúde mental possam apresentar e que sirva de alerta para pais e educadores e qual a melhor maneira de buscarem ajuda?
SB: Há alguns sinais de alerta a serem observados:
Qualquer mudança nos hábitos alimentares e de sono
Mudanças perceptíveis de humor,
Isolamento: cancelamento de atividades sociais, não frequentar a escola
A melhor maneira de ajudar é antes que alguém já esteja de fato sofrendo de problemas de saúde mental. Fazer check-ins regulares de saúde mental ajuda a normalizar a conversa sobre saúde mental e bem-estar, sentimentos, emoções e humor, estratégias de sobrevivência e formas de se distrair.

MS: Como sociedade, o que poderia ser feito para melhorarmos o acesso a programas de saúde mental voltados para jovens e lutar contra o estigma que ainda pode existir sobre o assunto?
SB: Precisamos de uma mudança cultural na forma como abordamos as questões de saúde mental e bem-estar. Precisamos abraçar formas acessíveis de apoio a si mesmo e aos outros, tais como nossos livros de exercícios de bem-estar mental que se propõe a aumentar a autoconsciência e a consciência emocional, construir habilidades na gestão do estresse, lidar com o problema resolução, e tomada de decisões. Precisamos encorajar pessoas de todas as idades a desenvolver um plano de ação pessoal de bem-estar mental para que, quando estão com essas dificuldades, possam se valer desse plano e saber o que fazer. E necessário desafiar os profissionais que viram as costas aos jovens com desculpas para o porquê eles não podem vê-los e porque é necessária uma espera de mais de um ano. Precisamos entender que uma crise de saúde requer um apoio imediato e generoso. Precisamos de pessoas com experiência na causa guiando e liderando a mudança necessária para a comunidade e que colocam as pessoas e suas necessidades no centro do que fazemos.
A YMHC precisa de financiamento. Temos um grande nome, uma grande presença nas mídias sociais. Fazemos coisas grandes. Mas temos um orçamento operacional pequeno. Poderíamos fazer muito mais se o governo e outras iniciativas privadas nos dessem um maior apoio.

Lizandra Ongaratto/MS