Temas de Capa

Mudar para ser feliz

Maria Helena da Bernarda sai de casa e procura pessoas para conversar – de uma forma muito básica é esta a essência do projeto que abraçou há já 5 anos, o “Nós nos Outros” e que tem desenvolvido através de redes sociais, nomeadamente o Facebook e Instagram. Este conceito, entretanto, também já foi transportado para livro. Mas o que é afinal o “Nós nos Outros”? No fundo, Maria Helena pretende demonstrar que nós podemos rever-nos, de certo modo, em muitas histórias que fazem parte da vida de outros.

Acontece que antes de ser a autora deste projeto, Maria Helena da Bernarda era uma mulher bem-sucedida profissionalmente. Como gestora e economista não lhe faltava trabalho e não tinha nenhum problema em o desenvolver com sucesso. O problema era só um – Helena não era feliz com o que fazia. Um dia, aos 52 anos, resolveu deixar a economia e dedicar-se ao verdadeiramente gosta de fazer – fotografia e falar com pessoas.
Sérgio Meira foi médico/cirurgião. Especializou-se na área de transplantes. Tornou-se muito conhecido e reconhecido pelo seu trabalho. Era um médico reputado. Depois de passar pelos anos traumáticos da pandemia resolveu primeiro fazer uma pequena pausa nessa vida profissional, mas a pausa transformou-se em mudança radical e hoje Sérgio Meira, cumprindo um sonho de menino, é padeiro.

Vamos conhecer estas histórias de vida tão inspiradoras e perceber que, com alguma coragem, é mesmo possível mudar e seguir um outro caminho. O caminho da realização pessoal e profissional, o caminho da felicidade.

 

maria-Helena da Bernarda

Maria Helena da Bernarda

Milénio Stadium: Como é que lhe surgiu esta ideia de criar as páginas “Nós nos Outros” no Facebook e Instagram?
MHB: Esta ideia surgiu num momento da minha vida em que eu quis dar substância a atividades que gostava de fazer e de conjugar entre elas a escrita. Por um lado, a fotografia e também falar com pessoas. Foi há exatamente cinco anos que tudo aconteceu. Tive sempre uma orientação muito forte para as pessoas. Desde pequenina que observava e escutava, às vezes de forma até inconveniente, como a minha mãe me dizia quando eu era pequena.
Mais tarde, tive uma vida ligada à gestão, sou economista de formação. Nunca foi uma atividade em que eu me realizasse pessoalmente. Profissionalmente, sim, tive até bons resultados, mas não emocionalmente. Num certo momento, a minha vida, tinha eu 54 anos mais ou menos, mudou. Tive que pôr ou quis pôr, um ponto final nesse meu trajeto de vida profissional, até porque a saúde a isso obrigou. A saúde e uma forte desmotivação, palavra que eu não sabia o que era até então. E foi nessa altura que tive a possibilidade de me encontrar comigo própria. Foi nessa altura que comecei a tocar piano de forma mais séria, com aulas, porque eu não tinha formação musical, tocava piano de ouvido e arranjei um professor que me ajudou a ter formação musical e a poder tocar música clássica. Entrei também na fotografia, fiz um curso nessa altura. A escrita já desenvolvia embora não de forma profissional também.
Quando deixei de trabalhar na área profissional que durante anos foi a minha, uma sobrinha minha perguntou-me o que é que eu ia fazer com essas valências. Eu, na altura, estava a escrever um bocado na minha página pessoal do Facebook e a fazê-lo cada vez com mais frequência, a encontrar na comunicação uma satisfação. Até porque escrevia sobre assuntos do dia, dava opiniões, às vezes também sobre coisas mais culturais. Por exemplo, visitava uma exposição e depois fazia fotografias e falava das coisas que via, partilhava. Mas em dado momento pensei que estava a expor-me muito. Porque é que eu só falo de mim, da minha versão das coisas? Também é legítimo fazê-lo, mas estava a sentir-me muito confortável com a exposição pessoal. E então pensei que gostava de continuar a comunicar, mas gostava era de dar voz às pessoas. Quando eu disse isto a uma minha sobrinha, ela disse “Oh, tia, conhece um projeto que nasceu na América, que é o Humans of New York?” e eu não conhecia, nunca tinha visto. E fui ver e disse realmente é muito isto que eu gostava de fazer. Com algumas nuances diferentes, mas sim, é isto. Não sabia se ia ser difícil fazer aquela primeira abordagem na rua, porque o princípio é abordarmos pessoas ao acaso e, portanto, há sempre aquele acanhamento de nos dirigirmos a um desconhecido e de repente convidar essa pessoa a ter uma conversa aberta connosco, não é? Mas isso só custou um bocadinho a primeira vez no primeiro dia. E a partir daí é isso que eu faço.
Às vezes, excecionalmente, convido figuras públicas, talvez até para reforçar a credibilidade do projeto. Mas no fundo, não é preciso. Essas figuras públicas não têm mais gostos, mais likes, do que têm as figuras desconhecidas e então passei a fazer disso uma missão de vida. Quem tiver a oportunidade de ler os comentários da comunidade, percebe que sou muito empurrada agora para isso, mas que é uma coisa que me dá muita satisfação. As pessoas manifestam muito gosto em ler diariamente, quando acordam, a história do dia. Ela é publicada aqui em Portugal às 06h30 da manhã. Todos os dias, sem exceção. No meio destes cinco anos, passei por muitas situações de saúde, de casamento, uma filha, nascimento, uma neta, enfim, nada me demoveu, nem o nem o dia de Natal, nem a passagem de ano. Nunca deixei de publicar uma história diária.

 

Maria Helena da Bernarda 2

 

MS: Como é que as pessoas reagem quando a Helena aborda alguém que não conhece e tenta iniciar uma conversa?
MHB: Muitíssimo bem. Eu sei que pode ser difícil acreditarem, mas a primeira reação das pessoas é muito, muito aberta e a enormíssima maioria das pessoas diz-me que sim. Admito que também pelo facto de eu ter já não ser uma jovem – fiz 60 anos este ano, tenho um filho. Não me fica bem dizer, mas tenho um sorriso aberto, tenho uma abordagem educada e natural. E essa naturalidade é muito desarmante às pessoas. Ninguém me recebeu nunca mal. Ninguém me disse não me incomode

MS: Voltando ao título “Nós nos outros”, tem neste momento a certeza de que, de facto, através desse seu espaço, nós conseguimos ver-nos nos outros?
MHB: Sim. Esse título veio-me à cabeça por sentir que era o que melhor exprimia aquilo que eu pretendia passar. É que nos outros, nas histórias dos outros, nós encontramos o melhor de nós mesmos. Esse melhor chama-se empatia. A capacidade de nos pormos no lugar deles. A capacidade de nos comovemos com as comoções dos outros. Essa capacidade é o nosso melhor. No dia em que nós não formos capazes de olhar o próximo com compreensão, com compaixão, com solidariedade, nós não temos interesse nenhum como pessoas. E é isso que eu pretendo despertar.

MS: A Helena disse-nos que era uma pessoa insatisfeita com a profissão que tinha. Hoje podemos dizer que a Helena é uma pessoa feliz com aquilo que faz?
MHB: Perfeitamente. Isto foi uma espécie de balão de oxigénio que me surgiu. Eu se estou num dia mais em baixo, olhe, até vou dar um exemplo – se eu estou com uma enxaqueca, eu tenho duas hipóteses: ou tomo um comprimido para a enxaqueca ou vou para a rua falar com uma pessoa. E sabe-me tão bem, e dá-me tanto prazer. O facto de estar ali a dar atenção a outra pessoa desvia-me da minha dor. E dá uma espécie de adrenalina também, que faz com que eu me sinta melhor, seja mais feliz. Sinto-me melhor fisicamente e psicologicamente também. Mas isso acho que é o que acontece a todas as pessoas que façam algo que dê sentido à sua vida. Quase sempre, quando nós fazemos algo em prol dos outros, encontramos um sentido para a vida. Eu posso dizer que há aqui três vertentes. Eu acho que isto não é um win win project, é um win win win project. Porque ganho eu – no sentido que dei à minha existência; também ganha a pessoa que fala comigo – porque fica tão satisfeita de ser escutada, de ter uma voz; e ganham os leitores – são inúmeras as manifestações de apreço pela página. É muito compensador, muito compensador.

 

Foto Sérgio Meira 8

Sérgio Meira

Milénio Stadium: O Sérgio um dia resolveu mudar de vida de uma forma radical. O que o fez deixar a sua profissão de médico e tornar-se padeiro? Podemos dizer que, em grande medida, foi o desejo de concretizar um sonho de menino?
Sérgio Meira: Sim, sempre gostei dessa área da gastronomia, a minha avó materna me influenciou bastante nisso. Na década de 80, quando eu era jovem e tinha de decidir o que queria fazer, cheguei a até prestar vestibular para gastronomia, mas na época meu pai não concordou e não me apoiou. Dizia que era uma profissão sem futuro, “ser cozinheiro não seria uma boa opção”…
Assim, seguindo os conselhos da minha avó, fui para a área da medicina, na qual fiquei por mais de 25 anos, mas sem nunca me distanciar do estudo da gastronomia.

MS: O facto de ter vivido o terrível período da pandemia como médico e, por isso, ter enfrentado uma situação particularmente traumática foi determinante para ter decidido fazer essa mudança de vida? Ou seja, se não tivesse passado pelo que passou durante a pandemia acha que mudaria na mesma?
SM: Para mim a pandemia foi a gota d’água. Como trabalhava com transplantes de fígado e de intestino, esta fase foi muito ruim e bastante frustrante. Embora houvesse doadores, havia o risco de eles estarem com Covid, não havendo muita segurança se poderíamos ou não utilizar os órgãos doados. Naquele período, ainda não eram totalmente conhecidos os mecanismos de transmissão da doença, de modo que o transplante de órgãos para pacientes já bastante debilitados e imunossuprimidos era uma questão bem delicada e até mesmo arriscada. Nessa época, muitos pacientes que estavam já na fila dos transplantes morriam, assim, na espera de um órgão. Sofri muito ao ver pacientes morrerem sem poderem ser transplantados. Além disso, a vida de um médico dessa área é bem stressante. Transplante não tem hora nem dia e, quando aparece um doador, temos de estar à disposição independentemente de qualquer coisa.

 

Foto Sergio Meira 4

 

MS:: Podemos dizer que o Sérgio é um daqueles casos de pessoas que acabou por viver a frustração profissional, graças à “pressão” da sociedade e da família?
SM: Não me parece que foi tanto assim. Eu realmente gostava bastante de ser médico. Pressão, pressão, mesmo, é agora, especialmente da família e da sociedade, que têm dificuldade em entender como um médico especialista em transplantes do Hospital Albert Einstein abandonou toda uma carreira para virar padeiro. Agora que sigo o meu verdadeiro “sonho”, parece que até existe mais pressão!

MS: Essa frustração estava de certo modo a torná-lo uma pessoa emocionalmente doente?
SM: Super doente. Minha vida estava sem sentido algum, parecendo sem saída mesmo. Terapias, psiquiatras, remédios, nada adiantou. Resolvi, assim, arriscar e, numa mudança radical, disse: vou ser feliz!

MS: Considera que a mudança que a sua vida sofreu lhe trouxe felicidade? Hoje é um homem mais feliz? Ainda não se arrependeu da decisão que tomou?
SM: Muito mais feliz! Mesmo com todas as dificuldades inerentes ao começo de um novo caminho profissional, adoro o que faço! Dedico-me, estudo e me preparo agora com entusiasmo. Estou muito contente: abri uma padaria artesanal que está tendo um grande sucesso, onde, inclusive, tenho a oportunidade de receber, entre os muitos clientes, alguns que já foram meus pacientes transplantados!

Madalena Balça/MS

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