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“As montanhas mudaram-me. Sinto que foi para melhor!” – Ema Dantas

 

Ema Dantas é uma grande mulher que vive num corpo pequeno. A sua grandeza vem da sua determinação, da sua coragem e da sua força mental para conseguir superar os medos e a sua fragilidade. Desde cedo que percebeu a importância de a sociedade mudar relativamente à forma como trata quem tem problemas de saúde mental. A sua enorme vontade de tornar mais efetivo o apoio a quem precisa, fê-la criar a Peaks for Change e passar a demonstrar, ela própria, como o equilíbrio da mente é fundamental para se assegurar um corpo são.

Subiu os mais altos picos do planeta, tornou-se a primeira mulher portuguesa a conseguir tal feito e, lá no cimo, agitou a bandeira da saúde mental. Com tudo isso ela própria sofreu profundas transformações. Desde logo fisicamente, tornou-se mais resistente, escorada em preparações físicas intensas, mas a sua maior transformação aconteceu no interior da sua mente. Tornou-se mais próxima de Deus, passou a ouvir as suas mensagens, percebeu que é Ele quem traça o caminho da sua vida.

Agora parece ter como grande objetivo de vida passar essa paixão pela superação de limites, aos outros. Em breve, vai abrir um ginásio com tudo o que é necessário para preparar o físico, sem esquecer a mente. Parte dos lucros serão encaminhados para mais um projeto da Peaks for Change. Fá-lo porque é sua vontade e por estar convicta de que essa é a vontade de Deus.

Milénio Stadium: A Ema Dantas tem já uma história rica em desafios de escalada superados. Se por um lado tudo começou porque queria chamar a atenção para os problemas de saúde mental, ajudando a angariar fundos para a Peaks for Change, depois acabou por se tornar algo para tratar da sua própria mente?
Ema Dantas: Absolutamente. Eu sei que as vezes quando falo assim, as pessoas dão-me um olhar misto de surpresa ou se calhar que não percebem o que estou a dizer. Mas a combinação do ar puro, da natureza, o silêncio e o esforço físico de caminhar, escalar, etc., é o melhor medicamento. Não há comprimidos que ofereçam tanta clareza mental e paz. O que é um grande problema para as ações das grandes empresas farmacêuticas. LOL

MS: Todos sabemos que a Ema Dantas teve que aprender a lidar com o seu medo de alturas e ainda com a sua aparente fragilidade física. Esses foram realmente os primeiros grandes obstáculos que teve que superar? Como conseguiu?
EM: Sim, esses foram obstáculos que tive de superar, mas para dizer a verdade o maior deles foi o de ter que acreditar em mim própria e aprender a confiar em Jesus, Deus. Como, se calhar, podem lembrar-se eu tenho uma bandeira, que eu própria pintei, que diz #Jesus Rocks. Eu fi-la quando ia aprender a escalar na neve, em Seattle, no Monte Rainier, antes de qualquer montanha. Eu sei que foi a maneira de Jesus me dizer que ele estaria comigo na grande aventura, que me esperava nos próximos anos. E como sabem, esse treino não foi motivador, propriamente. Mas Jesus mostrou-me que nunca me ia abandonar. Porque aquilo que Ele tem planeado para nós não é necessariamente fácil, porque temos que lutar. Eu consegui tudo porque todos os dias ao levantar-me, eu sei que Jesus está do meu lado.

MS: O que se sente quando se atinge um cume?
EM: Resposta difícil. Alívio é a resposta mais simples. Depois é um pouco de admiração pela beleza que nos rodeia. Para mim muitas vezes, como no Everest, havia ansiedade por saber que estava tão alto. 🙂 Por isso eu sei que um pouco da felicidade de ter conseguido chegar ao cume foi obstruída por esse medo, mas depois quando regressei aos campos-base consegui sentir a euforia de felicidade. O que, de certa forma, funciona como se uma receita médica com medicação para ansiedade ou depressão. As montanhas e a natureza proporcionam a mesma coisa, de uma maneira melhor, naturalmente.

MS: Quando pela segunda vez tentou e conseguiu atingir o topo do Evereste, pensávamos todos que a sua história enquanto mulher de grandes escaladas tinha terminado, mas pela preparação física que, através das suas redes sociais, percebemos que está a fazer depreendemos que não. Vai voltar a escalar? Se sim, qual é o seu próximo desafio?
EM: Sim, acho que sim. Acho que é o que Jesus, Deus, tem planeado para a minha vida agora. Gostaria de ir ao Monte Blanc, em França e ao Matterhorn, nos Alpes. Mas como o ano passado parti o pé, este verão se Deus quiser vou somente tentar correr uma ultra-maratona em Revelstoke, na British Columbia – aonde irei atingir uns 15,000 pés (4,500 metros) de altitude. Vamos ver. Colegas alpinistas andam a tentar convencer-me para fazer o K2, mas essa é uma montanha que não me chama a atenção. Parte porque é a montanha mais perigosa e quando eu estava no topo do Evereste, falei com Jesus para me trazer salva para casa e Ele cumpriu, eu não acho que é isso que Ele me estar a dizer para fazer – ir subir o K2. Nem todas as montanhas, só porque estão lá, devem ser subidas. Mas eu sinto falta das montanhas. Mentalmente e fisicamente. Todavia estou a tentar prestar atenção às palavras de Jesus e, se calhar, o Kilimanjaro está novamente nos planos, mas para guiar um grupo de mulheres (e homens) que queiram ir e que queiram aprender como a natureza é a melhor coisa para nós, seres humanos.

MS: E porquê? A escalada e a tentativa de se superar a si própria torna-se, de certo modo, viciante?
EM: Sim. Eu sinto-me viciada e acho que é um sentimento da maioria dos alpinistas – a necessidade de sentir toda a paz e o bem-estar físico e mental é viciante. Mas não é isso, afinal, que a nossa sociedade vende agora, para todos nós, numa caixa de comprimidos? As montanhas e a natureza oferecem o mesmo, sem receita médica.

MS: Há uma componente essencial na escalada que é a capacidade de se integrar numa equipa, que tem que trabalhar em conjunto, respeitando regras essenciais para a sobrevivência de todos e encontrar nessa relação com os outros a força necessária para não desistir. Podemos afirmar que esta componente é uma aprendizagem essencial e que traz depois para a vida fora das montanhas?
EM: Sim. Absolutamente. Parte dessa equipa para mim é Jesus. É Deus. Como sabem na minha primeira tentativa de escalada do Evereste, em 2021, senti-me sem a proteção Dele, e assim nada se consegue. E quando descemos das montanhas e nos integramos na nossa vida quotidiana, apercebemo-nos o quanto a nossa sociedade atual é individualista. Este é um sentimento que é compartilhado com outros colegas alpinistas, quando nos mantemos em contacto.

MS: A sua maneira de olhar para a vida ficou diferente depois de ter escalado os 7 picos mais altos da Terra?
EM: Absolutamente. As montanhas mudaram-me. Eu espero que as pessoas consigam olhar para mim e ver que foi para melhor. Eu sinto que foi para melhor. Eu aprendi o que é ter paz, o que é sentir-me calma, como é fácil viver com menos bens materiais. Aprendi que não necessito de 20 pares de sapatos. LOL. A sério, aprendi que Deus nos proporcionou um lindo mundo e que nos criou para vivermos em comunidade, não em isolamento. E que ele tem um plano para cada uns de nós, mesmo quando os percursos são difíceis.

MS: As escaladas que fez ajudaram-na a encontrar de uma forma mais clara o seu caminho espiritual?
EM: Sim. Como qualquer outra relação, ouvir e prestar atenção ao que a outra pessoa está a dizer é muito importante, isso faz parte da comunicação. Eu aprendi a ouvir o que Jesus me estava a tentar dizer, eu acho. Mas aprendi a ser mais paciente e a ter fé em Jesus e Deus. Eu aprendi que Ele é o meu melhor amigo e com Ele eu não estou sozinha. Eu apaixonei-me mais do que nunca por Jesus.

MS: Está a construir, de raiz, um ginásio próprio para preparação física para escaladas ou outros desafios. Quer falar-nos sobre o que está a construir, que condições particulares terá e porquê?
EM: Sim, Sim! Desculpe os vários sim’s, mas o ginásio é um projeto em que estou muito envolvida e entusiasmada. Pois, o ginásio irá proporcionar aqui, perto de casa, em Oakville, um ambiente semelhante a natureza das montanhas, porque irá ter dois salões onde o ambiente é de altitude acima do nível do mar. Os benefícios para a saúde geral e mental de viver em lugares mais elevados é incontestável. Atletas de alto rendimento fazem treino em lugares como o Quénia para competir melhor. De acordo com vários estudos, anos após anos, o estado do Colorado nos Estados Unidos, que se encontra a 10,000 pés (3.000 metros) é o estado mais saudável do país inteiro. Inclusive, o Colorado tem a percentagem mais baixa de cancro entre os seus residentes. O nível de obesidade também é o mais baixo entre os 50 estados.
As pessoas de Trás-os-Montes não se sentem mais saudáveis? E os da Ilha do Pico por exemplo, ou aqueles que vivem na Serra da Estrela? Eu treinei assim quando fui subir ao Everest, na última tentativa. Usei altitude artificial. Eu também sei o peso que perdi quando estava no campo-base, simplesmente. No meu novo ginásio vamos proporcionar um ambiente para atletas, mas também para qualquer pessoa que queira sentir-se melhor fisicamente, mentalmente e aproveitar os benefícios para a nossa saúde geral, por estarmos em altitudes mais elevadas. O ginásio irá também ter um campo-base para aquelas pessoas que gostariam de perder peso de uma maneira natural, ou simplesmente ter um lugar para recuperar depois de uma lesão física, mas ainda continuar a estar em forma. Se eu já tivesse tido o ginásio no ano passado quando parti o pé… não teria sofrido tanto mentalmente. Finalmente, o ginásio tem o nome de Summit Peaks Altitude Training Inc, e parte dos lucros vão ser dirigidos para a Fundação Peaks for Change, para pagar o nosso novo programa de proporcionar durante 12 meses, uma vez por mês, sessões com um psicólogo particular, escolhido pelos próprios. É difícil, hoje em dia, angariar fundos para caridade, por isso resolvi usar o ginásio e, de uma certa forma, a ‘altitude’ que me fez sentir a mim mesma melhor, para ajudar a Fundação.
MB/MS

 

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