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“A ligação humana é a chave para uma sociedade mais saudável” – Tiago Souza

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Se procurarem, nestas páginas do Milénio desta semana, os testemunhos de alguns pais de crianças e adolescentes (no Vox Pop) podem ler relatos de quem vive com angústia as evidências de problemas de saúde mental dos seus filhos ou com a necessidade de estarem atentos e alerta para o comportamento dos seus descendentes para evitar que um qualquer tipo de perturbação ou desordem mental afete o seu desenvolvimento.

Essa é aliás a melhor forma de prevenir que as depressões, ou estados de ansiedade exagerados, desordens alimentares (anorexia ou bulimia…) se apoderem dos mais novos – atenção redobrada aos sinais amarelos ou mesmo vermelhos que vão sendo enviados pelo comportamento das crianças, dos pré-adolescentes ou adolescentes.

Crescer dói! Por vezes a dor é mesmo física, por exemplo quando a musculatura tenta acompanhar um rápido crescimento ósseo, mas há a dor da alma gerada pelas dúvidas relativamente ao futuro, pela insegurança, pela perda de alguém próximo, por se ter enfrentado uma doença grave, por se sofrer de bullying… as causas são inúmeras e diversas, porque cada ser é único e gere de forma diferente a sua mente.

Tiago Souza é psicólogo e ajuda-nos a entender que, de facto, estar alerta é fundamental, assim como é importante que não se perca, no meio da vida louca dos dias de hoje, a capacidade de se estabelecer ligação humana e não apenas tecnológica, porque neste tempo em que a mudança é acelerada “há uma coisa que não muda: a necessidade que temos uns dos outros”.

tiago souzaMilénio Stadium: Com base na sua experiência, acha que devemos considerar as gerações mais jovens como gerações tristes/deprimidas? Em caso afirmativo, o que é que pode ajudar a inverter esta tendência?
Tiago Souza: Esta é uma questão muito complexa. Vivemos de forma diferente de qualquer outra época. O mundo tecnológico, a pós-industrialização e os avanços na saúde e na saúde mental têm benefícios e desafios. As gerações mais novas vivem de forma diferente, com acesso a um mundo diversificado, e os pais estão a tentar dar mais aos filhos, mas com um preço a pagar. Não se trata de uma geração triste ou deprimida. Estamos, pelo contrário, a “patologizar” a vida e os seus desafios. As novas gerações não têm a oportunidade de aprender com os erros e de enfrentar frustrações, desilusões e problemas. Esta é uma das razões pelas quais estamos a assistir a mais problemas de saúde mental, porque com os avanços vem a complacência. Como podemos inverter a tendência de “patologizar” a vida e os problemas que lhe são inerentes? Não podemos proteger-nos a nós próprios ou aos outros dos problemas. Temos de ensinar às novas gerações que, independentemente dos recursos de que dispomos atualmente, os problemas, a dor, o sofrimento e as lutas existem e têm de ser enfrentados.

MS: Os números divulgados pelo Instituto Canadiano de Informação sobre Saúde mostram sinais preocupantes no que diz respeito ao aumento de hospitalizações de crianças (a partir dos 5 anos) e jovens por motivos relacionados com a saúde mental. Podemos culpar a pandemia ou acha que esta é uma forma redutora de lidar com a situação?
TS: A pandemia foi um catalisador que fez com que os problemas de saúde mental latentes e subjacentes se manifestassem de forma mais intensa. A pandemia causou definitivamente medo, incerteza, perda e luto. Mas a questão mais profunda é: como estamos a ensinar as gerações a lidar, gerir e enfrentar esses medos, perdas e incertezas? Vivemos num mundo em que a internet nos dá respostas imediatas às perguntas, não precisamos de esperar pelos anúncios na televisão enquanto vemos os nossos programas e os medicamentos mascaram a nossa dor e sofrimento. No entanto, as crianças estão menos habituadas a lidar com a escassez e as dificuldades que nós ou os nossos pais e avós tiveram enquanto cresciam. A pandemia de COVID-19 só veio agravar todas estas questões, para pessoas que já têm dificuldade em lidar com os problemas.

MS: Existe algum tipo de relação entre uma maior prevalência de doenças mentais e o grupo social de onde provêm?
TS: Existe. Por muito que pareça contraintuitivo, os ambientes mais desenvolvidos, do ponto de vista socioeconómico e tecnológico, apresentam mais problemas de saúde mental em geral. Apesar de ter mais acesso a serviços, o ambiente social torna-se menos humano, menos caloroso, e a dependência desses serviços cria distância entre as pessoas. Esta distância, por si só, é um fator de previsão de problemas de saúde mental.

MS: Existem infraestruturas e medidas de apoio adequadas no Canadá para ajudar esta secção da população a lidar com problemas de saúde mental?
TS: Sim, existem. No Canadá, deparamo-nos com um fenómeno curioso: temos apoio adequado, mas precisamos de ajuda no acesso. A população só pode aceder a esses serviços com o apoio de agências ou trabalhadores, o que é preocupante. Enquanto imigrante, tenho mais acesso a informações sobre os recursos de saúde, sociais e de saúde mental do Canadá do que a minha mulher, que nasceu no Canadá. Temos o privilégio de ter uma saúde universal, há um enorme investimento em serviços de saúde mental, mas estamos a lutar para ligar aqueles que precisam desses serviços.

MS: A que sinais devem os pais estar atentos para prevenir vários problemas relacionados com a saúde mental – incluindo, claro, o suicídio ou as tentativas de suicídio?
TS: Há sinais a que devemos estar atentos se estivermos preocupados com o bem-estar mental das nossas crianças e jovens: isolamento, declínio súbito do desempenho escolar, mudanças de humor inexplicáveis e explosões de agressividade, e recusa em participar em eventos sociais ou frequentar a escola, especialmente se gostavam de o fazer antes. Estes são, normalmente, os primeiros sinais de dificuldades emocionais. E, como pais, temos de dar tempo e espaço para que os nossos filhos se aproximem. Sem pressão, sem invasão, mas deixando-os saber que estamos sempre presentes quando precisam de nós. Criar um ambiente seguro e de confiança em casa é a melhor forma de garantir que os nossos filhos falem connosco.

MS: Existem fatores de risco que podem levar a estes problemas e/ou perturbações mentais?
TS: São muitos e nunca há um único fator. Existem predisposições genéticas e os acontecimentos traumáticos na primeira infância estão entre os mais comuns. Esses acontecimentos traumáticos podem ser conflitos familiares, diferentes formas de abuso e negligência, dificuldade de adaptação a um novo ambiente no caso de imigrantes e recém-chegados, e falta de apoio emocional da família e dos amigos quando se sentem emoções negativas, como a tristeza pela perda de um ente querido. O ambiente fora de casa também pode desempenhar um papel importante, como o bullying e o cyberbullying, as dificuldades de aprendizagem e a transição da infância para a adolescência, que são todos fatores de risco se o apoio não estiver presente.

MS: O que se pode esperar no futuro? Dada a situação atual, os problemas já identificados continuarão a agravar-se?
TS: Já sabemos o suficiente sobre esses problemas, mas temos de compreender o nosso papel no apoio a nós próprios e às próximas gerações. Costumo dizer aos meus clientes que têm de utilizar novas estratégias se quiserem ver mudanças. Os pais têm de compreender as suas necessidades atuais se quiserem ajudar os filhos. O que os nossos pais nos fizeram funcionou para nós. Atualmente, as necessidades são diversas e as soluções também. No entanto, há uma coisa que não muda: a necessidade que temos uns dos outros. Estamos interligados tecnologicamente, mas distantes dos sentimentos e das necessidades uns dos outros. Estar presente e ouvir as necessidades uns dos outros tem mais valor do que qualquer apoio material que se possa dar. O restabelecimento da ligação humana é a chave para uma sociedade mais saudável.

Madalena Balça/MS

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