Aida Batista

O Tamanho dos abraços

 

 

O Mundo muda-se com sonhos bonitos e com a coragem de realizar o impossível. Amílcar Cabral

 

 

Neste ano de 2024 faz 26 anos que, após uma entrevista a que fui sujeita no Instituto Camões, me selecionaram para cumprir uma missão de Leitora de Português na Universidade de Toronto. Depois de ter trabalhado 8 anos em Helsínquia, capital de um país onde à época não existiam marcas de miscigenação, foi com enorme surpresa que vivi a experiência de mergulhar numa cidade tão multicultural como Toronto.

Entre as várias nacionalidades que, pacificamente, viviam e conviviam no mesmo tecido urbano, ganhava particular expressão a comunidade portuguesa e luso-descendente. No início, descobri com surpresa, e algum deslumbramento, como se pode encontrar Portugal tão longe das suas fronteiras. Daí que ainda hoje continue a afirmar que, na minha vida, haverá sempre um “antes” e “depois” de Toronto, porque só depois de ter vivido esta experiência, compreendi melhor a força da nossa emigração, desfazendo assim muitas ideias feitas sobre a condição de e/imigrante.

A conotação pejorativa que a palavra “emigrante” ganhou deve-se aos estereótipos tantas vezes alimentados pelo anedotário nacional, que quase sempre retrata o emigrante como iletrado, bronco e sem maneiras, eternamente acorrentado à saudade, por não ter sabido integrar-se nem criar uma relação de pertença aos espaços onde se fixou.

Um dos volumes das entrevistas feitas a Mário Soares, pela jornalista Maria João Avillez, relata uma das visitas de Maria Barroso a seu marido, quando ele estava exilado em França. Na bagagem, levava os enchidos e a couve tronchuda para regalar seu marido e camaradas de exílio, com o saboroso cozido à portuguesa. Este gesto prova bem que tanto pensa no cozido o Zé Povinho como o mais alto escol da nossa sociedade, porque ambos se identificam com aquilo que temos de mais nosso.

Na semana em que se iniciaram as comemorações do “Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas”, é imperativa esta caminhada pela libertação dos rótulos, que passa por uma afirmação cada vez mais forte na sociedade em que se está inserido, sem que para tal se tenha de renegar as raízes.
Apesar de o passado ser importante como repositório de âncoras a que nos agarramos para não vivermos sem memória, é hora de refletirmos sobre o presente e, a partir dele, lançar os dados para o futuro. Enquanto cidadãos do mundo, estaremos condenados a uma troca osmótica em que o que se recebe poderá ser diretamente proporcional ao que se dá. Nesta troca recíproca, circularão os traços distintivos da nossa identidade.

A propósito, recordo um episódio que, enquanto emigrante, me marcou. Uma rádio local de Toronto, em língua portuguesa, emitia um programa em que se pedia às pessoas que telefonassem a dizer como estava a decorrer o seu dia de Ação de Graças. Depois de alguns telefonemas de adultos, maioritariamente mulheres, ligou uma criança. A locutora conversou um pouco com ela e pediu-lhe que enviasse uma mensagem para a família. Ela assim fez e terminou com um grande abraço para a avó. A locutora, face ao adjetivo “grande” quis brincar com a menina e disse-lhe:
– Queres mandar um abraço grande. Então, vamos lá saber: um abraço do tamanho de Portugal ou do Canadá?
– De Portugal – respondeu ela muito pronta.
A locutora voltou a insistir, pensando que a criança não tinha percebido.
– Pensa bem. Olha o tamanho do Canadá… vê agora o tamanho de Portugal. Diz-me lá então, de que tamanho queres mandar o abraço… de Portugal ou do Canadá?
A menina não vacilou e voltou a afirmar com a maior das convicções:
– De Portugal!

Se calhar a nossa marca identitária é esta: uma medida que subverte a geografia dos afetos e faz com que um abraço continue a ser sempre maior em português.

Aida Batista/MS

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