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Incêndios sem precedentes: Causas e consequências

fires - milenio stadium

 

O Canadá está a arder – esta frase podendo ser considerada bombástica, infelizmente retrata uma dura realidade. Até ao momento arderam 5,4 milhões de hectares de área florestal do território canadiano. Dizendo assim pode não ter a noção do que estamos a falar, mas se lhe disser que ardeu a área correspondente a 5,4 milhões de campos de futebol (com o tamanho oficial da FIFA), talvez consiga perceber que a dimensão é assustadora.

Porquê? Esta é a questão para a qual estamos a tentar obter resposta nesta edição do jornal Milénio e para isso falámos com dois especialistas na área ambiental, nomeadamente Anabela Bonada, Manager and Research Associate, Intact Centre on Climate Adaptation, Faculty of Environment, University of Waterloo e Weeberb Requia, Coordenador do Centro de Estudos em Meio Ambiente e Saúde Pública na Fundação Getúlio Vargas – Brasil, especialista no tópico de incêndios florestais e saúde, pesquisador sobre o meio ambiente, no Canadá.

Para além da defesa de políticas de gestão ambiental mais eficientes, os nossos interlocutores alertam para o facto de o efeito das alterações climáticas estar a já a repercutir-se nas nossas vidas e a causar danos de dimensões incalculáveis.

Para além de ser importante sabermos o que se passou, é importante estarmos preparados para o que há-de vir e ainda mais relevante sabermos como proceder para ajudar a evitar males maiores.

anabela bonadaMilénio Stadium: Estamos a meio de 2023 e a área ardida no Canadá já é superior à média dos últimos 10 anos. Já atingimos os 5,3 milhões de hectares. Como pessoa dedicada ao estudo do meio ambiente, o que nos pode dizer desta realidade?
Anabela Bonada: Esta época de incêndios florestais é “sem precedentes” quando se considera a quantidade de área ardida. No entanto, os cientistas têm vindo a alertar para o facto de a área média ardida no Canadá vir a duplicar até ao final deste século, devido ao efeito das alterações climáticas. Prevê-se que os incêndios florestais aumentem em gravidade e frequência à medida que as temperaturas continuem a aumentar. As temperaturas mais quentes conduzem a mais relâmpagos (que podem dar início a incêndios florestais), mais combustível para os incêndios e tempo quente e ventoso que ajuda a propagar o fogo.Temos de começar a preparar-nos para mais épocas de incêndios como esta. Uma época de incêndios como esta pode ser o novo normal.

MS: As alterações climáticas estão a ser apontadas como grandes responsáveis pela dimensão destes incêndios. O que fazer para prevenir situações destas? Que medidas devem ser tomadas para evitar a propagação rápida e fora de controlo de tantos incêndios?
AB: Para evitar incêndios tão grandes e fora de controlo no futuro, é importante que, como sociedade, todos nós:
1. Reduzir as emissões de gases com efeito de estufa: é fundamental combater as alterações climáticas na sua origem. Os países devem esforçar-se por reduzir as suas emissões de gases com efeito de estufa através de vários meios, como a transição para fontes de energia renováveis, a melhoria da eficiência energética, a promoção de transportes sustentáveis e a aplicação de políticas para reduzir a desflorestação.
2. Preparação e educação da comunidade: as comunidades em áreas propensas a incêndios devem ser informadas sobre medidas de segurança contra incêndios, procedimentos de evacuação e a importância de criar espaços defensáveis em torno das suas propriedades.A nossa publicação Three Features of a Wildfire-Ready Community (Três características de uma comunidade preparada para incêndios florestais) fornece exemplos de como se preparar a nível comunitário. Por exemplo, incorporando corta-fogos de pelo menos 30 m, assegurando um abastecimento mínimo de água para o combate a incêndios e designando pelo menos um abrigo de emergência por comunidade.

MS: Para além de óbvias consequências imediatas para o meio ambiente – o desaparecimento de uma enorme mancha verde no território canadiano – que outras consequências na natureza e na vida do ser humano podem ser esperadas daqui para a frente?
AB: Os impactos dos incêndios florestais não são apenas ambientais, são também físicos, sociais e económicos.
1. Físicos: danos em bens, infra-estruturas críticas e serviços essenciais para os canadianos, como o fornecimento de energia, as telecomunicações e os transportes.
2. Sociais: os incêndios florestais afectam a saúde mental e o bem-estar dos membros das comunidades afectadas, devido à perda de objectos de valor e às constantes evacuações.
Há também um impacto na saúde física, devido ao fumo dos incêndios florestais, que contém pequenas partículas que podem entrar facilmente nos pulmões e na corrente sanguínea, causando problemas respiratórios e afectando a saúde do coração.
3. Económicos: os incêndios florestais são dispendiosos. Nos últimos 20 anos, as seguradoras tiveram de pagar entre 250 milhões e 3,8 mil milhões de dólares por cinco incêndios florestais distintos.

MS: Está preocupada com o que possa acontecer ainda este ano, uma vez que ainda temos pela frente, pelo menos, mais uns dois meses de tempo quente e seco?
AB: Estou preocupada com os incêndios florestais durante o resto desta estação. Já foi projetado que este será um verão quente e seco em grande parte do Canadá, especialmente no Oeste, onde ocorre a maioria dos incêndios florestais. Temos de estar preparados para mais incêndios nesta estação.

MS: O que pode o cidadão comum fazer para ajudar a evitar o deflagrar de incêndios?
AB: Toda a gente pode ajudar a prevenir o surto de incêndios florestais e a proteger as suas casas. Em primeiro lugar, os residentes devem seguir as restrições de fogo ao ar livre estabelecidas pela Província do Ontário. Se a sua área estiver atualmente sujeita a uma proibição de fogo, não comece um incêndio. Se puder fazer fogo, não o deixe sem vigilância e certifique-se de que o apaga completamente.
Se vive numa área propensa a incêndios florestais, prepare a sua casa para aumentar a sua resistência aos incêndios florestais. Pode seguir as ações fáceis de seguir definidas nos nossos Três passos para uma casa FireSmart rentável. Por exemplo, remova todo o material combustível (depósito de propano para churrasco, pilhas de madeira) a pelo menos 10 m de distância da sua casa, podar as árvores para criar uma distância de 2 m do chão até aos ramos mais baixos das árvores, instalar vedações não combustíveis (como elos de corrente).

MS: Durante dias, muitas foram as cidades envoltas num manto de fumo dos incêndios. Que preocupações lhe trouxe este facto?
AB: Na semana passada, quando a qualidade do ar diminuiu devido ao fumo dos incêndios florestais no Quebeque, fiquei preocupada com a saúde das pessoas mais vulneráveis: idosos, crianças pequenas, mulheres grávidas, pessoas sem abrigo, pessoas com problemas de saúde pré-existentes e pessoas que trabalham ao ar livre. É importante que todos sigam os avisos de qualidade do ar em vigor.

Foto Weeberb - milenio stadiumMilénio Stadium: Estamos a meio de 2023 e a área ardida no Canadá já é superior à média dos últimos 10 anos. Já atingimos os 4,8 milhões de hectares. Como pessoa dedicada ao estudo do meio ambiente, o que nos pode dizer desta realidade?
Weeberb Requia: Há duas hipóteses. A primeira é que os processos ambientais (incluindo as queimadas) estão em constantes mudanças, muitas das vezes são mudanças naturais, do próprio ciclo dinâmico da natureza, como as alterações climáticas naturais. A segunda hipótese é que as atividades antrópicas podem estar influenciando nesse processo. Eu acredito que a situação atual é uma consequência das duas hipóteses.

MS: As alterações climáticas estão a ser apontadas como grandes responsáveis pela dimensão destes incêndios. O que fazer para prevenir situações destas? Que medidas devem ser tomadas para evitar a propagação rápida e fora de controlo de tantos incêndios?
WR: Essas situações podem ser prevenidas com políticas mais eficientes do gerenciamento florestal, além da redução de ações humanas que podem estar influenciando nas questões climáticas.

MS: Para além de óbvias consequências imediatas para o meio ambiente – o desaparecimento de uma enorme mancha verde no território canadiano – que outras consequências na natureza e na vida do ser humano podem ser esperadas daqui para a frente?
WR: Uma outra principal consequência é o efeito na saúde pública. Primeiro, tem o efeito direto das queimadas.
Centenas de estudos têm mostrado que a exposição às queimadas está associada a risco de doenças agudas e crônicas na população. Indiretamente, com a perda da biodiversidade, e sobretudo da cobertura vegetal, a saúde da população também estará comprometida. Estudos têm identificado que as áreas verdes estão associadas com redução do risco de diversas doenças.

MS: Está preocupado com o que possa acontecer ainda este ano, uma vez que ainda temos pela frente, pelo menos, mais uns 2 meses de tempo quente e seco?
WR: Há possibilidade que novas ondas de incêndios ainda possam ocorrer neste ano.

MS: O que pode o cidadão comum fazer para ajudar a evitar o deflagrar de incêndios?
WR: Evitar acender fogueiras em áreas florestais.

MS: Durante dias, muitas foram as cidades envoltas num manto de fumo dos incêndios. Que preocupações lhe trouxe este facto?
WR: Preocupação de que pessoas residentes a centenas de quilómetros do local das queimadas estão sofrendo os efeitos adversos na saúde.

Madalena Balça/MS

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