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“A Jornada Mundial da Juventude é um convite a que o jovem tenha curiosidade de conhecer e se abra e se mostre” – Bispo Américo Aguiar

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Muito se tem escrito sobre a Jornada Mundial da Juventude que vai levar a Lisboa, no princípio de agosto, um milhão e meio de jovens, provenientes de 183 países. Depois dos aplausos iniciais, aquando do anúncio da escolha de Lisboa, como destino das próximas Jornadas, pelo Papa, na Cidade do Panamá, agora surgem em catadupa as críticas. De facto, não tem faltado quem escreva e investigue sobre este assunto com as questões orçamentais do evento no “olho do furacão”.

Américo Aguiar, o ainda jovem Bispo Auxiliar de Lisboa, tem a difícil missão de coordenar uma organização gigantesca que vai transformar a paisagem de Lisboa – literalmente. Para além do impacto que o aumento da população da cidade vai ter na vida dos lisboetas, há a já conhecida transformação de muitos milhões do chamado Parque Tejo, terreno poluído, onde durante anos se acumulou lixo (num aterro sanitário), num parque urbano que se espera mude a zona ribeirinha de Lisboa, tal como já aconteceu com a organização da Expo 98.
Nesta conversa, Américo Aguiar respondeu a todas as questões e ajudou-nos a perceber o que são, que impacto têm e para que servem estas Jornadas, sem se escusar a responder aos temas mais polémicos.
D._Américo_Aguiar - milenio stadiumMilénio Stadium: O que são na realidade as Jornadas Mundiais da Juventude? Qual é o seu propósito, na perspetiva religiosa?
Bispo Américo Aguiar: Muito bem. Então, primeiro, quando falamos de Jornada Mundial da Juventude para a Comunidade Toronto não é uma novidade total, porque se não estiver errado, a última Jornada Mundial da Juventude, a que o Papa João Paulo II presidiu, foi exatamente em Toronto. Penso que em Toronto foi 2002. Se as minhas contas não estiverem erradas… Esta ideia foi precisamente de João Paulo II e foi lançada nos anos 80. Aliás, há quem diga que pode ter nascido também do contexto da sua vinda a Portugal e do encontro com jovens, segundo dizem algumas memórias à volta deste assunto. Mas o Papa, nos anos 80, decidiu convidar os jovens para um encontro em Roma. E a resposta dos jovens ultrapassou as expetativas que a organização tinha, quanto à possibilidade da participação dos jovens nesse encontro em Roma. Depois há um segundo e a partir daí até hoje foram-se sucedendo. Estamos a falar acima de tudo, literalmente, de um encontro mundial de juventude, ou seja, o Papa de cada um dos tempos, João Paulo II, Bento XVI, agora o Papa Francisco, convidam os jovens do mundo inteiro. E não estamos a falar exclusivamente dos jovens católicos. Estamos a falar dos jovens do mundo inteiro para um encontro uns com os outros. E é muito importante esta experiência de multidão que nós normalmente não temos na nossa comunidade, na nossa paróquia. Os nossos jovens às vezes têm a ideia que são um grupo mais ou menos isolado, um grupo mais ou menos pequenino, que existe em certa geografia. E esta experiência da multidão, de uma multidão jovem, é uma experiência única para aqueles que têm a oportunidade de a viver e também para a comunidade em geral. Porque quem já participou em jornadas vê que durante uma semana uma cidade, um país, fica totalmente conquistado, é apanhado por uma multidão de jovens do mundo inteiro que se encontram uns com os outros. E, desta vez, não é para assistir a um concerto de música de um grupo ou de um cantor especial de que gostem. Não é para apoiar desportivamente uma seleção de futebol. Não! É qualquer coisa que significa um testemunho de valores muito transversais à sociedade – da fraternidade, da verdade, do convívio sadio e do conhecimento mútuo. É muito importante. As Jornadas têm feito muito naquilo que é o conhecimento mútuo dos jovens, de continente para continente, de cultura para cultura, naquilo que é diferente, aquilo que até a priori poderia significar ter medo, ter receio. A Jornada Mundial da Juventude é um convite a que o jovem tenha curiosidade de conhecer e se abra e se mostre, e que no fim, cada um com as suas diferenças, cada um com as suas singularidades, continuarmos a fazer caminho juntos nesta fraternidade universal que o Papa Francisco tanto tem convidado a humanidade inteira.

MS: E o que é que procuram os jovens concretamente? Pela sua experiência, por aquilo que sabe, o que é que eles procuram quando se deslocam de tantos países, neste caso tão distantes de Portugal?
BAA: As motivações são diversas, aliás, eu próprio, faço aqui uma confissão aos nossos irmãos de Toronto. Aliás, tenho tido pena de não ter ido a Toronto, mas eu fui a Sidney, e a principal motivação, a número um, foi ir a Sidney pura e simplesmente, porque pensei para mim mesmo que nunca na vida iria à Austrália, nunca ia ter alguma justificação para ir a Sidney e portanto, foi uma motivação, foi a motivação principal, foi tudo menos possivelmente religiosa. Mas depois vêm as outras e cada um tem as suas. Mas acima de tudo, eu estou convencido até da experiência de presença em jornadas de um coração generoso e aberto e universal que os jovens têm. É cada vez mais desta generosidade de ir ao encontro e de acolher o outro. Penso que esta é a marca, uma das marcas mais significativas das Jornadas Mundiais da Juventude.

MS: Estas jornadas que vão acontecer em agosto em Lisboa. Pensa-se que atingirão um número perto de um milhão e meio de pessoas. Onde e como é que se vão acomodar tantos jovens?
BAA: A marca identitária das jornadas é que os jovens em primeiro nível, digamos assim, é a marca identitária das jornadas que os jovens fiquem alojados em famílias. Ou seja, nós estamos na fase em que as famílias disponibilizam as suas casas para que dois jovens, quatro jovens, seis jovens, possam ficar na sua casa. E porquê? Porque não estamos a falar de um quarto, uma cama, um spa. Estamos a falar de dois metros quadrados de chão, a possibilidade de utilizar a casa de banho para a higiene pessoal e o pequeno-almoço. Portanto, são os requisitos mínimos para se poder acolher um jovem, neste caso dois, porque não é possível acolher só um, é dois a dois, pelo menos. Esgotadas as possibilidades de acolhimento em contexto familiar, os jovens ficam alojados em pavilhões ou equipamentos coletivos, seja de escolas, seja de equipamentos desportivos, seja até instalações militares. E aqui ficam os grupos grandes, porque há grupos que vêm de paróquias, movimentos ou todo o tipo de pertenças e que gostam e preferem ficar, 200, 300 ou 500, todos juntos. O alojamento dos jovens é feito neste regime, não é em regime de hotel, não é em regime de comodidade total, mas é um regime fraternal de acolhimento familiar e destes espaços de acolhimento coletivo.

MS: Então estas notícias que têm vindo a público de especulação no aluguer de quartos não fazem sentido?
BAA: Não para os jovens peregrinos da Jornada. Agora, ao mesmo tempo, vai muitíssima gente participar nas Jornadas, às vezes os pais ou familiares desses jovens querem vir e ficam. Eles sim, ficam em regime de hotel e de similar. E aí, pronto. Infelizmente o mercado funciona no regime da lei da oferta e da procura. E temos tido notícias de números que nos fazem abrir a boca, de alojamento, até mesmo transportes. Infelizmente isso acontece.

MS: Na altura em que foi revelada a escolha de Portugal para a realização destas Jornadas. As mais altas instâncias políticas, a começar pelo senhor Presidente da República, o presidente da Câmara de Lisboa da época e outros do Governo mostraram publicamente a sua profunda satisfação por esse anúncio. Tratando-se de uma organização religiosa e, na sua perspetiva de bispo, o que acha que pode explicar essa satisfação das estruturas políticas?
BAA: A organização deste Encontro Mundial da Juventude não é possível em nenhum país sem a “aprovação”, sem o acolhimento, sem a disponibilidade da ajuda do respetivo Estado. Porque a dimensão da organização é tal que só com o apoio do Estado é que é possível concretizar. E daí que o senhor Patriarca de Lisboa, uns meses antes de apresentar a candidatura de Portugal na Santa Sé, consultou o presidente da República, o primeiro-ministro, presidente da Câmara de Lisboa, Presidente da Assembleia da República, para que houvesse, da parte dos responsáveis maiores do Estado, a disponibilidade ou não para nos ajudarem na organização, porque não é possível de outra maneira. Em todos os países onde a Jornada já aconteceu, com mais ou com maior ou menor envolvência, com maior ou menor participação, mas sempre com envolvência e participação direta da parte do Estado, da maneira como ele se organiza. E o encontro vai muito para além de uma questão religiosa. Aliás, só o facto de os Papas, desde a criação destes encontros, terem sublinhado sempre que o convite não era para os jovens católicos, mas era para toda a juventude do mundo inteiro, tem feito com que a Jornada Mundial da Juventude seja efetivamente um encontro mundial de jovens, de várias confissões religiosas e até jovens que não têm qualquer identidade ou identificação religiosa, mas que se sentem atraídos pelo convite, pelo encontro, pela dinâmica do encontro e pelas suas curiosidades na sua vida e nos seus corações em relação àquilo que faz mover, que motiva. Que os jovens do mundo inteiro se ponham a caminho para uma cidade, de um país, para se encontrarem, para fazerem festa da fraternidade, da verdade, do amor, do carinho, da amizade, do respeito. E acho que isto é muito salutar e colocando-me no lugar dos decisores políticos, penso que há mais do que razões para a alegria, para o contentamento. E permita-me dizer também para o apoio. O Estado laico é o Estado que proporciona a todas as religiões e a todas as sensibilidades dos cidadãos as condições necessárias para que possam enfim organizar-se e existir. E tal como defendo este apoio, também aceito e aplaudo e considero que outros encontros de outro tipo, de outras convicções, possam acontecer com o mesmo empenho, com a mesma adesão e com a mesma alegria.

MS: Relativamente à escolha da cidade de Lisboa, há quem defenda que existindo o Santuário de Fátima com todas as infraestruturas faria mais sentido as Jornadas acontecerem em Fátima…
BAA: Há um problema prático que é – não cabe. Quando falamos do Santuário de Fátima, podemos estar a falar naquilo que é o Santuário, a Praça do Santuário de que tem capacidade para 250 a 300 mil pessoas. Quando falamos das Jornadas Mundiais da Juventude, estamos a falar numa celebração final que pode ter mais de 1 milhão de jovens. E esse é um pequenino pormenor. É o pequenino pormenor. E depois todo o outro que é a logística. É que nós estamos a falar de durante uma semana ter 1 milhão de pessoas a mais. Estamos a falar de nada mais, nada menos, que 10% da população portuguesa a mais numa cidade com toda a logística que isso implica, de mobilidade, saúde, transportes, de tantas coisas que não é fácil.

MS: Sendo a Igreja Católica liderada atualmente por um Papa que é conhecido pela sua simplicidade e até alguma rejeição à opulência a que sempre se associou a Igreja Católica, como é que se explicam os gastos exorbitantes que estas Jornadas vão implicar? Eu não estou a falar, enfim, daqueles que são estritamente necessários, mas daqueles outros que nós sabemos que têm estado nas notícias.
BAA: Então é assim. Com aquilo que significa a construção e a preparação da Jornada tem sido para nós, para todos nós e, de modo especial para mim, uma aprendizagem permanente. Porque nunca foi organizado um encontro com esta dimensão em Portugal. Nunca. E também tenho dúvidas se volta a acontecer com esta dimensão. É aquilo que significa toda a logística que estamos a preparar para a jornada. E vamos falar do Parque Tejo, que é mais prático para todos entenderem. É tudo muito e tudo muito. Quer dizer, tudo o que a gente tem que providenciar tem tudo, como eu tenho dito, para as pessoas entenderem, tudo tem muitos zeros, tudo. Não há nada que nós não estejamos a providenciar que não tenha um custo elevado. A questão do palco propriamente dito tem sido motivo de maior foco. Eu vou explicar um exemplo. Ponto um. Qual é uma das razões pelas quais estamos a falar de um custo superior. A construção tem a ver com o local escolhido. E o local escolhido certamente alguns dos nossos leitores, ouvintes ou telespectadores de Toronto, alguns conhecerão esta zona. Estamos a falar aqui do espaço onde aconteceu exatamente o rio Trancão, a ponte Vasco da Gama. Estamos a falar de um local que estava abandonado, onde existia um aterro sanitário, um aterro de resíduos e uma zona de contentores que também estava na margem do Tejo abandonada. Ora então a opção deste local foi uma opção política, ou seja, reabilitar esta zona e devolvê-la à população.

MS: Um bocadinho à imagem e semelhança do que se fez com a própria Expo.
BAA: Exato, ou seja, naquela zona que era uma área de ruínas industriais por causa da Expo 98, passou a ser aquilo que é o Parque das Nações, motivo de alegria e de felicidade para todos. Agora estamos a falar da mesma coisa. Estamos a falar de um território que precisava de ser reabilitado e com a desculpa da Jornada Mundial da Juventude vai ser reabilitado e devolvido à fruição da população. Este Palco de que estamos a falar está a ser construído em cima do aterro sanitário e isso significa, em questões de segurança e em questões de construção, um conjunto de cuidados que noutro terreno não seria necessário. O que é que nós fizemos, neste mês que passou, para tentar diminuir os custos das coisas? Uma decisão foi baixar o palco, ou seja, o palco estava a nove metros de altura. E porque é que o palco estava a nove metros de altura? Para permitir que fosse visto o mais longe possível. Porque nós estamos a falar, como já disse, de um território que equivale a 100 estádios de futebol, todos encostadinhos uns aos outros. Mas uma das soluções encontradas para baixar os custos foi baixá-lo e passou de nove metros para quatro. Ou seja, o palco agora vai estar a quatro metros de altura. O que é que aconteceu? Bem, há menos gente a vê-lo diretamente. Como é que se resolve? Colocam-se mais ecrãs. A solução foi baixar e ter mais ecrãs. Depois a questão da dimensão dos palcos e das plataformas. Nós tínhamos 5000 metros quadrados de plataforma e passou quase para metade também da plataforma. E o que é que nós estamos a dizer? Não estamos a falar de um palco que às vezes as pessoas julgam que é um palco para uma missa. Ora, se fosse um palco para uma missa não era preciso tantas coisas. Mas não estamos a falar de um palco que durante esse fim de semana vai ter muitíssimas coisas. Vai ter espetáculo, vai ter dança, vai ter música, vai ter a vigília, vai ter a celebração. E tem todas umas dinâmicas, sim, todas umas coreografias e umas coisas que vão ser feitas e agora vão ser feitas na mesma, mas em versão mais simples. O resultado final é menos custos, mas tudo o resto continua a ser muito, ou seja, todos os investimentos necessários para que tudo aconteça. É na segurança, é nas casas de banho, é na saúde, em tudo! Tudo para acolher mais de 1 milhão de pessoas na nossa casa. E nós sabemos, quando acolhemos alguém em nossa casa, que há custos. 1 milhão de pessoas arrastam com eles muitos custos. O que é que nós também sabemos? Também sabemos que há o retorno – há um retorno espiritual e há um retorno naquilo que é de importante para os jovens, para as suas vidas, para o seu futuro. E também sabemos, aliás, auditores estão a trabalhar connosco naquilo que possa vir a ser também o retorno da marca da cidade, da marca do país e também económico e financeiro. Porque eu dou um exemplo: a alimentação vai custar cerca de 30 milhões de euros. São 30 milhões de euros que entram diretamente na economia dos restaurantes. E, claro, milhões no setor dos transportes que entram na economia dos transportes, e muitos outros milhões que entram diretamente na economia das empresas. Ora, isto é bom. Apesar dos números serem grandes, significa uma injeção em várias áreas da economia.

Madalena Balça/MS

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