Aida Batista

O HÍFEN: Uma ponte entre dois mundos

 

 

Maria João Maciel Jorge (então Maria João Dodman) publicou em 2016, pelas edições Letras Lavadas, “Andarilha – Viagens de um Hífen”.

Decorridos oito anos, e porque a autora tinha o sonho de alargar o espectro de leitores, reformulou a1ª edição, acrescentando-lhe novos textos e alterando-lhe o título. Surge, então, sob a chancela da Arquipélago Press, “The Hyphen and Other Thoughts from the In-between”. A cerimónia de lançamento da versão em inglês decorreu no passado dia 26 de abril, na Peach Gallery, em Toronto, tendo a apresentação ficado a cargo da professora universitária Irene Marques, igualmente escritora, que, em jeito de conversa com a autora, fez saltar da obra temas ligados à memória, herança e identidade culturais, que são comuns e transversais a todo o universo da diáspora canadiana.

O Hífen viajou até Portugal, no passado dia 2 de maio, mais concretamente à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, tendo sido apresentado por Francisco Topa, professor na mesma universidade, que declarou: “O livro de Maria João Maciel Jorge, académica de origem açoriana, professora de estudos luso-brasileiros e vice-diretora da Faculdade de Artes Liberais da Universidade de Toronto, combina alguns desses registos, mas com duas diferenças fundamentais. Por um lado, é escrito por uma mulher, quando este tipo de literatura, mais que a outra, é de clara dominante masculina. Por outro lado, foi concebido da perspetiva do hífen, esse diacrítico esquisito que não serve para hierarquizar, mas para justapor, somar, igualar, numa perspetiva que, ao contrário do habitual, não se quer de cima para baixo ou de baixo para cima, mas na horizontal, de olhos nos olhos, ao mesmo nível.

Mais ainda: da perspetiva de quem não está perdida entre o cá e o lá, o eu e o tu, mas se sabe situada num entrelugar, nem sempre cómodo, é verdade, mas que assume como seu, reivindicando a sua riqueza”.
Além das questões ligadas à e/imigração, Francisco Topa destacou dois tiques muito enraizados na cultura portuguesa: as formas de tratamento, consubstanciadas na obsessão pelos títulos, e o frequente recurso à designada cunha “com a finura irónica que caracteriza a sua escrita, com um sentido crítico bem-humorado e despretensioso (…).

No mesmo estilo, o apresentador socorreu-se do poeta do séc. XVIII, Paulino António Cabral de Vasconcelos, mais conhecido por Abade de Jazente. Para deleite dos leitores, aqui fica o poema com que o Abade ridiculariza a forma como se sobe na hierarquia social:

A filha do Tendeiro, que vendia
ontem arroz, papel, figos e doce,
como se descendente de Reis fosse,
hoje não quer mercê, quer Senhoria.

A filha do Escrivão, que todo o dia
escreve por ganhar que jante e almoce,
se toca, canta e dança, está na posse
duma não desigual vã fidalguia.

Não menos o que há pouco foi caixeiro
ou mercador ao muito de baetas,
agora na Cidade é o primeiro;

mas para obter no Porto honras completas,
ao homem é preciso ter dinheiro,
à mulher basta só fazer punhetas.

No que toca à cunha, ela é um mal que ganha foros de quinhentista e uma prática muito arreigada ao modo de ser português. Francisco Topa comprova-o, ao situá-la na fundação do Brasil, baseando-se no facto de já Pero Vaz de Caminha assim terminar a carta que dirige ao rei D. Manuel:

“E, pois que, senhor, é certo que assim neste cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de vosso serviço for, vossa alteza há-de ser de mim muito bem servida, a ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé Jorge Osório, meu genro, o que dela receberei em muita mercê”.

Por tudo quanto foi dito em Toronto e no Porto, desejo à Maria João que o seu Hífen continue a ser a ponte que une todos os que vivem o Cá e o Lá do universo migratório.

 

Aida Batista/MS

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