Comunidade

Angie Câmara: Uma vida cheia de espírito comunitário

ertwtrrt

 

No próximo sábado, dia 4 de novembro, o PCCM vai atribuir mais dois Community Spirit Awards. Um a título póstumo – Tony de Sousa, o malogrado ex-presidente do clube que tanto deu de si à comunidade e ao PCCM em particular e o outro a Angie Câmara, a mulher que há mais de 40 anos trabalha no clube. Vamos hoje dar-vos a conhecer um pouco mais da vida de Angie, através de uma entrevista que concedeu a Manuel DaCosta.

Nasceu em Água d’Alto, Vila Franca do Campo, São Miguel, Açores. Por lá cresceu, com as dificuldades acrescidas de quem perdeu o pai muito cedo. Foi assim que desde muito nova, Angie Câmara se tornou o braço direito da mãe assumindo o papel de irmã mais velha, ajudando-a a cuidar das duas irmãs mais novas.

Mais tarde, depois de casar emigrou para o Canadá e com o marido, José Fernando Câmara, e deste lado do Atlântico, rapidamente se integrou no mundo do voluntariado. Mas chegar ao Canadá significou chegar a um mundo absolutamente desconhecido, que foi aprendendo a conhecer com a ajuda preciosa do marido.
E são já 40 anos de dedicação ao Centro Cultural Português de Mississauga. Angie transformou-se num dos mais conhecidos rostos do clube, sempre disponível e dedicada à sua missão de ajudar a promover a cultura portuguesa.

Angie Câmara, a mulher, a mãe, a avó e a voluntária que dedicou grande parte da sua vida ao clube de Mississauga, onde sempre trabalhou com o grande objetivo de preservar as tradições e cultura portuguesa. A comunidade luso-canadiana residente na Grande Área de Toronto muito lhe deve e, por isso, o seu clube de coração, PCCM, a homenageia, entregando-lhe o Community Spirit Award.

 

[metaslider id=”62698″]

 

Manuel DaCosta: Correntemente, és secretária da direção do Portuguese Canadian Centre of Mississauga. És a cara do clube. És a primeira pessoa que mostra o espírito do clube quando visitámos a casa. É dessa forma que tu olhas para ti ou como é que tu te vês dentro desse clube?
Angie Câmara: Eu, dentro do clube, sinto-me muito feliz sempre e faço o que devo fazer lá. Faço sempre tudo com muito orgulho e com muita boa-vontade. Procuro fazer o meu melhor e receber as pessoas como deve ser. Já lá ando há muito ano e conheço muita gente e eu procuro dialogar com todos. Saber se estão bem… é assim que eu vivo os meus dias. Aquele clube já faz parte da minha vida.

MDC: Parece-me importante sabermos um pouco da história da Angie, saber quem ela é. Uma mulher que nasceu em Água d’Alto, em Vila Franca, em São Miguel. Quem é a Angie?
AC: Eu nasci em São Miguel, concelho de Vila Franca do Campo, casei-me em setembro e depois emigrei aqui para o Canadá, nos fins desse mês. O meu marido que já cá estava antes de casar, já andava a fazer voluntariado nas igrejas e eu, quando cheguei, comecei também a fazer isso e integrei-me muito rapidamente, graças a esse trabalho de entrega aos outros. E depois nós integramos o clube e, pronto, nunca mais parámos.

MDC: Vamos conversar um pouquinho mais sobre o início da tua vida, antes de chegares ao Canadá. Eras a mais velha de três irmãs, e perdeste o teu pai cedo, como é ser a mais velha nestas circunstâncias?
AC: Acarreta mais responsabilidades, claro, porque o meu pai faleceu tinha 51 anos de idade, muito novo e ficamos nós três com a minha mãe e eu como mais velha tinha outras responsabilidades. Foi necessário guiar as outras duas que tinham só dois anos de diferença entre elas. Mas a minha mãe foi uma lutadora. Tenho que dizer isto, a minha mãe foi uma lutadora porque ficou sozinha neste mundo, sem o marido, e tivemos mesmo que trabalhar muito.

MDC: Estamos a celebrar 70 anos de imigração no Canadá. Gostava que nos contasses um pouco do teu caminho para este país com o teu amor, José Fernando. Quais são as tuas primeiras memórias da chegada ao Canadá?
AC: As primeiras memórias… era tudo muito desconhecido para a Angie. O Câmara já andava desde 67, se não estou em erro. E eu quando cheguei cá… pronto, foi uma vida nova. Foi aprender a viver aqui. Mal cheguei, o meu marido pôs-me logo na escola. Graças a Deus que era uma professora espanhola que me ajudou muito na aprendizagem do inglês. E depois, pronto, nós continuamos, continuamos a nossa vida. Tivemos os nossos filhos – primeiro foram as gémeas e ao cabo de nove anos tivemos o Andrew.

MDC: Esperaste um pouco (risos)…
AC: Pois esperei… porque o doutor dizia-nos que havia possibilidades de haver mais gémeos e aí já não queria.

MDC: Não querias mais gémeos, preferias um de cada vez…
AC: Pois… criar um já é difícil, mas dois ao mesmo tempo não é fácil.

MDC: A chama do voluntariado sempre ardeu forte no teu peito e continua até hoje. Como é que tens conseguido ter a chama acesa durante estes anos todos? E porquê?
AC: Porque eu sinto prazer em fazer voluntariado. Sinto sim. Gosto imenso de lidar com as pessoas. Gosto de trabalhar, gosto de fazer o que eu gosto e o que eu gosto é voluntariado. É uma parte importante da minha vida, porque desde que cá cheguei esta foi a minha vida. Não conheço outra. Foi assim que nós integramos neste país. É o meu dia a dia.

MDC: E por causa desse voluntariado vais ser honrada com o Prémio Espírito Comunitário. Receber este Community Spirit Award, atribuído todos os anos pelo PCCM, tem um significado muito pessoal para quem o recebe. Eu como recipiente, que tive o privilégio de o receber no ano passado, valorizei muito o prémio por justificar a força do voluntariado. O que é que o Prémio Espírito Comunitário representa para ti?
AC: É uma honra para mim receber este Community Spirit Award. Este ano o nosso presidente Jorge Mouselo tinha uma visão. Ele acreditou que devia gratificar pessoas pelo trabalho que desenvolvem no clube. Entendeu que este reconhecimento deve ser feito não apenas fora das paredes, mas também dentro das paredes. E assim foi. Era a visão que ele tinha e vai-se concretizar.

MDC: Sim, mas eu acho que que esse prémio deve ter um significado muito grande para ti, por valorizar realmente o esforço que os voluntários têm feito há muitos anos dentro daquele clube. E tu, como representante desses voluntários… é uma coisa muito especial.
AC: Muito gratificante. Posso dizer. E como acabei de afirmar, sinto-me honrada por o receber. Não tinha a mínima ideia. Porque eu faço o que faço por aquele clube de coração.

MDC: Há mais de 40 anos que tens sido voluntária. Quais os desafios maiores ao longo deste teu caminho? E que mudanças tinhas feito se pudesses ter mudado algumas coisas do passado?
AC: Do passado? Não me lembro de nada. Eu não vejo nada que pudesse mudar o passado, porque todos os anos a gente tem presidentes, presidentes novos e eles vêm com as suas ideias e a gente vai trabalhando conforme as ideias deles.

MDC: Por falar em presidentes, durante mais de quatro décadas que tens servido o clube os presidentes foram sempre homens. Porque é que ainda não houve uma mulher como presidente a assumir o posto? E porque é que homens continuam a liderar os mais dos clubes na nossa comunidade? Porque não há mulheres?
AC: Nós já tivemos uma senhora, já tivemos uma senhora presidente que foi a Vânia Domingos. Durante um ano. Eu penso que as senhoras têm a capacidade, a mesma capacidade, de liderar um clube. Isto é a minha opinião, porque pronto, vêm com outras ideias, gostam de apresentar as suas ideias diferentes. Eu para mim, acho que uma senhora é capaz de liderar um clube, mas não quero a posição porque gosto muito de fazer o que faço.

MDC: A minha pergunta é mais no sentido de que talvez com mais mulheres a liderar os clubes e associações conseguíssemos um pouco mais de equilíbrio na forma que a cultura é trabalhada.
AC: Eu, para mim, acho que as senhoras têm a capacidade toda de dirigir uma associação, um clube. Para mim o que é muito importante, é divulgar e promover a cultura e trazer os mais jovens para que eles se integrem, para que promovam mais a cultura portuguesa. Temos que fazer isto porque há muitos jovens com muita capacidade, mas há que desenvolvê-los um pouco mais. Porque a nossa cultura é muito rica.

MDC:E falando de cultura… Angie, tu adoras o folclore. Eu tenho visto como vestes os trajes com orgulho, como celebras essas nossas tradições. É a tua forma de celebrar a cultura, tradições ou de te celebrares, a ti própria?
AC: Eu sinto prazer! Eu sinto prazer em divulgar a nossa cultura, trajando como tu bem sabes e à minha maneira. Posso confirmar que é isso, sinto muito prazer. E quando canto, só penso lá naquele nosso Portugal.

MDC: E o clube de Mississauga canta, divulga todas as regiões do país. Porque não é bairrista, representa todos: Açores, Madeira e Continente. Por isso divulga todas as danças e tradições de todo o país. Isso é um pouco mais especial para ti?
AC: Para mim, sim. Porque o objetivo do nosso Rancho é divulgar, mesmo, do Norte ao Sul, Madeira e Açores. Temos o cuidado de apresentar o trajar e cantar de cada região.

MDC: Os voluntários são o coração do clube em todos os aspetos. Qual o espírito que faz mover tantos no clube de Mississauga para continuarem a ser voluntários da forma que são: servindo comida, fazendo tudo o que faz falta? Que espírito é esse que aqueles voluntários têm no vosso clube? O que é que move esta gente?
AC: É um segredo. (risos) O segredo é este: a união. A gente diz – “a união faz a força”. E nós somos unidos e por isso é que nós conseguimos. Ano após ano, após ano, a trabalhar. Para mim é a união. Porque nós não só estamos no baile do sábado, temos os outros eventos também, porque estamos ali. Organiza-se tudo à sexta, no sábado temos o evento e depois temos que pôr tudo no sítio outra vez. Mas é o que eu te digo: é a união que faz com que muitas vezes cheguemos a casa por volta das 03h00, mas no outro dia estejamos lá para organizar tudo outra vez. É o segredo. O segredo da união e do entusiasmo que pomos no que fazemos.

MDC: O teu querido José Fernando disse-te adeus depois de 39 anos contigo. O que é que o teu coração disse com respeito ao futuro e da continuação do clube, depois dele desaparecer?
AC: O Câmara também era uma pessoa que adorava o clube. Trabalhou muito lá. E ele sempre me disse: não deixes o clube, continua. E então, Deus levou-mo, pronto, e eu enchi-me de coragem e continuei. Continuei e ainda estou lá. É uma coisa que eu sei que ele queria que eu fizesse. Ele adorava levar lá os filhos.

MDC: E, claramente, que a tua família continua muito envolvida no clube. As tuas netas já dançam no Rancho… isso para ti deve ser uma grande satisfação.
AC: É, muito grande. Muito grande mesmo. Eu sinto-me honrada quando vejo as miúdas a dançar. Especialmente quando eu as levava ainda ao colo, quando eram pequenas, porque não podem dançar logo de início, agora já têm outra maneira de ver a dança. E gostam de dançar! Gostam de ensaiar! Uma coisa que sinto muito é que não tenho por cá o meu marido para ver as miúdas a dançar. Mas infelizmente foi assim.

MDC: E tu tens duas filhas, um filho, duas netas. Uma família que parece extremamente chegada, um exemplo de apoio uns aos outros. Eu acho que da forma que vós, funcionam como família, a apoiarem-se uns os outros, é quase uma extensão da forma que tu dizes ser o segredo do clube. Mas ao fim ao cabo, para ti deve ser extremamente gratificante a forma como a tua família tem evoluído. E que se tenha envolvido e aceitado o sacrifício também que tu fazes pelo clube.
AC: É gratificante, muito gratificante e desde que o pai faleceu eles sempre me deram apoio. E é uma coisa que eu lhes digo, eu ajudo-vos em tudo o que for necessário, mas ao clube tenho que continuar a fazer o que tenho feito. Pessoalmente penso que tendo os meus filhos dentro do voluntariado, faz-nos mais fortes. E é importante para eles apreciarem o que é o voluntariado, porque é gratificante.

MDC: Quando olhas para o futuro do clube o que pensas que é mais importante?
AC: Trabalhar mais e esperar recompensas. Para mim é assim. Eu faço do coração e não espero. Não estou à espera de recompensas.

MDC: A Angie Câmara é uma mulher que demonstra a capacidade de espírito comunitário todos os dias. É um exemplo de humanidade, de servir o próximo. E eu quero dar-lhe as minhas felicitações e os meus parabéns pessoais pelo reconhecimento, que vai ter e vou ter o prazer de estar lá para ver a Angie ser honrada. Para finalizar, há algumas palavras que queiras dizer?
AC: As minhas palavras finais são de agradecimento. Agradecimento a ti Manuel, pela oportunidade que me estás a dar de vir cá falar sobre mim e sobre o Award que vou receber no dia 4 de novembro.

MDC: Acho que são pessoas como tu que servem como exemplo do que podemos fazer para ajudar a sociedade, mesmo que seja só um pouquinho. E que o nosso tempo, além de ter muito valor, é dado gratuitamente para aqueles que realmente precisam. Por isso é que exemplos de pessoas como tu são tão importantes.
Muito obrigado, Angie Câmara.

 

Redes Sociais - Comentários

Artigos relacionados

Back to top button

 

O Facebook/Instagram bloqueou os orgão de comunicação social no Canadá.

Quer receber a edição semanal e as newsletters editoriais no seu e-mail?

 

Mais próximo. Mais dinâmico. Mais atual.
www.mileniostadium.com
O mesmo de sempre, mas melhor!

 

SUBSCREVER