Naquele 8 de junho de 2000 nascia um outro Pauê. Veio o hospital e com ele 52 dias de internamento em que colocou tudo em causa e o seu contrário. Quis continuar em frente, também pensou desistir. Tanta vida pela frente e tanto infortúnio, equilíbrio impróprio de encontrar para quem tinha sonhos e não os queria perder. Venceram a esperança e o otimismo, prevaleceram as palavras de ânimo, conforto e esperança dos pais, dos amigos, dos médicos.
Não imaginava o que viria pela frente, foi uma descoberta constante. Apoiei-me muito em Deus e na família”, lembra. “Até que um dia, ainda no hospital, perguntei à minha mãe se poderia continuar a surfar. A resposta dela foi o clique que me fez cair a ficha”, aponta. “Meu filho, tu vais atrair as pessoas pela energia que emanares”, ouviu como mote de inspiração.
De regresso a casa, Pauê adaptou-se às próteses que lhe iriam servir de apoio pela vida fora. E procurou novamente o mar. Começou por nadar em piscina para adaptar o corpo às dificuldades, não tardou em voltar a pegar na prancha e superar o desafio de voltar a fazer o que tanto gostava antes do acidente. Simultaneamente, foi convidado a integrar a equipa de triatlo paralímpico – desporto que combina 750 metros de natação, seguidos de 20 quilómetros de ciclismo e outros cinco quilómetros de corrida – da Universidade de Santos. “Dia após dia fui evoluindo e aumentando a capacidade de superação. Ver o exemplo dos meus colegas, que eu considerava como ídolos, inspirou-me a ser melhor, a querer mais, a ir mais além.”
Até que surgiu a oportunidade de participar nos Campeonatos do Mundo da especialidade. Um objetivo que parecia impossível cumprir. Já com resultados de relevo nas provas realizadas no Brasil e a nível continental, Pauê participou no popular programa televisivo “Domingão do Faustão”, da rede Globo, e contou publicamente que a sua ida ao México para competir estava comprometida por falta de financiamento. No dia seguinte, recebeu a boa nova. “O meu caso suscitou uma onda de solidariedade que angariou o valor da inscrição nos campeonatos, 540 dólares”, rebobina.
Voou para o México, onde dias antes da competição deu uma conferência de imprensa que lhe granjeou ainda mais popularidade e motivação. Mesmo sem estar entre o rol de favoritos, conquistou a medalha de ouro. “Fiz a prova de natação num tempo muito inferior ao meu melhor da altura. O ciclismo também correu bem e na corrida, a parte em que tinha mais dificuldades, superei as dores imensas que senti e deixei-me voar até à meta. Quando a cruzei, passou um filme na minha cabeça e disse-me que tudo é possível”, emociona-se.
Empenhado em não deixar para trás objetivos de vida, licenciou-se em Fisioterapia e continuou a praticar desporto, muito desporto. “Sobretudo surf, que ainda hoje faço com muita regularidade, é a minha filosofia”, assinala.
Documentário, livro e palestras
A história de Pauê Aagaard podia ter dado um filme. Não deu, mas transformou-se em documentário, “Pauê – o passo de um vencedor”, estreado em 2013. E também foi tema de livro, “Caminhando com as próprias pernas”, escrito pelo próprio. Ambos tiveram enorme repercussão no Brasil, dando a conhecer a sua história, mostrando que o infortúnio físico não é sinal de condenação eterna, emocionando os que lhe elogiaram a perseverança, inspirando quem, como ele, sofreu lesões graves e queria seguir vida mas não sabia como, nem para quê.
Pauê Aagaard foi, igualmente, tema de canção, interpretada pelo artista Fildzz, seu amigo e admirador.
Depois do título mundial de triatlo, Pauê impôs a si próprio outra meta ambiciosa. Quis participar no concurso Iron Man, que pode chegar aos oito quilómetros de natação, 180 de ciclismo e 42 de corrida. Foi traído por uma lesão grave. “Um estiramento no músculo posterior da coxa esquerda, que se fosse agravado poderia levar à amputação do que resta dessa perna”, lamenta. Mesmo assim, não olhou para trás e gravou novo desafio na mente, este superado com distinção. Durante dez dias, Pauê percorreu de canoa os 400 quilómetros de mar que ligam as cidades de Parati, no estado do Rio de Janeiro, à sua Santos. “Tentei superar-me a mim mesmo novamente, uma prova de resistência em que quis demonstrar-me que era capaz”, realça. E demonstrou.
Pelo meio, ganhou o prémio de atleta do ano “Faz a Diferença”, atribuído pelo prestigiado jornal “O Globo”, na categoria de Inclusão Social, e foi dando cada vez mais palestras, pelo Brasil e pelo Mundo. Para mostrar que tudo é possível mesmo quando as limitações são bastantes e a vida nos dá pontapés que nos atiram ao chão com violência. “Inspirar os outros é consequência da minha atitude, gosto de fazer ver que há outros caminhos. Se eu consegui, outros também vão conseguir. No fundo, é levar uma palavra de esperança que possa servir de inspiração para dias melhores”, frisa.
Uma das próximas palestras será em Portugal, a 7 junho, na DDC Samsys 2024, a 7 de junho no Multiusos de Gondomar. Ficará o mês quase todo por cá. “Vou querer surfar em Peniche e na Ericeira”, garante. As ondas esperam-no. Porque para Pauê Aagaard, o mar é casa e o sonho companheiro permanente.
JN/MS
Redes Sociais - Comentários