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Que lindo é ser saudável!

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O corpo humano é uma complexa criação, cheia de mistérios para serem ainda desvendados. É graças à consciencialização do seu corpo que o ser humano adquire a capacidade de se relacionar com os outros, interagir e seduzir. Aliás, desde tempos imemoriais que a arte se mistura com a sedução que o corpo humano provoca. E se houve tempos em que as formas musculadas e de equilíbrio quase perfeito dominavam as esculturas gregas, tempos houve também em que as formas arredondadas, principalmente das mulheres, inspiravam pintores e escultores que elevavam a arte um conceito que perdurou séculos, e ainda há relativamente pouco tempo se ouvia, como se de uma verdade se tratasse – “gordura é formosura”.

Quer numa forma de traduzir para arte o corpo humano, quer na outra, encontramos beleza o que nos diz bem de como o conceito do corpo perfeito e belo pode ter tantas cambiantes e diferentes interpretações.
No entanto, a evolução do conhecimento do corpo humano como organismo vivo, que adoece, que envelhece, que muda por várias circunstâncias obriga-nos a acrescentar a necessidade de manter o corpo humano o mais saudável possível e isso, sabe-se agora, já não se compadece com o olhar para a gordura como algo que traz formosura. Por outro lado, também se percebe que os distúrbios alimentares que provocam um emagrecimento extremo também são altamente preocupantes e inimigos do tal corpo saudável.

Recorrendo a mais um ditado popular fica então claro de que “no meio estará a virtude”. Mas como encontrar esse equilíbrio? Eis a questão… para a qual não há nem uma resposta mágica, nem universal, porque cada corpo é único e irrepetível. Daí que fugir de quem anuncia soluções milagrosas e recorrer a quem sabe sobre o assunto seja a melhor forma de conseguir atingir o objetivo.

Nesta edição, procurámos a opinião de duas nutricionistas – Inês Santos Remígio e Maya Ganhão – que com a sua experiência nos ajudam a interiorizar que, mais do que a cedência à quase “ditadura” do corpo perfeito, é importante procurarmos manter o nosso belo corpo humano, o mais saudável possível.

Inês Santos RemígioMilénio Stadium: Que tipo de doente a procura? Pessoas em excesso de peso são a maioria?
Inês Santos Remígio: A grande maioria dos clientes que me procuram diria até mais de 90% o seu objetivo é o emagrecimento. Não só pessoas com sobrepeso ou obesidade, mas também pessoas com Índice de Massa Corporal Normal (IMC entre 18,5 e 24,9) segundo a Organização Mundial de Saúde pretendem emagrecer. Os restantes 10% incluem clientes com patologias clínicas como Diabetes Mellitus tipo 2, distúrbios gastrointestinais, melhorar os hábitos alimentares, entre outros.

MS: E o que é que o doente/tipo espera de nutricionista? Uma solução rápida, quase milagrosa para o seu problema?
ISR: Quando comecei a exercer há cerca de 7 anos na área do emagrecimento, essa era a realidade, a maioria esperava um milagre, um plano alimentar que permitisse chegar ao seu objetivo o quanto antes, com a ideia de que quanto mais depressa chegassem ao objetivo de peso, mais rápido podiam “abandonar” o plano alimentar e voltar aos seus hábitos anteriores. Estas atitudes levavam a grandes oscilações de peso (perda, ganho, perda, ganho) que não são de todo equilibradas nem benéficas para a saúde.
Hoje em dia, os clientes que me procuram, estão mais consciencializados e pretendem mudar os seus estilos de vida a longo prazo, o que sem dúvida favorece os resultados ao nível da saúde.

MS: O ato de comer é consequência de uma necessidade fisiológica, mas também tem uma componente social e até cultural. O segredo para se conseguir um corpo saudável é atingir um equilíbrio nestas três componentes?
ISR: No meu ponto de vista sim, não podia concordar mais. Por exemplo, se tiver clientes com uma vida social ativa, não faz sentido construir um plano alimentar que não inclua, o almoço de família ao domingo, sabendo de antemão que a ingestão alimentar não será igual à que ocorre nos dias de semana, em que leva a marmita com a refeição definida no plano alimentar para o trabalho.
Diria ainda, que não há segredos nem “corpo saudável”, desde que a pessoa se sinta bem, tenha saúde mental, física e fisiológica terá um organismo saudável.

MS: É sabido que a ansiedade pode ser um dos fatores de desequilíbrio no controlo do peso (seja peso a mais ou a menos). Quando alguém tem facilidade em engordar ou pelo contrário não consegue aumentar de peso e não se sente bem consigo próprio/a não há o risco de entrar num círculo vicioso – ansiedade gera desequilíbrio e o desequilíbrio gera ansiedade…? Como sair desta situação?
ISR: Quando um cliente me procura, em casos de ansiedade “ligeira” ou causada por algo pontual, como por exemplo, época de exames, tento trabalhar estratégias para ajudar a ultrapassar a questão de ter mais apetite ou menos.
No entanto, quando já entra nesse círculo vicioso, em que a ansiedade surge associada à composição corporal já entramos no campo das perturbações do comportamento alimentar e nesses casos a minha recomendação é o trabalho de uma equipa multidisciplinar, sugerindo sempre o acompanhamento pela Psicologia, entre outros profissionais.

MS: No caso das mulheres a pressão social e o fator hormonal tornam tudo mais difícil quando se trata de encontrar o peso ideal. Um nutricionista tem também um importante papel na gestão da saúde mental de quem o procura?
ISR: Claramente, que a maioria dos clientes são mulheres muito devido a essa pressão social e também à menopausa que em termos hormonais pode facilitar o aumento de peso. O nutricionista pode nestes casos em que entende que o saúde mental do cliente interfere com a sua relação com a alimentação ou vice-versa, referenciar/encaminhar para o profissional de saúde capacitado para tratar e prevenir as doenças mentais. Claro que temos algumas ferramentas que ajudam a gerir a saúde mental relacionada com a alimentação, mas nunca substituirá o papel do acompanhamento psicológico.

MS: Com a sua experiência profissional, nota que há um incremento de perturbações alimentares decorrentes da “ditadura” do corpo perfeito?
ISR: Considero ou quero acreditar que o contexto já se encontra a mudar um pouco, principalmente nos jovens. A própria indústria da moda já se encontra mais inclusiva, vemos publicidade com todo o tipo de corpos e isso tem vindo a ajudar a mudar um pouco as crenças das novas gerações. Mas claro que ainda existem muitas pessoas com perturbações alimentares associadas ao “corpo perfeito”, mas da minha experiência profissional considero que a maioria destas perturbações ocorre na geração que nasceu antes de 2000.

MS: Fala-se muito da influência das redes sociais e das campanhas de marketing numa certa padronização da beleza. O que nos pode dizer sobre esta matéria?
ISR: É obvio que influenciam a maneira como nos vemos e nos enquadramos no mundo em que vivemos. Na minha opinião, a diferença passa pela importância que cada um de nós dá a esses padrões, que cada vez são mais abrangentes a todos os níveis. Nos dias de hoje, há influencers/figuras públicas, que optam por aparecer nas redes sociais com e sem maquilhagem ou edição de imagem e isso acaba por quebrar muitas vezes a crença do “corpo perfeito”. No entanto, também creio que não é saudável normalizar extremos, nem o excesso de peso nem o excesso de magreza. Claro que este assunto vai muito além da nutrição e, passa acima de tudo pela saúde mental prévia a este tipo de exposição, sem falar da zona geográfica do planeta em que vivemos. Se estivermos no Ocidente ou se estivermos na África Subsariana os “padrões de beleza” são certamente dispares.

MS: Como profissional habilitado/a para tratar pessoas com distúrbios alimentares o que pensa do imenso negócio que se gera à volta da busca do corpo perfeito (medicamentos milagrosos; cirurgias plásticas… etc)?
ISR: Acho que a procura da perfeição a todos os níveis gera além de distúrbios, muito dinheiro. A nível da relação entre os medicamentos milagrosos e as cirurgias plásticas, temos sempre de ter em conta os prós e os contras. Primeiro e como fundamental, acredito que antes de qualquer decisão, quer seja prescrição de medicação ou cirurgias pela parte da equipa clínica, deve contar sempre com o aval do psicólogo/psiquiatra e de toda a equipa, ou seja, caso exista um distúrbio alimentar este não se irá resolver com estas opções.
Por outro lado, a questão das refeições pré-preparadas, se em termos nutricionais forem ajustadas ao cliente, podem em certos períodos de tempo, ajudar a que a alimentação seja mais saudável, equilibrada e ajustada ao objetivo.
Em suma, acredito que a padronização da beleza é ainda um assunto muito importante de debater e a exposição das suas consequências, como as perturbações alimentares, é fundamental para auxiliar a resolver esta questão.

 


 

MayaMilénio Stadium: Que tipo de doente a procura? Pessoas em excesso de peso são a maioria?
Maya Ganhão: A clientela que sirvo varia em peso, mas o denominador comum é o seu nível de experiência. A maioria das pessoas que me procuram para obter ajuda são principiantes que não têm muitos conhecimentos e experiência em matéria de saúde, fitness e nutrição.

MS: E o que é que o doente/tipo espera de nutricionista? Uma solução rápida, quase milagrosa para o seu problema?
MG: Penso que muitas pessoas esperam que uma solução fácil e a preto e branco resolva o seu “problema” ou lhes dê resultados rápidos. Também acho que as pessoas complicam a saúde e a boa forma física muito mais do que é necessário. Na realidade, conseguir uma boa saúde é simples, mas isso não significa que seja fácil. Basicamente, resume-se a fazer boas escolhas nutricionais e a ser ativo, mas muitas vezes essas escolhas não são o caminho de menor resistência. O caminho de menor resistência é encomendar comida para levar ou manter-se sedentário. A resposta ao seu “problema” é simples, mas é preciso coragem para atuar.

MS: O ato de comer é consequência de uma necessidade fisiológica, mas também tem uma componente social e até cultural. O segredo para se conseguir um corpo saudável é atingir um equilíbrio nestas três componentes?
MG: Penso que o equilíbrio entre comer para satisfazer a necessidade fisiológica de alimentar o corpo, combinado com as componentes sociais e culturais de utilizar a nutrição para aproximar as pessoas, criar laços, criar memórias, etc., é a chave para uma dieta sustentável. Digo sempre aos clientes que a comida é combustível, por isso pensem bem quando escolhem o que põem no vosso corpo. No entanto, tem de haver um elemento de prazer, caso contrário a sua dieta falhará. A definição de “saúde” inclui uma componente de bem-estar mental e social. Acredito que a perspetiva que cada um tem sobre a nutrição e a atividade física tem impacto na sua saúde como um todo e incutir esse elemento de equilíbrio garante a longevidade dos seus hábitos saudáveis.

MS: Um nutricionista tem também um importante papel na gestão da saúde mental de quem o procura?
MG: A produção de trabalhos de um nutricionista é verdadeiramente uma reação em cadeia. Ao ajudar os indivíduos a tomar decisões mais saudáveis, esperamos obter resultados como uma melhor imagem corporal, melhores níveis de energia e melhor humor. Por conseguinte, o resultado é uma melhoria do estado mental do indivíduo. Embora não considere que seja da responsabilidade do nutricionista gerir a saúde mental dos seus clientes, acredito que o seu trabalho tem impacto no estado mental dos seus clientes e que a sua orientação pode influenciar uma mudança positiva.

MS: Com a sua experiência profissional, nota que há um incremento de perturbações alimentares decorrentes da “ditadura” do corpo perfeito?
MG: Os dados mostram que há um aumento dos distúrbios alimentares, o que, na minha opinião, se deve em parte às pressões sociais para ter um “corpo perfeito” (em grande parte influenciadas pelas redes sociais). Penso também que a saúde mental é mais discutida no presente do que antigamente, aumentando assim o número de casos registados. Tenho a certeza de que os distúrbios alimentares estão presentes há anos, mas não tínhamos a educação e os recursos que temos agora para identificar os indivíduos que lutam e oferecer assistência.

MS: Fala-se muito da influência das redes sociais e das campanhas de marketing numa certa padronização da beleza. O que nos pode dizer sobre esta matéria?
MG: Com a popularidade das redes sociais e o vasto fluxo de conteúdos que todos consumimos diariamente, parece que uma grande percentagem do que vemos é “perfeição”. É tão fácil sermos sugados para um ciclo de visualização de fotografias de mulheres bonitas com corpos maravilhosos, roupas novas, cabelo perfeito e a viver uma vida de sonho. Aprisionamo-nos nesta falsa realidade porque parece desejável e entretém-nos por um breve momento até que a inveja e a auto-depreciação se instalem. Os meios de comunicação social têm um enorme impacto na padronização da beleza, no entanto, tenho notado que muitas empresas se esforçam por incluir nas suas campanhas. Empresas como a Knight Swimwear (uma empresa canadiana de biquínis detidos por mulheres), a Oner Active (uma empresa de activewear detida por mulheres e sediada no Reino Unido) e as conhecidas campanhas da Dove incluem mulheres de diferentes tipos de corpo (altura, peso, forma, tamanho, tez da pele) na esperança de serem identificáveis por todas as mulheres – o que eu acho que precisamos de mais. Na minha opinião, é crucial que as empresas de vestuário ativo, em particular, mostrem todos os tipos de corpo, uma vez que qualquer pessoa tem a capacidade de ser activa. Espero continuar a ver campanhas inclusivas que acabem com o estigma que correlaciona a estética com a saúde em geral.

MS: Como profissional habilitado/a para tratar pessoas com distúrbios alimentares o que pensa do imenso negócio que se gera à volta da busca do corpo perfeito (medicamentos milagrosos; cirurgias plásticas… etc)?
MG: Penso que o corpo perfeito tem menos a ver com a sua aparência e mais com a sua funcionalidade. Pergunte a si próprio como é que o seu corpo se move, como é a sua digestão, como é que dorme. Coisas como estas definem a saúde muito mais do que ter uma cintura pequena, porque quando colocamos as coisas em perspetiva, ter um pacote de 6 ou um rabo à Kardashian não vai melhorar a nossa qualidade de vida. Penso que as pessoas devem investir o seu tempo e dinheiro em coisas como alimentos integrais, inscrições em ginásios, aulas de ginástica – coisas que beneficiam a sua saúde e têm impacto na sua longevidade.

Madalena Balça/MS

 

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