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“Nós estamos a viver a nossa cultura e ao viver a nossa cultura, estamos a projetá-la para os de fora” – Laurentino Esteves

 

Laurentino Esteves foi eleito, recentemente, para ser o nosso representante no Conselho das Comunidades Portuguesas, uma entidade a quem compete, de um modo geral, emitir pareceres, produzir informações, formular propostas e recomendações sobre as matérias que respeitem aos portugueses residentes no estrangeiro e ao desenvolvimento da presença portuguesa no mundo. Nessa qualidade e como profundo conhecedor da realidade da comunidade portuguesa na Grande Área de Toronto, deu-nos a sua opinião sobre o que tem vindo a ser feito em prol da promoção da nossa cultura em terras canadianas e, ainda, o que poderia fazer-se de diferente.

Milénio Stadium: Que cultura portuguesa estamos a transmitir e projetar aqui no Canadá?
Laurentino Esteves: Olhe, durante esta semana de Portugal, aprendi uma coisa com a Sra. Cônsul-Geral que me marcou e que eu retive: a nossa cultura é hoje uma mistura de muitas coisas. Estando longe do torrão natal, a cultura vai-se diluindo e, portanto, vai requerendo outros cheiros, outros sabores, outros tons, outros ritmos, às vezes. E é nossa responsabilidade manter a cultura portuguesa, ainda que vá perdendo um bocadinho o cunho, a matriz principal, mas no fundo, lá no fundo, há sempre uma réstia de portugalidade e, portanto, é a essa pequena réstia que nós nos temos que amarrar, mesmo que custe muito. Há uns dias atrás tive uma conversa a propósito de uma associação que tinha uma bandeira hasteada na fachada do prédio, que estava desbotada e eu disse isto é o peso da cultura que se vai perdendo, vai perdendo a cor, mas desde que ainda haja lá um bocadinho de verde e de encarnado… é a portugalidade. Portanto, é a esse bocadinho que nós nos estamos a amarrar, mesmo que esteja desbotado, a desfazer-se um bocadinho, mas ali sentimos Portugal e temos que nos amarrar a isso, estando nas coisas, participando. Hoje aqui, por exemplo, eu podia muito bem ficar em casa num domingo de manhã. Ontem estive no Festival de Verão de Barcelos, estou um bocadinho cansado e podia ter ficado em casa, mas eu queria ver (porque não consegui ver durante a Semana de Portugal) os grupos estão aí, do Pico e do Faial. Eu queria ver estas Chamarritas que são únicas e são únicas destas duas ilhas, porque nas outras ilhas também há, mas o ritmo não é igual. Portanto, eu queria ver de facto estes grupos do Pico e do Faial para ver a diferença da nossa cultura. Eu sou do litoral como sabe e, portanto, o meu folclore é totalmente diferente, mas a riqueza do folclore está nessa diversidade. Independentemente de onde é que nós venhamos, do Norte, do Sul, do Centro ou das Ilhas, somos um bocadinho de Portugal e se nós não estivermos presentes, isto vai-se perder e nós vamos ficar a perder também. Portanto, repito, eu hoje podia ter ficado em casa, mas eu quero estar aqui porque quero viver a minha cultura. Sempre que há alguma coisa portuguesa numa casa qualquer, numa associação qualquer, participem e não me digam “ah, mas nós temos muitas casas…” ainda bem! É uma mais-valia porque todos os fins de semana nós estamos a optar onde é que queremos ir, temos tanta variedade, temos que usufruir dessa variedade. E essas são essas variedades que juntas formam a portugalidade. Com as nossas diferenças, juntos, mostramos a nossa cultura e é essa cultura nós temos que preservar.

MS: Mas nós estamos a projetar essa cultura portuguesa para nós próprios ou queremos/devemos projetá-la também para os canadianos e outras etnias?
LE: Bom, nós estamos a viver a nossa cultura e ao viver a nossa cultura, estamos a projetá-la para os de fora. Mas temos de ser inclusivos e deixar que outros se juntem a nós também. Por exemplo, eu não acho nada errado que uma pessoa nascida cá, que até não seja portuguesa, que venha a dançar no rancho folclórico, porque não? “Ah, mas ele não tem a vivência do folclore?” não tem, mas vai adquiri-la aqui e, portanto, não está errado. Nós temos de ser inclusivos e ao viver a nossa cultura, estamos a projetá-la para os outros e estamos a incluir os outros. A Parada de Portugal, por exemplo, onde exteriorizamos a nossa portugalidade, toda aquela manifestação, às vezes um bocadinho exagerada, faz parte daquilo que é Toronto, uma mescla de culturas e nós temos que ter orgulho naquilo que é nosso e mostrar aos outros para que saibam quem somos.

MS: Mas a Parada representa-nos devidamente?
LE: Já foi mais representativa. Confesso que cada vez se veem menos carros alegóricos, isso tem uma explicação, mas eu notei este ano, com todos os defeitos e existem muitos com os quais eu não concordo, muita coisa mesmo, mas eu notei que havia muita juventude. Notei este ano mais que os outros, que havia mais juventude nos ranchos folclóricos, nos grupos que desfilam na Parada. Reparei que não tendo um carro alegórico, as pessoas trouxeram a equipa de futebol, trouxeram a equipa de ginástica e desfilaram na Parada onde tinha mais gente a desfilar do que carros alegóricos. Está-se a perder um bocadinho essa veia. As pessoas estão cansadas, as associações estão cada vez mais envelhecidas, são sempre os mesmos e há muitos custos para fazer um carro alegórico e as associações nem sempre podem acarretar esses custos. Portanto, a ACAPO deveria pensar, como já no passado fez, e gastar dinheiro nisso, gasta-se em tanta coisa e, às vezes, mal gasto, devia pensar em subsidiar as associações para um carro alegórico. Se há verbas para muitas coisas que são fúteis… é a minha opinião, vale o que vale.

MS: Portugal hoje, Portugal do século XXI, digamos, é um Portugal da inovação, da tecnologia, da fusão da gastronomia, do turismo de qualidade, das Universidades reconhecidas internacionalmente… Como Conselheiro das Comunidades Portuguesas, pensa de algum modo contribuir para que seja dado a conhecer aos próprios portugueses que aqui estão, esse Portugal que muitos deles até nem conhecem?
LE: A minha missão é no sentido contrário – é levar das comunidades ao Estado português aquilo que nós precisamos, o que queremos que o governo português oiça. Mas eu percebo a sua pergunta, que é muito importante. Portugal hoje é um país europeu moderno. É um país do século XXI, portanto, e às vezes nós comunidades, ficamos um bocadinho amarrados ao passado. Por exemplo, a ACAPO teve um papel importantíssimo e que, infelizmente, na minha opinião, está a perder. Nos anos 90 foi importante trazer artistas de Portugal, bandas jovens para atrair os jovens e hoje dá a impressão de que o trabalho foi feito e agora estão a gozar os louros. Esses louros têm que se manter e a ACAPO, e as associações portuguesas também têm que ter esse cuidado. Quando fazem um espetáculo, uma semana cultural… não viver só do passado, projetar também a nova cultura. Nós temos escritores, pintores, enfim, artistas modernos que já têm essa nova portugalidade, essa nova roupagem de Portugal. Portugal, hoje, como disse e muito bem, é um país virado para o mundo, como foi no passado, mas hoje com outra missão – levar e dar a conhecer o talento português. E nós temos talentos em todo o lado, em todas as áreas e, portanto, também temos que projetar esse Portugal moderno. E também compete às associações fazer um pouco esse trabalho e eu, enquanto conselheiro, direi sempre que for oportuno e puder, olhem para a nova geração e projetem esse Portugal novo também.

MS: Por outro lado, como conselheiro, não pode também ter um papel de intervenção e até pressão no sentido de que o próprio Governo se encarregue de trazer para as comunidades um Portugal moderno?
LE: Uma das coisas que eu defendo, e eu sei que não é fácil, mas uma das coisas que eu irei defender já no próximo plenário, dentro de muitas outras coisas que são urgentes já nesta primeira reunião, é que Portugal saiba acarinhar as suas associações à volta do mundo, dando-lhes ferramentas. Por exemplo, quando há uma semana cultural, ao contrário de enviar uma verba, um subsídio de algum dinheiro, porque não enviar um escritor que projeta esse Portugal moderno, um escritor, um pintor, um artista? Mas que projete exatamente esse Portugal recente? É porque nós temos alguma imigração também recente, que, chegando cá, não se revê nesta comunidade mais antiga. A antiga não é bem o termo, mas mais ancorada no passado. E esses jovens que vêm, muitos deles formados, também precisam de se identificar com alguma coisa. Portanto, o Estado português também deve ter essa preocupação de enviar cultura para o exterior, projetando exatamente o Portugal de agora. É importante que o Estado português se empenhe, principalmente com as semanas culturais. Eu sei que as semanas culturais passam muito pela região e as câmaras municipais apoiam, às vezes mais que o Governo central, mas o Governo central deve ter sempre um papel preponderante nestas celebrações, nestas coisas, e enviar para o exterior o que melhor tem.

MB/MS

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