Temas de Capa

É preciso aceitar a ajuda

 

São testemunhos na primeira pessoa. São histórias de quem sabe o que é sofrer com depressão, ansiedade ou outros problemas relacionados com a saúde mental. São testemunhos poderosos de quem viveu, por dentro, o inferno em que se transforma a vida de quem cai no fundo do poço da depressão. São testemunhos de quem apesar de tudo, conseguiu pedir ajuda e tratar os problemas de saúde que os angustiavam e corroíam a alma. São histórias iguais a tantas outras que, infelizmente, não tiveram o mesmo “final feliz”.

Hoje são ambos pessoas disponíveis para falar sobre si próprios, sobre os seus tormentos passados, porque entendem que parte da cura passa exatamente por aí e também porque percebem que com este abrir do coração podem ajudar outros a perceber que não estão sozinhos. Que há outros como eles. E, fundamentalmente, que há solução para os seus problemas – só precisam de aceitar que não estão bem e que precisam de ajuda. Ficam aqui bem expressos os nossos agradecimentos pela coragem e pela partilha de Lorne Simon e Mario Fernandes.

 

Lorne Simon

Milénio Stadium: Sei que tem alguns problemas com a sua saúde mental. O que é que sente especificamente? Sofre de ansiedade e/ou depressão?
Lorne Simon: Sempre tive alguma Ansiedade e Depressão enquanto crescia, mas consegui lidar com isso. Em 2013 fui atingido por um grande problema pessoal que surgiu do nada. Foi como se tivesse sido atingido por um comboio. Por causa da situação, isso lançou-me numa profunda depressão crónica com ansiedade em cima dela. A depressão foi muito grave, juntamente com a ansiedade, paralisou o meu pensamento e perdi toda a clareza. Enfiei-me numa toca de coelho e desliguei-me da minha família e dos meus amigos. Não se consegue dormir bem, nem comer. Era terrível sentir-me triste 24 horas por dia, 7 dias por semana.

MS: Quando é que começou a sentir que algo não estava bem com a sua saúde mental? E quais foram os primeiros sintomas?
LS: Era um sentimento que não passava, só queria acabar com ele porque as dores eram muito fortes. Passava-me pela cabeça o que é que eu precisava de fazer para obter ajuda e, com sorte, seguir em frente na vida. Lembre-se que eu estava desligado de todos os aspetos da vida… Como eu disse, a pessoa fica deitada a pensar o que é que eu fiz de errado, a isso chama-se ruminar.
Então a minha família levou-me às urgências do CAMH em Toronto e implorou para eu ser internado. Fiquei no hospital durante 6 semanas, sem querer sair e enfrentar a realidade. Era um refúgio seguro, suponho, porque estava a ser cuidado com medicamentos, alguma terapia de grupo e alguém a fornecer-me refeições todos os dias.

MS: Como é que lidou com o seu problema? Conseguiu “resolvê-lo” sozinho ou procurou ajuda de um profissional da área?
LS: Finalmente tive alta, não podia ficar mais tempo, e comecei a construir a minha vida de novo. O homem lá de cima (Deus) deu-me a vontade de me reconstruir, porque ainda sou jovem, tenho uma família e estou ansioso por viver a vida sem toda aquela dor e solidão. Tive o apoio da família e de profissionais de saúde mental para me reconstruir e isso ainda está a ajudar. O apoio é fundamental. Se não o tivermos, ninguém sabe qual vai ser o resultado, pode até ser o que não se quer e não se estava à espera.

MS: Será que estes problemas de saúde mental se agudizam nos homens porque cresceram a pensar que “um homem nunca chora”?
LS: Os homens gostam de guardar as coisas dentro de si e não discutir os seus sentimentos. Mas na sociedade atual, a saúde mental é saúde e é a nova pandemia após a Covid-19.

MS: Quando está triste ou angustiado, consegue falar com alguém?
LS: Não tenho problemas em falar sobre os meus problemas, porque ajuda a curar, e quero ajudar homens e mulheres a lidar com a saúde mental. É normal ser diagnosticado com uma doença na área da saúde mental. Há tantos problemas mentais nas ruas de Toronto. Vejo pessoas, na sua maioria homens, a sofrer em silêncio, como eu fiz.

MS: Na sua opinião, o que pode e deve ser feito para proteger e tratar a saúde mental dos homens? O que pode dizer a quem está a passar por situações semelhantes à sua?
LS: Não há problema em pedir ajuda, rapazes, e não tentem acalmar-se pensando que podem lutar sozinhos. Lembrem-se de que não precisam de se preocupar. Ainda temos e teremos um longo caminho até esta nova EPIDEMIA passar.

 

Mário Fernandes

Milénio Stadium: Quando é que começou a sentir que algo não estava bem com a sua saúde mental? E quais foram os primeiros sintomas?
Mario Fernandes: Quando voltei da minha recaída (toxicodependência), estava deprimido, claro, por causa da abstinência da droga e tinha muita ansiedade. E o que aconteceu foi que, como resultado do meu consumo de drogas, desenvolvi ansiedade e depressão permanentemente. Isso ficou. Sentia uma ansiedade avassaladora, pensando que toda a gente estava sempre a tentar apanhar-me. Acho que também estava a lidar com um pouco de psicose. E tudo isto enquanto estava limpo, o que torna tudo um pouco estranho, porque a maior parte das pessoas, quando as drogas saem do sistema, a paranoia e tudo isso também desaparece.
E, para mim, isso manteve-se durante dois anos. Durante esses dois anos, foi-me diagnosticada uma depressão, foi-me diagnosticada ansiedade. Estava a tomar antipsicóticos e isto está tudo limpo, certo? Portanto, tudo isto é uma espécie de rescaldo da toxicodependência.
No início, eu estava em negação em relação a isso e, na verdade, fiquei em negação durante muito tempo. Foram provavelmente alguns anos, talvez uns 4 ou 5 anos, porque as pessoas estavam a dizer-me que eu não estava bem e eu não estava a acreditar nelas. Pensava que estavam apenas a mentir-me. Entretanto, pensei que toda a gente me queria apanhar e desconfiava de toda a gente, certo?
Quando comecei a sentir-me bem, foi quando acordei no hospital, depois de lá ter estado 17 dias. E, de facto, senti-me bem, pela primeira vez, em alguns anos. E, não me apercebi logo, mas fui-me apercebendo ao longo do dia que tinha acordado sem aquela sensação de desgraça iminente e senti-me muito bem. Era como um peso enorme que me estava a sair dos ombros. Senti-me tão aliviado.

MS: Alguma vez teve pensamentos suicidas? Em caso afirmativo, pode dizer-nos o que sentiu nesse momento e como o ultrapassou?
MF: O que aconteceu foi que quando eu estava a passar por esta paranoia, esta ansiedade, esta depressão, apercebi-me que não conseguia manter um emprego, que nunca poderia ter uma relação. E o que acontece é que nos corta a pele. Enfraquece o nosso carácter. Por isso, o que aconteceu foi que, provavelmente, 6 a 9 meses depois, eu estava extremamente suicida, ao ponto de estar a planear o meu suicídio.
Aceitei o facto de que não ia continuar a viver assim e o que fiz foi pedir ajuda a uma pessoa que conheço há muito tempo, que trabalha na área da medicina, que trabalha na área da saúde mental. E essa pessoa arranjou-me um médico que me pôs a tomar medicação. No início, a medicação não ajudou. Até me tornou mais suicida, porque eu estava a tomar uma medicação que basicamente fazia com que sentisse que não conseguia ficar quieto.
Como a medicação ainda não tinha começado a fazer efeito, eu continuava a ser suicida, continuava deprimido, continuava a ter ansiedade, e eu tinha dado a isto uma linha temporal, dizendo: se isto não melhorar dentro de pouco tempo, algumas semanas, estou acabado. Na verdade, as pessoas que podem fazer isso salvaram a minha vida.

MS: Quando está triste ou angustiado, consegue falar com alguém?
MF: Era difícil para mim falar com as pessoas durante esses tempos. Eu só queria mesmo sentar-me ali e isolar-me e estar sozinho porque não gostava de sair em público. Era muito stressante para mim. Pois. E não gostava de explicar às pessoas porque estava stressado, porque sentia sempre que a maioria das pessoas não compreendia. E elas, sabes, julgavam-me ou não acreditavam em mim. Por isso, isolei-me durante muito tempo.

MS: É daqueles homens que pensam que “um homem nunca chora”?
MF: Durante muito tempo, pensei que era um sinal de fraqueza, durante muito tempo acreditei que, se um homem chorasse, era fraco. Atualmente, acredito que cada indivíduo é dono de si próprio. E, tipo, algumas pessoas têm facilidade em chorar e outras não, mas eu não julgo ninguém por chorar. Já não acho que seja um sinal de fraqueza. Não acho que haja nada de errado em ter uma personalidade em que se mostram as emoções mais do que os outros. Acho que isso é fixe. É fixe.

MS: Na sua opinião, o que pode e deve ser feito para proteger e tratar a saúde mental dos homens?
MF: Eu sou um grande defensor da saúde mental. Estou sempre a tentar envolver-me em coisas e, e gosto de falar com quem quiser ouvir sobre isto. Falo em diferentes reuniões e vou a centros de tratamento, etc., e falo da minha experiência e estou sempre disposto a partilhar a parte da saúde mental, porque acredito que há mais pessoas nessa situação que pensam que não há esperança, mas há.
Penso que está na altura de o governo tomar medidas e começar a proteger os homens com problemas de saúde mental, tanto deles próprios como da sociedade. Acho que precisam de levar isto mais a sério. Por exemplo, acredito que muitas vezes as pessoas são presas ou acusadas de crimes, e talvez não tivessem cometido esses crimes se a sua saúde mental fosse melhor. Por isso, acho que é preciso investir mais recursos nisso.
E acredito que muita da saúde mental tem origem na toxicodependência. E eu não acredito que tenhamos instalações, pessoas ou fundos suficientes para lidar com a toxicodependência. É galopante nas nossas cidades. Basta andar por aí e olhar para os sem-abrigo. A maior parte dos sem-abrigo está na rua devido à toxicodependência ou à saúde mental, ou a ambas, e é preciso fazer alguma coisa. Isto soa um pouco político, mas estamos a gastar milhões e milhões e milhões a trazer pessoas de outros países que podem muito bem precisar de ajuda. Mas o nosso país, as pessoas do nosso país, sabem, nós também merecemos a ajuda. E nós já cá estamos.
MB/MS

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