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“A verdade e a sinceridade vencem sempre” – Ana Bailão

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Nesta edição em que tanto falamos da mentira ou inverdade associada à política, ou melhor dizendo, ao discurso político, pareceu-nos essencial falar com um protagonista, para tentarmos entender como se constrói uma campanha e que preocupações tem um candidato a um cargo político.

Ana Bailão, uma das mais relevantes figuras políticas da nossa comunidade, como todos sabemos, tem uma larga experiência nestas andanças da política. Fez várias campanhas eleitorais, sendo que a última que a fez correr a cidade de Toronto, teve uma dimensão tal que exigiu que Ana Bailão se fizesse acompanhar de uma equipa qualificada e experimentada em comunicação política.

Como se relaciona o candidato, com uma equipa que está treinada a pôr de lado as emoções e trabalhar com frieza a mensagem que se quer passar? Como lida um candidato com o que se constrói e se diz à sua volta? Como se decide qual o caminho para a vitória?

Nesta conversa, Ana Bailão falou com a segurança de quem tem a convicção de que disse o queria dizer, fez o que precisava ser feito porque nunca permitiu que a estratégia desenhada lhe passasse ao lado. Ao contrário, não só participou nas decisões, como teve sempre a palavra final.

E para esta luso-canadiana a política não rima com mentira, considerando mesmo que “a verdade e a sinceridade vencem sempre”, mesmo quando se perdem eleições.

Milénio Stadium: A Ana Bailão já tem um histórico de campanhas eleitorais, embora me pareça que há diferenças significativas entre a campanha para se ganhar um ward e a campanha para conquistar a cidade, como Mayor. Concretamente nesta última campanha quais foram as linhas orientadoras de toda a estratégia de comunicação? E como foram determinadas?
Ana Bailão: Comunicar o mais diretamente possível com o público. Apostámos muito na campanha porta a porta, onde falávamos com as pessoas e distribuíamos panfletos com as nossas ideias para a cidade. E fizemos um excelente trabalho, neste particular, porque conseguimos tocar em 700.000 portas. E depois através da comunicação social – fazíamos constantemente conferências de imprensa onde fazíamos anúncios sobre a nossa plataforma política. Isto para além do social media.

MS: No jornalismo aprendemos que a verdade tem de estar acima de tudo – os factos devem ser comunicados de forma íntegra e correta. No entanto, também este mundo tem vindo a ser descredibilizado com a cedência a interesses económicos e políticos. No caso concreto da Ana, que posicionamento foi adotado em relação à comunicação social?
AB: Pois nós tentamos sempre transmitir a nossa mensagem, mas por vezes há certas coisas que são sempre frustrantes, não é? Por exemplo, nesta última eleição, uma das coisas com que nós nos debatemos constantemente foi o facto de surgirem certas sondagens que estavam por todo lado e que eram produzidas por empresas que mal eram conhecidas. E a comunicação social nem se preocupava em ver de onde é que vinham estas sondagens, que empresas as estavam a apresentar, por exemplo. Não perguntavam, automaticamente tomavam aquela informação como informação credível. E isso afetou-nos. Afetava-nos mais porque as pessoas dizem “ah, ele está em primeiro”, outro dia, estava em quarto… e como é que isto era possível? Nós achávamos sempre que era estranho a comunicação social não fazer essas perguntas, não pôr em causa. Obviamente, que também sabíamos que, por muito que não se diga, nós conseguimos sempre ver quais são os meios de comunicação social que estão mais à esquerda ou mais à direita, que favorecem mais uns candidatos, que favorecem menos outros.

MS: Sabemos como a falsidade domina muito a vida de todos nós – principalmente no mundo das redes sociais (terreno propício à criação de uma quase realidade paralela), também elas muito utilizadas para veicular muitas mentiras ou fake news. Como lidou enquanto candidata com esta área da comunicação?
AB: A nossa estratégia foi: a candidata não vê, mas claro que a equipa via e acompanhava de perto tudo o que por lá se passava. Eu, pessoalmente, não via nada, nem tinha no meu telefone acesso a redes sociais. Porque há sempre ataques pessoais e à família e esta foi a maneira que encontrámos de me proteger e não permitir que, de algum modo, isso me afetasse. Mas claro que a equipa via tudo e respondia sempre que fosse de responder, porque há coisas que nem merecem resposta. Esta é uma estratégia que sei que muitos candidatos adotam para lidar com esse mundo onde tudo parece permitido.

MS: A comunicação política e os estrategas que estão associados a uma campanha são essenciais para ajudar a combater a descredibilização da política e dos políticos?
AB: São e são extremamente essenciais nesta era em que vivemos. Nos dias de hoje, acho que são ainda mais importantes porque há tanta e tanta coisa que não é verdade. E há pessoas que acreditam, embora há cada vez mais pessoas que duvidam ou acreditam menos. Mas sim as pessoas de estratégia de comunicação na política são essenciais.

MS: Mas não se corre o risco de retirar autenticidade à mensagem do candidato, que passa a ser muito formatada?
AB: Não. Eu acho que dá para equilibrar as duas coisas. Eu acho que o candidato tem que ser sempre quem dá a última palavra. É verdade que, às vezes, há pessoas que fazem a comunicação política, que tentam forçar certas campanhas, que tendem a ficar muito distanciadas daquilo que o candidato é. Mas eu acho que há formas de equilibrar as duas coisas, de modo que a pessoa possa ser ela própria, mas ter os canais apropriados, uma estratégia apropriada e uma comunicação apropriada.

MS: Mas, no seu caso, sentiu necessidade de, de certo modo, impor também as suas regras nesta matéria e dizer que queria estar presente, fazer parte e não se afastar do desenho da estratégia? Sentiu essa necessidade ou isso aconteceu de forma absolutamente natural?
AB: Eu acho que as pessoas que me estavam a rodear e que gostavam da minha campanha também viram logo que eu era uma pessoa que tinha que estar nessa decisão. Quando se delineava essa estratégia eu tinha que estar envolvida.

MS: Por outro lado, o facto de no caso concreto do mundo da política, as estratégias de comunicação serem desenhadas para servirem o interesse de determinada pessoa ou grupo, podem contribuir para que seja difícil para o público descortinar o que é verdade ou falsidade?
AB: Acho que a estratégia sempre houve e todos os políticos se apresentam com uma cor, com uma estratégia. E, portanto, eu acho que sempre houve. Talvez hoje esteja mais acentuada porque a velocidade e a intensidade e a polarização dentro da política é tão grande, e não só na política, no mundo em si, que os candidatos têm necessidade de ter a certeza que estão a responder de forma correta e adequada. Porque se nós não nos identificamos, não nos mostramos convictos do que estamos a dizer e não conseguimos passar a nossa mensagem, somos definidos pelos outros. E isso é um erro crucial na política.

MS: A mentira ou inverdade são meios de sobrevivência política, ou seja, os políticos têm necessidade de mentir para sobreviver?
AB: Eu acredito que não. Acho que a verdade e a sinceridade vencem sempre. E continuo a acreditar nisso.

MS: Então a mentira pode funcionar como meio de autodestruição?
AB: Sim, sem dúvida. Porque mais tarde ou mais cedo as coisas vêm-se a saber e isso ainda pode ser pior do que a mentira que se poderia estar a usar para ofuscar uma qualquer realidade.

MS: Há alguma coisa de que se arrependa dentro da campanha que fez, as mensagens que passou? Tudo o que disse, tudo o que foi afirmado durante a campanha, é exatamente aquilo que a Ana queria dizer?
AB: Acho que sim. A única coisa que penso agora, quando olho para trás, que faria diferente era desfrutar mais da campanha logo desde o início. Quando a campanha começou eu estava nervosa, claro… era uma coisa muito grande e sentia aquele peso. E conforme fiquei mais confiante, à medida que percebi que tinha todas as capacidades e muito mais do que os outros candidatos de fazer uma boa campanha e levar a minha mensagem, fiquei mais solta. E acho que as pessoas também responderam a isso. E agora olho para trás e digo a mim mesma quem me dera ter estado assim desde o primeiro dia… teria desfrutado mais da campanha. E teria conseguido conectar-me muito melhor com as pessoas e desfrutar da campanha muito mais.

MS: Acredita que hoje em dia as campanhas políticas acabam por ser muito mais essa capacidade de gerar empatia com as pessoas do que propriamente com as mensagens que se divulgam?
AB: Acho que sim. Acho que a empatia é fundamental. E as pessoas conseguirem relacionar-se com o político é de grande importância.

Madalena Balça/MS

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