Portugal

Hospitais com falhas de medicamento usado para tratar cancro

 

Especialistas apontam o dedo às grandes farmacêuticas pela rutura de stock. Há desinteresse da indústria pela produção de substâncias mais antigas e mais baratas. Reguladora da Saúde deu instruções aos hospitais da Guarda e do Algarve para terem meios de emergência sempre operacionais.

Um doente oncológico a ser seguido no Hospital de Guimarães, perante a falta do medicamento com que estava a fazer um tratamento de quimioterapia, devido a um cancro, questionou o Infarmed e ficou a saber que “o 5-Fluorouracil está a ser distribuído de forma limitada, como medida de mitigação, por se encontrar em rutura de stock”.

A autoridade do medicamento reconheceu ao JN que o 5-Fluorouracil, fármaco usado no tratamento, em ambiente hospitalar, de diversos tipos de cancro, se encontra em rutura desde meados de abril. Em Portugal, há duas empresas farmacêuticas com autorização para comercializar o produto, a Accord e a Hikma. A primeira prevê repor o medicamento a partir de 11 de junho, a segunda aponta para 1 de julho. Entretanto, foram acionados planos de contingência e há doentes a fazer esquemas terapêuticos alternativos.

Ao JN, o Hospital de Guimarães confirmou “que tem havido falhas no abastecimento deste medicamento” e acrescenta que o plano de contingência para estas situações foi ativado.

Drogas novas não faltam

Nesta unidade de saúde ainda não houve necessidade de mandar doentes para trás por falta de medicação para continuarem a quimioterapia, mas reconhecem que foram feitos “ajustes terapêuticos”, embora apontem para um número reduzido de pacientes. A oncologista do IPO do Porto Joana Bordalo e Sá indica que, em alguns casos, o fármaco pode ser substituído pela Capecitabina. “O 5-Fluorouracil é um fármaco muito usado em cancros da cabeça e pescoço e do aparelho digestivo. O problema é que é muito antigo e, por isso, muito barato, portanto, não dá lucro à indústria farmacêutica que se desinteressa”, refere. “O último fármaco de imunoterapia nunca tem ruturas de stock”, acrescenta.

Hélder Mota Filipe, bastonário da Ordem dos Farmacêuticos e ex-presidente do Infarmed, reconhece a falta de interesse da indústria pela produção “deste e de outros medicamentos baratos”. Segundo este especialista, não é a primeira vez que a situação acontece com este princípio ativo “que só tem um ou dois fabricantes a nível mundial”. Para Joana Bordalo e Sá, o Estado devia ter laboratórios que se encarregassem de produzir estes medicamentos que já não interessam à indústria, “mas que são fundamentais para os doentes”.

O bastonário dos farmacêuticos diz que as experiências em que os estados tomam em mãos a produção de medicamentos não têm resultado. “Uma fábrica de farmacêutica tem requisitos muito elevados e no caso deste tipo de produtos, citotóxicos [tóxico para as células], as condições são ainda mais exigentes”, indica.

O Infarmed aponta para constrangimentos generalizados a nível europeu no abastecimento de 5-Fluorouracil. Para ajudar a ultrapassar o impacto desta falta de disponibilidade pediu aos distribuidores por grosso especializados na importação que submetessem pedidos de autorização de utilização excecional de rotulagem em língua estrangeira. “Desde 12 de abril de 2024, foram concedidas 11 destas autorizações para este medicamento, estando os hospitais a ser abastecidos” nestas condições, informa. De acordo com uma farmacêutica hospitalar, “alguns hospitais prepararam-se melhor para esta rutura que já se previa”.

Hélder Mota Filipe esclarece que, “quando há poucos fabricantes, se houver um problema nas linhas de produção, naturalmente afeta o abastecimento”. Explica que os fabricantes são obrigados a informar quando os constrangimentos na produção são previsíveis, mas defende que a melhor ferramenta defensiva é a constituição de stocks nos momentos em que não há falta do medicamento.

Antigo mas muito usado

O Fluorouracil foi sintetizado pela primeira vez em 1957 e os estudos clínicos demonstraram o seu interesse no tratamento de tumores gastroduodenais. Segundo o bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, apesar de antigo, é ainda um medicamento de primeira linha no tratamento de alguns tipos de cancro. Classificado como antimetabólito, tem indicações em tumores do cólon, reto, pâncreas, esófago, mas também em alguns tipos de cancro da mama.

Infarmed proíbe exportação de 109 fármacos que estiveram em falta em abril

Lista mensal
Desde 4 de maio, está temporariamente proibida a exportação de 109 medicamentos. A lista do Infarmed é atualizada mensalmente e inclui os fármacos que estiveram em rutura no mês anterior.

Metilfenidato
Face às permanentes falhas no mercado, está proibida a exportação das várias apresentações do metilfenidato, a substância ativa dos fármacos para o tratamento do défice de atenção e da hiperatividade.

Tamoxifeno
Usado no tratamento do cancro da mama, este modulador seletivo do recetor de estrogénio oral, está em falta e foi incluído na última lista dos medicamentos com exportação temporariamente proibida.

Propranolol
O medicamento Propranolol Generis 10 mg, nos blisters de 20 e 60 unidades, usado no tratamento e prevenção do enfarte do miocárdio, não pode ser exportado. Os problemas com estes fármacos têm anos.

Caso: fez biópsia em 2020 e só soube da doença grave em 2023

Hospital Amadora-Sintra alegou “extrema carência de médicos”
Foto: Júlio Lobo Pimentel / Global Imagens

O Hospital Amadora-Sintra foi alvo de uma queixa por ter realizado uma biópsia mamária em 2020 e a utente só ter conhecido o resultado do exame, cancro da mama, em 2023. A reclamação motivou a intervenção da Entidade Reguladora da Saúde (ERS).

Na queixa, a neta da utente conta que a avó fez uma biópsia mamária em 2020 no Hospital Fernando Fonseca, agora denominada Unidade Local de Saúde Amadora-Sintra, e só souberam “o resultado, após muita procura, no dia 13 de fevereiro 2023, numa consulta com a agora médica de família, de que tem cancro na mama”. “Todos sabemos que este tipo de doenças podem, quando atempadamente tratadas, ser superadas”, escreve na reclamação divulgada no relatório das deliberações da ERS do primeiro trimestre.

Em resposta, o hospital afirma que a Unidade de Senologia do Serviço de Ginecologia se encontra “numa situação de extrema carência de médicos devido à saída de vários profissionais para outras instituições de saúde ainda sem a devida reposição”.

Ambulâncias paradas

Entre as deliberações, a ERS pronunciou-se sobre o caso do bebé de 11 meses que morreu, há um ano, no Hospital de Portimão enquanto aguardava por transferência numa ambulância específica para crianças para o Hospital de Faro. A reguladora emitiu uma instrução à Unidade Local de Saúde (ULS) do Algarve para garantir a operacionalidade permanente daquele meio que faz a transferência pediátrica inter-hospitalar.

Também a ULS da Guarda foi alvo de uma instrução para garantir a operacionalidade da viatura médica de emergência e reanimação , na sequência da morte de um turista inglês em Manteigas, em outubro do ano passado.

Foram ainda emitidas instruções a entidades privadas por discriminação e rejeição de utentes em função da entidade financiadora.

A ERS confirmou que várias clínicas visadas nas queixas davam prioridade ao agendamento das consultas e exames a título particular ou com seguro de saúde, prejudicando os doentes com credenciais do SNS ou da ADSE.

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