E se Luís de Camões tivesse nascido no Porto?
2024 é o ano dos cinco séculos do nascimento do homem boémio e desbragado. A sua vida tem mistérios por desvendar e a sua escrita vale uma literatura inteira. Nasceu pobre, morreu pobre. Quem foi Camões? Como lemos Camões? Há mais uma biografia para contar as suas histórias (e outras coisas mais).
Camões épico, Camões lírico, Camões do teatro, Camões das cartas em prosa. Homem destemperado, fervia em pouca água, desembainhava a espada por tudo e por nada. Homem de amores, ardia em várias chamas, que se envolvia com mulheres de baixa estirpe. Camões não foi apenas o homem que perdeu um olho em Ceuta. A intemporalidade explica a sua grandeza. Neste 10 de junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, assinalam-se os 500 anos do seu nascimento, as comemorações começam amanhã e estendem-se pelos próximos dois anos. Quem foi Camões? A pergunta mais simples. A pergunta mais poderosa.
Isabel Rio Novo, escritora e professora universitária, doutorada em Literatura Comparada, passou os últimos cinco anos debruçada sobre a vida e obra de Camões para escrever a biografia, um livro com mais de 700 páginas, reprodução do retrato de Camões feito por Fernão Gomes na capa, e o título “Fortuna, Caso, Tempo e Sorte”, quatro elementos retirados de um verso de um soneto do poeta. Quatro elementos que influenciaram os dias do poeta. A avó de Isabel Rio Novo dizia que a migalha também é pão. Foi o que fez. Migalha a migalha numa viagem no tempo, muita pesquisa histórica, paixão e dedicação.
“Queixamo-nos de saber pouco sobre Camões, mas, ao mesmo tempo, parece que queremos que a figura fique presa numa aura de névoa e de mistério, quase como se não quiséssemos que se beliscasse a lenda, que se beliscasse o mito”, observa. Na biografia, aprofunda uma outra teoria do lugar do nascimento, não Lisboa, não Coimbra, dois lugares tantas vezes repetidos. “Uma hipótese que se coloca, pelo menos tão legítima como as outras, é a possibilidade de ter nascido no Porto.” A norte, portanto, o pai era de Chaves. “Camões, que nunca referiu explicitamente a sua naturalidade, tem, no entanto, numa carta em prosa e numa quadra que lhe é atribuída em registos manuscritos da época, duas vezes a afirmação da sua naturalidade como cidadão do Porto.” A argumentação é feita de forma sustentada num dos capítulos da biografia.
É uma figura contraditória. “A maioria das pessoas que se debruçaram sobre a vida de Camões pintaram, quase sempre, ou um Camões ou o outro. Um poeta inspirado, frequentador de salões palacianos, dedicando versos a damas de alta estirpe. Esse foi o Camões de alguns. E outros pintaram, como Aquilino Ribeiro, um Camões completamente diferente, um Camões boémio, desbragado, num ambiente de distúrbio, a raiar a delinquência.” Para Isabel Rio Novo, estas duas vertentes não são incompatíveis. Camões pode ser uma coisa e outra.
Isabel Adelaide Almeida, professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, investigadora, tem-se debruçado sobre a obra de Camões, é camonista. “O poeta foi muito estimado no seu tempo, foi um poeta consolidado”, refere. Um poeta do seu tempo com o que sentia, com o que sofria, com o que via. O Adamastor, o gigante do Cabo das Tormentas, surge nesta conversa para lhe realçar a grandeza, através da forma como aparece em dois tempos, ora como monstro, ora como figura frágil, que se desfaz, que desaparece. “Se olharmos para o Adamastor, ficamos rendidos à inteligência e à finura de um poeta como Camões.”
António Carlos Cortez, professor, poeta, crítico literário, tem dado cursos sobre Camões com leituras de textos, análises de poemas líricos, mergulhando nas palavras, interrogando o sentido do sujeito camoniano. “Não é tanto sobre quem foi Camões, é como ler Camões, Camões da epopeia e da lírica, como analisar a poesia”, adianta. O foco está na linguagem. E em procurar sentido nos enigmas. “Admiramos Camões por aquilo que ele, como poeta, escreveu.” Como ler Camões? Que Camões nos fala? As suas aulas partem destas interrogações, a poesia como proposta de vida, entre “erros meus, má fortuna, amor ardente.” Por ali adentro. “Camões é um grande pensador e um grande poeta da linguagem que mergulha no labirinto do humano”, realça.
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