Daniel BastosTemas de Capa

O dever de memória na imigração em Portugal

 

 

Um dos principais dilemas que a sociedade portuguesa enfrenta no futuro próximo é indubitavelmente o acentuado envelhecimento. O nosso cenário coletivo é impactante: Portugal é dos países mais envelhecidos do mundo.

Dados recentes do Eurostat, ou seja, do Gabinete de Estatísticas da União Europeia, asseveram esta realidade inquietante: Portugal é, entre os 27 da União Europeia, o país que está a envelhecer mais depressa.
O Inverno demográfico que afeta a sociedade portuguesa, e para o qual tem contribuído o impacto da emigração, conjugado com o aumento da esperança média de vida e a diminuição da natalidade, é de tal ordem, que a Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que Portugal seja em 2030 o terceiro país mais velho do mundo.

O envelhecimento, o empobrecimento e o esvaziamento são desafios (des)estruturantes e prementes que têm sido atenuados nos últimos anos pelos imigrantes que têm afluído a Portugal para viver e trabalhar.
Tradicionalmente país de emigração, a Pátria de Camões tem assistido nas últimas décadas, a um incremento de fluxos regulares de imigrantes provenientes do Brasil, da Europa Central e de Leste, da África Lusófona e da Ásia, que têm contribuído de forma positiva para a realidade sociodemográfica nacional.

Como sustentam os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), a população em Portugal tem aumentado nos últimos anos devido à imigração. Atente-se que no final de 2022 residiam no território nacional 10.467.366 pessoas, mais 46.249 do que no ano anterior, resultado de um saldo migratório de 86 889 pessoas, que compensou o saldo natural negativo.

Nas principais nacionalidades estrangeiras residentes no país destaca-se a comunidade brasileira, composta por mais de 200 mil pessoas, números que a elevam a maior comunidade imigrante em Portugal. No seu conjunto, os efeitos da dinâmica imigratória no território nacional, manifesta no número de trabalhadores brasileiros, indianos, nepaleses, cabo-verdianos ou bengalis, como sustenta Ana Sofia Santos Quintino, na tese Efeitos demográficos e económicos das migrações em Portugal: o caso da Segurança Social, são “positivos, contribuindo para atenuar os efeitos do envelhecimento e do declínio populacional. Em relação à evolução futura do subsistema de pensões de velhice conclui-se que os saldos financeiros em percentagem do Valor Acrescentado Bruto da economia são menos negativos quando se considera o contributo das migrações do que na ausência da dinâmica migratória”.

Tendo em conta o impacto positivo do fluxo imigratório na demografia e na economia portuguesa, é nitidamente um contrassenso a ampliação do discurso xenófobo em Portugal. E que ainda recentemente, se materializou num ataque racista no Porto, mormente em agressões a dois imigrantes marroquinos, no início de maio, na zona da Batalha.

A retórica anti-imigrantes do CHEGA, alinhado pelo diapasão da extrema-direita na Europa, uma presença cada vez mais constante no debate político europeu, tem sido um dos principais veículos nacionais de ampliação do discurso racista e xenófobo.

Uma retórica que em vários casos procura estabelecer uma relação entre o aumento da imigração e da insegurança em Portugal, mas que não cola com a realidade. O último Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), relativo a 2022, aponta que a grande maioria (84,7%) da população prisional no país tem nacionalidade portuguesa, enquanto o valor relativo dos reclusos estrangeiros diminuiu 3,8% na última década.
A evidência da realidade é que Portugal necessita da imigração, do papel estrutural dos imigrantes. Na esteira da ativista e feminista Clara Não, grande “parte dos imigrantes em Portugal trabalha na restauração, na construção, limpeza doméstica, atendimento ao cliente, ou em serviços de entregas e reparações. Esta realidade é ainda mais gritante na nossa capital, Lisboa. Se não houvesse imigrantes em Portugal, queria ver como é que a economia era sustentada”.

Isto não invalida, que os responsáveis políticos devam prosseguir uma política que fixe em Portugal as novas gerações e simultaneamente regulem, dignifiquem e promovam a imigração mediante bases de integração, responsabilidade e solidariedade.

Ao contrário dos crescentes discursos e política anti-imigração que campeiam em várias nações, cujos pilares, ironicamente construídos ao longo da sua história pela dinâmica da imigração são agora arremetidos pela tentação cada vez maior de construção de barreiras fronteiriças e ideológicas, a experiência migratória em geral, e a portuguesa, em particular, evidenciam as profícuas oportunidades de desenvolvimento, que a mesma representa para os países de origem e de acolhimento.

E no caso de Portugal, temos ainda um claro dever de memória perante aqueles que procuram o nosso país para encetar um novo projeto de vida. Comungando da visão expressa em 2021 pelo mais alto magistrado da Nação, no âmbito das comemorações oficiais do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas: “Nunca nos esqueçamos disto: Somos uma Pátria de emigrantes e, por isso, estranho será que, além de não fazemos mais pelos nossos emigrantes, não queiramos para os emigrantes dos outros o que queremos para os nossos. (…) Não nos esqueçamos de agradecer aos irmãos de nacionalidade que por esse mundo fora criam portugais e aos irmãos de humanidade que criam Portugal”.

Daniel Bastos/MS

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