Aida Batista

Obrigada, Ana.

 

 

Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.

José Saramago, “Ensaio sobre a cegueira”

 

 

A Macaronésia, que etimologicamente significa “As ilhas da felicidade”, é formada por uma área biogeográfica composta pelos arquipélagos dos Açores, Madeira, Canárias e Cabo Verde.

Ana Roque de Oliveira, Engenheira do Ambiente, visitava os Açores (o arquipélago mais a Norte da Macaronésia) quando recebeu uma proposta de trabalho para a cidade do Mindelo, Cabo Verde (o arquipélago mais a Sul da Macaronésia), que em boa hora aceitou. E digo “em boa hora” porque foi o resultado dessa decisão, e a sua passagem por Cabo Verde, que lhe permitiu ir presenteando um grupo de amigos, entre fevereiro de 2022 e janeiro de 2024, com belíssimas fotos selecionadas e ilustradas por breves textos.

Publicadas no Diário dos Açores, a convite de Osvaldo Lopes, deram agora origem a um livro, cuja distribuição em Portugal é feita pela Alma Letra, que foi lançado no Centro Cultural de Cabo Verde (Lisboa), no passado dia 21 de junho.

A autora, em jeito de sinopse, considera-o um repositório de “dádivas de memórias, risos, esperança”. Como excelente fotógrafa que é, Ana Oliveira escolheu como epígrafe uma frase de Maria Velho da Costa “Há lugares que se apropriam dos olhos, que alertam como que revelados”. Sim, esses lugares existem, mas só um olhar atento como o de Ana Oliveira, que vê o que outros não veem, consegue captar a natureza no seu estado original, a essência dos mais variados espaços rurais e urbanos, a fauna e a flora que os habitam, bem como a alma das pessoas que por eles circulam em quotidianos de sobrevivência.

Além das belíssimas fotografias, somos surpreendidos com as suas “divagações e coisinhas”, expressas em curtas intervenções que, na perfeição, estabelecem um diálogo poético entre as palavras e as imagens. Por muito que se repita que uma imagem vale mais do que mil palavras, a verdade é que a Ana sabe escolher as palavras certas para com elas percorrermos o caminho do seu encontro com o objeto fotografado. Não se trata de legendas, pelo contrário, mas de reflexões profundas sobre o que está para além da imagem. Nesse sentido, apetece também descansar o olhar sobre a literariedade da sua escrita, e descobrir o instante em que imagem e texto se fundem carregados de um elevado sentido estético.

Para exemplificar, poderia destacar vários textos, mas fico-me por este: “Já pensei em fazer-me ao mar, acompanhar os pescadores numa noite de pesca à linha. Apenas para sentir o que está dentro do silêncio destes homens. Parece que os homens trazem dentro de si a paz do mar.”

A Ana não precisou de entrar no mar com os pescadores, porque foi em terra, e a perscrutar horizontes, que ela fez a sua pesca à linha – não só do silêncio de muitas vidas, mas também da alegria dos homens, mulheres e crianças que sorriem ao futuro, mesmo quando os seus quotidianos lhes são adversos. Ao percorrer as duas ilhas, S. Vicente e Stº Antão, descobriu-os por todo o lado: nas cidades e vilas à beira-mar, mas também nas encostas escarpadas – rasgadas por vales profundos -, domesticadas em socalcos alinhados para deles se extrair o pão. Por isso, no meio da aridez dominante, surgem aqui e ali tufos de verdura que denunciam a teimosia de quem não desiste e consegue levar a maior na sua luta titânica contra os determinismos do destino.

A Ana que, tal como eles, também não é uma desistente, teve de fazer várias vezes as mesmas estradas e caminhos por entre nuvens cerradas, na certeza de que estas, mais cedo ou mais tarde, cederiam à sua curiosidade para nos deslumbrar com as imagens que este livro nos oferece.

As gentes de S. Vicente e Stº Antão agradecem. E nós também. Obrigada, Ana.

Aida Batista/MS

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