{"id":75399,"date":"2021-02-26T12:46:30","date_gmt":"2021-02-26T17:46:30","guid":{"rendered":"http:\/\/mileniostadium.com\/?p=75399"},"modified":"2021-02-26T12:46:30","modified_gmt":"2021-02-26T17:46:30","slug":"habitat","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/mileniostadium.com\/opiniao\/aida-batista\/habitat\/","title":{"rendered":"Habitat"},"content":{"rendered":"
\"Habitat-portugal-mileniostadium\"
Cr\u00e9dito: DR<\/figcaption><\/figure>\n

No passado domingo, fazia a minha habitual caminhada quando o telem\u00f3vel tocou. Era uma amiga a dizer-me que, \u00e0s duas da manh\u00e3, me tinha visto na televis\u00e3o. Percebi logo que se tratava de um programa, em que participei h\u00e1 anos, que abordava quest\u00f5es ligadas \u00e0 e\/imigra\u00e7\u00e3o. Informei-a que havia sido feito h\u00e1 bastante tempo, embora n\u00e3o me recordasse da data, e que a RTP1 o exibia de vez em quando. Movida pela curiosidade, fiz a busca e fui rev\u00ea-lo. Faz este ano 10 anos, sem que o tema tenha perdido atualidade.<\/b><\/p>\n

H<\/span>\u00e1 uma d\u00e9cada, recebi uma chamada para ser entrevistada no Porto. Quando l\u00e1 cheguei, pensei que a morada estava errada, j\u00e1 que me deparei com um pr\u00e9dio em constru\u00e7\u00e3o: paredes de tijolo e cimento \u00e0 mostra, pilares de bet\u00e3o, e a escada, que tivemos de subir, sem qualquer prote\u00e7\u00e3o lateral. O local, onde estava instalado todo o equipamento para a grava\u00e7\u00e3o, tinha uma parede decorada com molduras de v\u00e1rios formatos e estilos. Achei interessante e perguntei porqu\u00ea? A jovem que me iria entrevistar explicou-me que, depois de ler um texto meu, se tinha deparado com a import\u00e2ncia que havia dado \u00e0s molduras. Ou seja, o local das entrevistas seria o mesmo para todos os entrevistados, mas o cen\u00e1rio mudaria em fun\u00e7\u00e3o daquilo que havia sido captado da alma de cada um. <\/span><\/p>\n

Nunca mais havia pensado na quest\u00e3o das molduras, mas, desta vez, senti vontade de ir \u00e0 procura delas no texto do meu \u201cPassaporte Inconformado\u201d. Encontrei-a na cr\u00f3nica que dediquei a uma exposi\u00e7\u00e3o de fotografias emToronto, na sess\u00e3o inaugural das cerim\u00f3nias que celebravam os 50 anos da chegada oficial dos portugueses ao Canad\u00e1. Levei uma turma de estudantes – alguns descendentes dos pioneiros – que identificavam lugares, pais, av\u00f3s, familiares e conhecidos.\u00a0 <\/span>Nessa altura, percebi que aqueles rostos tinham ganhado vida e estavam ser transportados para um tempo e um lugar que, apesar da dist\u00e2ncia, moravam na mem\u00f3ria dos que neles se reconheciam.<\/span><\/p>\n

Escrevi, ent\u00e3o: \u201cA moldura n\u00e3o \u00e9 apenas um remate decorativo da reprodu\u00e7\u00e3o de um momento daquerriotipado a preto e branco. Ela fixa um peda\u00e7o de Hist\u00f3ria, estabelece-lhe uma fronteira que avan\u00e7a e recua conforme o tamanho do sonho vivido; d\u00e1 voz aos sil\u00eancios verbalizados em gestos de ternura; demarca as fronteiras da saudade de um tempo em que partida rimava com despedida e deixava uma ferida por sarar. A moldura segura a \u00e1gua do mar do verbo que, ousado, quis ir mais longe e conhec\u00ea-lo por dentro, passando a conjugar-se emigramar.\u201d<\/span><\/p>\n

Tamb\u00e9m n\u00e3o voltara a pensar na simbologia do cen\u00e1rio escolhido e, sem nunca ter voltado a falar com a realizadora, penso que hoje entendo melhor a intencionalidade de ter sido escolhido um pr\u00e9dio inacabado, tanto mais que o document\u00e1rio come\u00e7a com uma cita\u00e7\u00e3o de Pl\u00ednio, o Velho<\/a> \u2013 \u201cLar \u00e9 onde est\u00e1 o cora\u00e7\u00e3o\u201d. Se uma casa \u00e9 feita de paredes em constru\u00e7\u00e3o, o lar \u00e9 o espa\u00e7o onde, \u00e0 semelhan\u00e7a de Pen\u00e9lope, se tecem os la\u00e7os afetivos de quem o habita, trama diariamente urdida com fios de diferentes texturas, consoante os borbotos que escapam \u00e0 dobadoura da roca da vida. Contrariamente ao erguer das paredes, escoradas numa planta onde n\u00e3o faltam os c\u00e1lculos de engenharia que lhe ditam a seguran\u00e7a,\u00a0 <\/span>o lar resulta do trabalho de equilibristas, que, movendo-se num trap\u00e9zio suspenso, sabem dar as m\u00e3os para evitar as quedas desamparadas.<\/span><\/p>\n

O t\u00edtulo \u201cHabitat\u201d foi tamb\u00e9m bem escolhido, se atendermos \u00e0 etimologia da palavra – 3\u00aa pessoa do singular do presente do indicativo do verbo \u201chabitare\u201d -, que nos remete para as condi\u00e7\u00f5es relacionadas com o viver num determinado espa\u00e7o, cabendo a cada um de n\u00f3s fazer dele casa ou lar, segundo o material que usarmos nos acabamentos da sua constru\u00e7\u00e3o.<\/span><\/p>\n

\u2022 Leia as cr\u00f3nicas da Aida Batista, clique aqui.<\/a><\/p>\n

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