{"id":43185,"date":"2019-08-23T11:39:39","date_gmt":"2019-08-23T15:39:39","guid":{"rendered":"http:\/\/mileniostadium.com\/?p=43185"},"modified":"2019-08-23T11:39:39","modified_gmt":"2019-08-23T15:39:39","slug":"saber-olhar-o-ceu","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/mileniostadium.com\/opiniao\/saber-olhar-o-ceu\/","title":{"rendered":"Saber olhar o c\u00e9u"},"content":{"rendered":"
\u201cOs C\u00e9us d\u2019Os Lus\u00edadas\u201d foi o t\u00edtulo de uma confer\u00eancia organizada pela Casa Mem\u00f3ria de Cam\u00f5es, em Const\u00e2ncia, no passado s\u00e1bado (17). Quando recebi o convite, de imediato me senti fascinada ao ler na sinopse que a organiza\u00e7\u00e3o prometia um ser\u00e3o de cultura e ci\u00eancia, \u201cnum cruzamento entre poesia e astronomia\u201d.<\/b><\/span><\/p>\n F<\/span>osse porque n\u00e3o tiv\u00e9ssemos ainda maturidade suficiente, fosse porque o programa institu\u00eddo obrigava a uma exaustiva an\u00e1lise morfol\u00f3gica e sint\u00e1tica em detrimento da beleza liter\u00e1ria, fosse porque tudo quanto nos \u00e9 imposto desencadeia sentimentos de rejei\u00e7\u00e3o, a maioria dos da minha gera\u00e7\u00e3o n\u00e3o guarda boas mem\u00f3rias do primeiro contacto com o nosso poema \u00e9pico. <\/span><\/p>\n Por isso, ao ouvir naquela noite Ana Maria Rom\u00e3ozinho Dias, tive a n\u00edtida sensa\u00e7\u00e3o de que n\u00e3o estava perante o mesmo texto estudado no meu j\u00e1 t\u00e3o distante 5\u00ba ano do Liceu. A divis\u00e3o das ora\u00e7\u00f5es, pese embora a exig\u00eancia do conhecimento que esse saber exigia, n\u00e3o seria agora importante. O que \u00edamos fazer era, atrav\u00e9s de estrofes devidamente escolhidas, olhar para o c\u00e9u de Cam\u00f5es, descrito numa \u00e9poca em que ser capaz de se orientar pelos astros fazia parte de um saber ancestral, plasmado na mitologia, como prova a ajuda da ninfa Calipo ao aconselhar Ulisses a seguir a Ursa Maior para melhor se orientar. Hoje n\u00e3o precisamos de o fazer, porque o GPS nos leva a todo o lado, num registo sincopado e monoc\u00f3rdico em vez do mavioso canto das sereias. <\/span><\/p>\n A travessia desses mares nunca dantes navegados, convidava a olhar o c\u00e9u como se de uma pintura se tratasse: \u00abOlha por outras partes a pintura\/\u00a0 <\/span>Que as Estrelas fulgentes v\u00e3o fazendo: \/Olha a Carreta, atenta a Cinosura,\/ Andr\u00f3meda e seu pai, e o Drago horrendo; \/ V\u00ea de Cassiopeia a fermosura\/ E do Orionte o gesto turbulento; \/ Olha o Cisne morrendo que suspira, \/ A Lebre e os C\u00e3es, a Nau e a doce Lira.\u201d (C. X, est. 88).<\/span><\/p>\n Muitos de n\u00f3s hav\u00edamos esquecido que a Carreta era a Ursa Maior, a Cinosura a Ursa Menor, bem como outras cujos nomes e formas h\u00e1 muito n\u00e3o record\u00e1vamos. Estas eram j\u00e1 conhecidas dos navegadores, mas \u00e0 medida que avan\u00e7avam para Sul, uma nova constela\u00e7\u00e3o se dava a conhecer \u2013 o Cruzeiro do Sul: \u201cJ\u00e1 descoberto t\u00ednhamos diante,\/ L\u00e1 no novo Hemisf\u00e9rio, nova estrela,\/ N\u00e3o vista de outra gente, que ignorante\/ Alguns tempos esteve incerta dela.\/ Vimos a parte menos rutilante,\/ E, por falta de estrelas, menos bela,\/ Do P\u00f3lo fixo, onde ainda se n\u00e3o sabe\/ Que outra terra comece, ou mar acabe.\u201d (C. V, est. 14).\u00a0<\/span><\/p>\n Claro que as est\u00e2ncias aqui citadas nada nos dizem sobre a beleza po\u00e9tica da explica\u00e7\u00e3o, nem sobre os apartes ligados \u00e0 astronomia, cujos cr\u00e9ditos liter\u00e1rios a conferencista n\u00e3o deixou por m\u00e3os alheias. De acordo com as regras cl\u00e1ssicas – seguidas por Virg\u00edlio, na Eneida e Homero, na Il\u00edada – a narrativa da viagem \u00e0 \u00cdndia n\u00e3o segue a ordem cronol\u00f3gica, mas come\u00e7a a meio da hist\u00f3ria – \u201cDiversos c\u00e9us e terras temos visto\u201d (C.I, est. 51) -, t\u00e9cnica liter\u00e1ria designada por \u201cin media res\u201d.\u00a0<\/span><\/p>\n Assim, muito agradou aos presentes, ter-lhes sido lembrado como Cam\u00f5es apenas no canto V aponta a data da partida das naus (8\/7\/1497), sem explicitamente a indicar, mas recorrendo a refer\u00eancias ligadas aos astros. Foi este firmamento, na altura geoc\u00eantrico, feito de s\u00f3is descritos como eterno lume e luas de meio rosto e rosto inteiro, que naquela noite fomos observar atrav\u00e9s de um telesc\u00f3pio colocado no terra\u00e7o do edif\u00edcio. <\/span><\/p>\n No in\u00edcio da apresenta\u00e7\u00e3o, foi-nos dito \u201cO c\u00e9u \u00e9 ainda o mesmo, os nossos olhos \u00e9 que n\u00e3o\u201d. Dotados de outras tecnologias, j\u00e1 n\u00e3o o vemos como os nossos antepassados o viam, embora nos mantenhamos rendidos \u00e0 intemporalidade da sua esfera po\u00e9tica.<\/span><\/p>\n<\/p>\n
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