{"id":35442,"date":"2019-05-02T14:02:10","date_gmt":"2019-05-02T18:02:10","guid":{"rendered":"http:\/\/mileniostadium.com\/?p=35442"},"modified":"2019-05-02T14:02:10","modified_gmt":"2019-05-02T18:02:10","slug":"obra-proibida-de-natalia-correia-foi-publicada","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/mileniostadium.com\/autonomias\/acores\/obra-proibida-de-natalia-correia-foi-publicada\/","title":{"rendered":"“Obra proibida” de Nat\u00e1lia Correia foi publicada"},"content":{"rendered":"
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A \u201cAntologia de Poesia Portuguesa Er\u00f3tica e Sat\u00edrica\u201d, de Nat\u00e1lia Correia, livro apreendido pela PIDE, que levou a autora a tribunal, foi agora republicado pela Ponto de Fuga, pela primeira vez com as ilustra\u00e7\u00f5es originais de Cruzeiro Seixas.<\/p>\n<\/div>\n

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Ao fim de mais de dez anos afastada das livrarias, esta \u201cobra proibida\u201d volta a ser editada, desta vez com as ilustra\u00e7\u00f5es do poeta e pintor do surrealismo portugu\u00eas Cruzeiro de Seixas, tal como constava da edi\u00e7\u00e3o original do livro, que chegou \u00e0s livrarias em dezembro de 1965, pela editora Afrodite, de Fernando Ribeiro de Mello.<\/p>\n

\u201cFinalmente num \u00fanico livro, a poesia maldita dos nossos poetas\u201d, \u201cas cantigas medievais em linguagem atualizada\u201d, \u201cdezenas de in\u00e9ditos\u201d e \u201ca revela\u00e7\u00e3o do erotismo de Fernando Pessoa\u201d, prometia a cinta que acompanhava o volume de 552 p\u00e1ginas.<\/p>\n

O facto \u00e9 que a obra causou esc\u00e2ndalo e foi apreendida pela PIDE, a pol\u00edcia pol\u00edtica da ditadura, com v\u00e1rios intervenientes \u2013 entre os quais os escritores e poetas M\u00e1rio Cesariny, Luiz Pacheco, Jos\u00e9 Carlos Ary dos Santos, Ernesto de Melo e Castro e o editor Fernando Ribeiro de Mello, al\u00e9m da pr\u00f3pria Nat\u00e1lia Correia – julgados e condenados em tribunal plen\u00e1rio, num processo que se arrastou durante anos.<\/p>\n

O julgamento dos escritores, \u201cpor motivo da publica\u00e7\u00e3o de um livro tido por imoral\u201d, ato considerado \u201cabuso de liberdade de imprensa\u201d, como relatava o Di\u00e1rio de Lisboa de 8 de janeiro de 1970, terminou a 21 de mar\u00e7o desse ano com a condena\u00e7\u00e3o da autora e do editor, por “ofensiva do pudor geral, da dec\u00eancia e da moralidade p\u00fablica e dos bons costumes” a uma pena de 90 dias de pris\u00e3o correcional, substitu\u00edveis por igual tempo de multa, a 50 escudos por dia, mais 15 dias de multa \u00e0 mesma taxa.<\/p>\n

As penas foram suspensas por tr\u00eas anos e os livros apreendidos foram declarados perdidos a favor do Estado para serem destru\u00eddos, tendo os restantes arguidos sido condenados a penas de 45 dias de pris\u00e3o, igualmente substitu\u00edveis por multas, exce\u00e7\u00e3o feita a Luiz Pacheco, dispensado de a pagar, devido \u00e0 sua situa\u00e7\u00e3o econ\u00f3mica.<\/p>\n

A pol\u00e9mica \u201cAntologia de Poesia Portuguesa Er\u00f3tica e Sat\u00edrica\u201d nasceu de um desafio lan\u00e7ado por Fernando Ribeiro de Mello a Nat\u00e1lia Correia que, n\u00e3o obstante ter visto sucessivos livros seus serem apreendidos pela censura do Estado Novo, aceitou o convite do irreverente editor da extinta chancela Afrodite, que era tamb\u00e9m seu amigo.<\/p>\n

Este jovem filho de um abastado caus\u00eddico do Porto, que chegou \u00e0 capital portuguesa em 1963 como declamador de poesia e que ficou conhecido como o \u201cDali de Lisboa\u201d, pela figura exc\u00eantrica, de traje impec\u00e1vel e bigode afilado, n\u00e3o demorou a integrar o n\u00facleo duro de ‘habitu\u00e9s’ do sal\u00e3o de Nat\u00e1lia Correia, recorda o editor da Ponto de Fuga, Vladimiro Nunes, no texto introdut\u00f3rio da obra agora editada.<\/p>\n

\u201cCom a anfitri\u00e3 dos m\u00edticos saraus que decorriam no quinto andar da rua Rodrigues Sampaio, 52, o editor da Afrodite partilhava o esp\u00edrito libert\u00e1rio e a irresist\u00edvel tenta\u00e7\u00e3o do risco\u201d, escreve Vladimiro Nunes.<\/p>\n

Quando a Antologia foi publicada, um relat\u00f3rio do Secretariado Nacional de Informa\u00e7\u00e3o (SNI) dava conta de que, \u201capesar do pretensioso pref\u00e1cio da autora da sele\u00e7\u00e3o, eivado de tend\u00eancias sartrianas e das inten\u00e7\u00f5es que da\u00ed derivam, n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel admitir que seja vi\u00e1vel a circula\u00e7\u00e3o deste livro em Portugal, dado o seu car\u00e1ter pornogr\u00e1fico. (\u2026) Nestas condi\u00e7\u00f5es, prop\u00f5e-se a proibi\u00e7\u00e3o rigorosa deste livro\u201d.<\/p>\n

Prevendo esta eventualidade, Ribeiro de Mello \u201cfoi r\u00e1pido no contra-ataque\u201d e, com o consentimento de Nat\u00e1lia Correia, abriu caminho \u00e0 produ\u00e7\u00e3o de uma edi\u00e7\u00e3o \u201cpirata\u201d, sem as ilustra\u00e7\u00f5es de Cruzeiro Seixas, e indicando como origem geogr\u00e1fica o Brasil, o que lhe permitiria escapar ao crivo cens\u00f3rio, como o eram todos os livros importados daquele pa\u00eds.<\/p>\n

Os livros venderam-se todos, tendo sido esta edi\u00e7\u00e3o alternativa a chamar a aten\u00e7\u00e3o do p\u00fablico leitor e a contribuir para a fama da Afrodite, na altura ainda uma incipiente editora, que, antes da edi\u00e7\u00e3o original, antes s\u00f3 tinha publicado um livro, o \u201cKama Sutra\u201d, rapidamente proibido, mas que, durante os anos do processo, n\u00e3o evitou novos esc\u00e2ndalos, com t\u00edtulos como “Filosofia na Alcova”, de Sade, que levou de novo Fernando Ribeiro de Mello a tribunal.<\/p>\n

Esta reedi\u00e7\u00e3o da obra de Nat\u00e1lia Correia pela Ponto de Fuga reproduz a original: al\u00e9m das ilustra\u00e7\u00f5es de Cruzeiro Seixas, e do pref\u00e1cio e notas da autora, por debaixo da sobrecapa \u2013 que apresenta uma foto de uma jovem Nat\u00e1lia Correia \u2013 esconde-se uma r\u00e9plica da capa original, em tudo igual \u00e0 da edi\u00e7\u00e3o da Afrodite, exceto o nome da editora.<\/p>\n

A Ponto de Fuga acrescentou-lhe ainda novos textos introdut\u00f3rios e reprodu\u00e7\u00f5es de documentos que contextualizam este marco hist\u00f3rico na edi\u00e7\u00e3o em Portugal.<\/p>\n

Numa introdu\u00e7\u00e3o intitulada \u201cVersos escarlates, risos amarelos e l\u00e1pis azuis: cr\u00f3nica de um livro proibido\u201d, Vladimiro Nunes conta toda a hist\u00f3ria desta antologia, desde a sua g\u00e9nese, incluindo o processo judicial a que deu origem, apresentando c\u00f3pias das not\u00edcias da imprensa da altura, dos relat\u00f3rios da censura e dos autos da pol\u00edcia.<\/p>\n

Segue-se um outro texto introdut\u00f3rio, da autoria de Francisco Topa, professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, intitulado \u201cFahrenheit 451\u201d \u2013 uma alus\u00e3o ao romance de Ray Bradbury que se passa num futuro onde todos os livros s\u00e3o proibidos -, no qual se debru\u00e7a sobre o processo judicial levantado contra a antologia de Nat\u00e1lia Correia.<\/p>\n

Nat\u00e1lia Correia nasceu nos A\u00e7ores, em S\u00e3o Miguel, a 13 de setembro de 1923 e morreu em Lisboa, a 16 de mar\u00e7o de 1993.<\/p>\n

Poetisa, ficcionista, contista, dramaturga, ensa\u00edsta, editora, jornalista, cooperativista, deputada \u00e0 Assembleia da Rep\u00fablica (primeiro pelo PSD, depois como independente, pelo PRD), foi uma das vozes mais proeminentes da literatura e da cultura portuguesas na segunda metade do s\u00e9culo XX, tendo resistido energicamente ao Estado Novo e aos radicalismos do p\u00f3s-25 de Abril.<\/p>\n

\u201cEcum\u00e9nica e ecl\u00e9tica, filantropa e idealista, anteviu um novo tempo, que garantisse a paz, a dignidade humana, a justi\u00e7a social e o direito \u00e0 diferen\u00e7a como ra\u00edzes indel\u00e9veis da democracia\u201d, descreve a editora.<\/p>\n<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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