{"id":111649,"date":"2024-02-02T12:00:41","date_gmt":"2024-02-02T17:00:41","guid":{"rendered":"https:\/\/mileniostadium.com\/?p=111649"},"modified":"2024-02-02T12:00:41","modified_gmt":"2024-02-02T17:00:41","slug":"habito-me-no-meio-das-palavras-joao-damasceno-in-corpo-cru","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/mileniostadium.com\/opiniao\/aida-batista\/habito-me-no-meio-das-palavras-joao-damasceno-in-corpo-cru\/","title":{"rendered":"“Habito-me no meio das palavras.” – Jo\u00e3o Damasceno, in Corpo Cru"},"content":{"rendered":"

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H\u00e1 atividades sazonais, h\u00e1 empregos sazonais, h\u00e1 viagens sazonais e, em fevereiro, h\u00e1 uma migra\u00e7\u00e3o sazonal, antecedida de trocas de conversas, mensagens e e-mails. E esta sazonalidade fica a dever-se ao evento que se realiza na P\u00f3voa do Varzim \u2013 As Correntes d\u2019Escritas.<\/strong><\/p>\n

Aqueles que as frequentam, com a regularidade de quem vai a uma romaria, come\u00e7am a contatar uns com os outros, para saber quem vai, e ficar a conhecer as raz\u00f5es dos que n\u00e3o podem ir, quase sempre a contragosto. Combina-se a escolha dos hot\u00e9is, resultante da cumplicidade que, durante anos, se foi tecendo entre grupos.
\nA agenda de cada um fica pendente da contagem dos dias, e, qualquer compromisso, que possa vir a calhar naquelas datas, \u00e9 de imediato cancelado. Os frequentadores habituais bloqueiam aquela semana e n\u00e3o permitem que nada lhes retire o prazer de viajar at\u00e9 ao evento liter\u00e1rio mais importante do pa\u00eds. H\u00e1 quem se dirija para uma est\u00e2ncia na neve, h\u00e1 quem queira congelar o frio do calend\u00e1rio e parta uma semana para as Cara\u00edbas e, depois, h\u00e1 os que marcam f\u00e9rias balneares para o mar da P\u00f3voa, a fim de ouvirem e acatarem as vozes dos banheiros convidados, portadores de t\u00e9cnicas diferentes na forma como nos fazem mergulhar nas palavras, dependendo do mote da onda que lhes \u00e9 dada. Alguns, quando o recebem, sentem que lhes calhou um mar ch\u00e3o, sem grande dificuldade de navegar; outros, por\u00e9m, apanham com ventos procelosos que lhes exigem um exerc\u00edcio de equil\u00edbrio bem mais dif\u00edcil de manter.<\/p>\n

Este ano, as Correntes da P\u00f3voa ganham uma notoriedade especial porque celebram 25 anos consecutivos de realiza\u00e7\u00e3o. Fica-lhes associado um marco altamente simb\u00f3lico, porque, no ano em que se celebra meio s\u00e9culo de liberdade, as Correntes atingem um quarto de s\u00e9culo de maturidade. E se a Revolu\u00e7\u00e3o nos devolveu a livre express\u00e3o do pensamento, a maturidade das Correntes permitiu-lhes crescer em qualidade e quantidade (tanto do lado dos participantes como dos espetadores), ao ponto de extravasarem os espa\u00e7os onde at\u00e9 hoje decorreram. E se as Correntes est\u00e3o em festa, o mesmo se passa com a casa onde nasceram \u2013P\u00f3voa de Varzim \u2013 que este ano celebra igualmente o 25\u00ba anivers\u00e1rio de eleva\u00e7\u00e3o a cidade.<\/p>\n

Em ano de celebra\u00e7\u00f5es vale a pena recordar o quanto mudou durante estas duas d\u00e9cadas e meia.
\nNos primeiros anos, alguns dos autores convidados, em especial aqueles que provinham de pa\u00edses com mais dificuldades de acesso \u00e0s tecnologias, liam textos escritos \u00e0 m\u00e3o. Hoje h\u00e1 ainda quem o fa\u00e7a, mas por raz\u00f5es bem diferentes. As Correntes n\u00e3o s\u00e3o feitas apenas de mesas redondas, lan\u00e7amentos de livros, sess\u00f5es de m\u00fasica, de cinema e exposi\u00e7\u00f5es, mas tamb\u00e9m de noitadas de copos e divertido conv\u00edvio. \u00c9 natural, por isso, que alguns dos intervenientes, n\u00e3o tendo tido tempo de preparar a sua interven\u00e7\u00e3o (confessam-no com naturalidade), rabisquem alguns dados numa folha de papel para depois os desenvolverem na hora da comunica\u00e7\u00e3o. Tal solu\u00e7\u00e3o em nada diminui o conte\u00fado do exposto, pois, vezes h\u00e1 em que o improviso criativo suplanta um texto previamente elaborado.<\/p>\n

Lembro estes registos manuscritos, porque no passado dia 23 de janeiro se celebrou o Dia da Escrita \u00e0 m\u00e3o. Estou certa de que, pesem embora todos os novos suportes digitais, h\u00e1 ainda gente da velha guarda que continua a elaborar os seus textos \u00e0 m\u00e3o, como se a inspira\u00e7\u00e3o conhecesse apenas o circuito que vai diretamente da mente para a caneta. Paulina Chiziane, por exemplo, dizia que precisava da m\u00e3o para ativar o pensamento. \u201cPara pensar preciso de ter a m\u00e3o. Se a minha m\u00e3o n\u00e3o mexe numa caneta, a ideia vem, mas n\u00e3o \u00e9 aquela que eu quero\u201d.<\/p>\n

Eu, que ainda funciono como a Paulina, a ideia \u201cque vem e quero\u201d \u00e9 a de, mais uma vez, participar nas bodas destes habitantes das palavras que mant\u00eam a fidelidade do juramento proferido.<\/p>\n

Aida Batista<\/a>\/MS<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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