![\"PCWOF-AnjoDaGuarda-02](\"https:\/\/mileniostadium.com\/wp-content\/uploads\/2023\/05\/PCWOF-AnjoDaGuarda-02-1.jpg\")
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Mandai-me os sem abrigo, os arremessados pelas tempestades, Pois eu ergo o meu farol junto ao portal dourado. Emma Lazarus, poema gravado no pedestal da Est\u00e1tua da Liberdade<\/cite><\/p><\/blockquote>\n
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O ser humano \u00e9, por natureza, um ser espiritual, sem que o adjetivo \u201cespiritual\u201d esteja envolto em qualquer conota\u00e7\u00e3o religiosa, mas apenas na tomada de consci\u00eancia de n\u00f3s todos, enquanto sopro, esp\u00edrito ou alma. Ter consci\u00eancia da alma mais n\u00e3o \u00e9 do que um estado de conhecimento profundo da nossa ess\u00eancia e do mundo que nos rodeia, apesar de todas as suas diferen\u00e7as. Como seres espirituais que somos, ao observarmos o universo, h\u00e1 em n\u00f3s a cren\u00e7a numa for\u00e7a superior para a qual apelamos sempre que sentimos necessidade de prote\u00e7\u00e3o para as decis\u00f5es que diariamente tomamos. Essa prote\u00e7\u00e3o ganha corpo f\u00edsico em todas as culturas, independentemente da religi\u00e3o que professem, sejam elas pag\u00e3s, monote\u00edstas ou animistas.<\/strong><\/p>\n
Quem vive em terras do Canad\u00e1 sabe que a cultura dos povos nativos, que sempre as habitaram, invoca os esp\u00edritos protetores erguendo-lhes totens. A palavra \u201ctotem\u201d, derivada de \u201codoodem\u201d, significa marca de fam\u00edlia, na linguagem ind\u00edgena Ojibwe dos \u00edndios da Am\u00e9rica do Norte. Tomando a forma de uma coluna esguia, que tanto pode representar animais, como plantas ou outro objeto qualquer, s\u00e3o considerados objetos de venera\u00e7\u00e3o e de culto entre o seu povo, por estes os considerarem seus ancestrais e protetores.<\/p>\n
No caso do Cristianismo, na sua vertente cat\u00f3lica apost\u00f3lica romana, temos, como inst\u00e2ncia protetora, a figura do Anjo da Guarda a quem, desde a inf\u00e2ncia, rezamos a ora\u00e7\u00e3o: \u201cAnjo da Guarda\/ minha companhia\/ guardai a minha alma\/ de noite e de dia.\u201d<\/p>\n
Podemos dizer que, desde o ber\u00e7o, aceitamos a presen\u00e7a deste anjo como forma de nos sentirmos acompanhados, sabendo que ele nos protege com uma luminosidade especial, ao dar-nos a tranquilidade de nunca nos sentirmos s\u00f3s. H\u00e1 mesmo quem chegue a dialogar com ele, como se fosse uma voz da consci\u00eancia que ajuda a tomar decis\u00f5es.<\/p>\n
Vem todo este introito a prop\u00f3sito da escultura sonhada e encomendada pelo comendador Manuel DaCosta, que foi inaugurada na Pra\u00e7a Lu\u00eds de Cam\u00f5es, no passado dia 13, para celebrar os 70 anos da chegada oficial dos Portugueses ao Canad\u00e1. Esculpida em m\u00e1rmore de Estremoz, \u00e9 composta por sete pe\u00e7as, cada uma delas representativa de uma d\u00e9cada da emigra\u00e7\u00e3o. Trata-se de uma escultura imponente que, ao ser descerrada, nos transporta para o universo dos totens.<\/p>\n
\u00c9 uma figura muito alta, esguia, de anjo protetor, com as asas fechadas sobre o peito, como se, dentro delas, vivesse aconchegada toda uma comunidade que foi acolhida durante o seu percurso.<\/p>\n
N\u00e3o sei se o multifacetado escultor Paulo Neves, ao dar-lhe este formato final, se inspirou na carga simb\u00f3lica dos totens. Se n\u00e3o foi essa a inten\u00e7\u00e3o do artista, foi a leitura imediata que fiz quando para ela ergui o meu olhar, dando ao Anjo este cariz multicultural, que resulta da fus\u00e3o das duas culturas \u2013 a do pa\u00eds de acolhimento (decalcada nas cren\u00e7as dos povos abor\u00edgenes) e a da religiosidade trazida na bagagem de todos os que sonharam percorrer novas estradas, fazendo delas suas.<\/p>\n
H\u00e1 setenta anos, foi o homem do leme quem, habilmente e por \u00e1guas de esperan\u00e7a, manobrou o Sat\u00farnia para trazer a primeira carga humana a bom porto. Setenta anos depois, foi o homem da grua quem manobrou o Anjo da Guarda para, com a mesma destreza, o colocar a proteger a comunidade portuguesa e lusodescendente que, com toda a pujan\u00e7a, se multiplicou pelos variados portos de abrigo de que o Canad\u00e1 \u00e9 feito.<\/p>\n
Do alto do seu pedestal, e \u00e0 semelhan\u00e7a da Est\u00e1tua da Liberdade, ele ser\u00e1 o farol protetor de todos os \u201carremessados pelas tempestades\u201d a quem se abriram os port\u00f5es dourados do destino.<\/p>\n