{"id":105569,"date":"2023-04-21T11:59:42","date_gmt":"2023-04-21T15:59:42","guid":{"rendered":"https:\/\/mileniostadium.com\/?p=105569"},"modified":"2023-04-21T11:59:42","modified_gmt":"2023-04-21T15:59:42","slug":"a-liberdade-finalmente","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/mileniostadium.com\/temas-de-capa\/a-liberdade-finalmente\/","title":{"rendered":"A liberdade, finalmente!"},"content":{"rendered":"

\"25<\/a><\/p>\n

 <\/p>\n

A not\u00edcia chegou a Toronto no dia 26 \u2013 o regime marcelista tinha sido derrubado pelo Movimento das For\u00e7as Armadas. A interven\u00e7\u00e3o militar trazia a Portugal os ventos de mudan\u00e7a h\u00e1 muito desejados. O pa\u00eds saiu \u00e0 rua extravasando a conquista da liberdade t\u00e3o desejada h\u00e1 49 anos. Somos livres era o grito que mais se ouvia, por todo o lado. E o grito ecoou deste lado do Atl\u00e2ntico. Finalmente!<\/strong><\/p>\n

Porque n\u00e3o queria fazer parte de uma guerra colonial iniciada em 1961, sob as ordens do ditador Ant\u00f3nio de Oliveira Salazar, que considerava injusta e inaceit\u00e1vel, Jos\u00e9 Carlos Sousa saiu cedo de Portugal. Depois de anos na Europa chegou ao Canad\u00e1 onde ficou at\u00e9 hoje. Foi \u00e0 conversa com ele que melhor entendemos o significado e impacto do 25 de Abril na vida de quem, fora do seu pa\u00eds natal, vivia as ang\u00fastias dos conterr\u00e2neos oprimidos, sem liberdade.<\/p>\n

A liberdade que, naquela madrugada de abril, embriagou de felicidade todos os que lutaram por uma mudan\u00e7a de regime e pela instaura\u00e7\u00e3o da democracia. A liberdade de que hoje todos usufruem em Portugal e t\u00e3o poucos sabem dar o devido valor.<\/p>\n

\"Jos\u00e9<\/a>Mil\u00e9nio Stadium: Como \u00e9 que soube que o que \u00e9 que estava a acontecer em Portugal no dia 25 de Abril de 1974 e que consci\u00eancia pol\u00edtica \u00e9 que tinha nessa altura para ter no\u00e7\u00e3o da import\u00e2ncia do que estava a acontecer? <\/strong>
\nJos\u00e9 Carlos Sousa:<\/strong> Nessa altura, eu trabalhava no Consulado Geral de Portugal em Toronto e a not\u00edcia veio de madrugada. Foi um marco hist\u00f3rico na vida portuguesa. Com o 25 de Abril veio a liberdade e a democracia. E naquele primeiro dia foi uma emo\u00e7\u00e3o grande, porque aqui fora, como imigrantes, sent\u00edamos que se tratava de uma mudan\u00e7a grande no nosso pa\u00eds. Uma mudan\u00e7a que era exigida e esperada e que confirmou todas as nossas ambi\u00e7\u00f5es de liberdade – o fim da censura e a igualdade de g\u00e9nero. Alguns temas que me interessavam foram atingidos com esse dia.<\/p>\n

MS: E tamb\u00e9m o fim da guerra colonial…<\/strong>
\nJCS:<\/strong> Sim. Eu n\u00e3o estava de acordo com a guerra no Ultramar. E sa\u00ed de Portugal muito cedo, aos 15 anos. Viajei pela Europa. Depois consegui uma bolsa de estudo na Alemanha, onde tirei um curso, uma aprendizagem na Siemens Aktiengesellschaft. E depois de terminar esse estudo, voltei a Portugal para cumprir o contrato e da\u00ed regressei \u00e0 Alemanha e voltei. Depois vim para o Canad\u00e1.<\/p>\n

MS: Como se deu a sua \u201caproxima\u00e7\u00e3o\u201d \u00e0 pol\u00edtica?<\/strong>
\nJCS:<\/strong> Ningu\u00e9m me ensinou pol\u00edtica. Eu tive experi\u00eancia pr\u00f3pria porque quando fui para a escola, para a primeira classe, quando entrei no primeiro dia, fiquei surpreendido porque o meu professor, chamado Carlos de Lineu Miranda, era alto, elegante e de Cabo Verde. Isto na Nazar\u00e9… pode imaginar, nessa altura, o impacto que tinha. E por sorte, ele frequentava a casa do meu pai, que tamb\u00e9m era frequentada nessa altura por muitos portugueses da oposi\u00e7\u00e3o, incluindo M\u00e1rio Soares e outros l\u00edderes de Leiria. Portanto, foi uma aprendizagem. Quanto \u00e0 escola tive sempre o mesmo professor na segunda, terceira e quarta classe e ele tinha qualidades de lideran\u00e7a extraordin\u00e1rias. Criou em mim um impacto muito grande. Quer dizer, aprendi a ler com ele. Mais tarde quando me apercebi da ret\u00f3rica contra os movimentos de liberta\u00e7\u00e3o, muito ofensiva, muito negativa em rela\u00e7\u00e3o aos locais que eram todos considerados como b\u00e1rbaros, a mim, custou-me entender. Porque a pessoa que me ensinou a ler, a pessoa que me orientou em termos de educa\u00e7\u00e3o para assuntos interessantes, pela maneira de ensinar dele… essa pessoa era bastante evolu\u00edda e a mim custava-me a acreditar. E n\u00e3o, n\u00e3o ia aceitar. N\u00e3o consegui aceitar. Foi uma experi\u00eancia de vida.<\/p>\n

MS: Mas, portanto, ainda muito novo j\u00e1 tinha consci\u00eancia da aus\u00eancia de liberdade em Portugal. Plena consci\u00eancia disso?<\/strong>
\nJCS:<\/strong> Sim, plena consci\u00eancia disso, eu tinha. Eu tinha sorte, porque tinha a possibilidade de ter um pai muito avan\u00e7ado que tinha uns 500, 600, talvez 2000 livros, nessa altura. Mais livros do que na biblioteca da Nazar\u00e9. Ent\u00e3o eu tinha acesso a muitos livros \u2013 Dostoi\u00e9vski; todos os autores brasileiros que estavam no Index. etc. Portanto, isso foi desde bastante cedo uma abertura ao que se passava e sobretudo a pr\u00f3pria Nazar\u00e9 e a popula\u00e7\u00e3o e os pescadores serviram de base tamb\u00e9m para a minha evolu\u00e7\u00e3o, para a minha educa\u00e7\u00e3o, sobretudo no que diz respeito \u00e0s mulheres.<\/p>\n

MS: Deduzo que tenha percebido tamb\u00e9m muito cedo que tinha que sair do pa\u00eds para n\u00e3o ir para uma guerra que n\u00e3o compreendia.<\/strong>
\nJCS:<\/strong> Sim. E assim foi. O meu pai deu-me uns 50 escudos e disse \u201cOlha! Vai, mas com uma condi\u00e7\u00e3o – escreves-me um postal ou uma carta, diariamente\u201d. Anos depois, quando voltei a Portugal, o meu pai mandou-me chamar ao escrit\u00f3rio dele e disse \u201ctenho aqui uma coisa para te mostrar\u201d. Tinha todas as minhas cartas guardadas num dossier.<\/p>\n

MS: Logo no in\u00edcio da nossa conversa disse que a quest\u00e3o da igualdade de g\u00e9nero era um tema que o interessava. Posso saber porqu\u00ea?<\/strong>
\nJCS:<\/strong> As mulheres da minha fam\u00edlia, incluindo a minha av\u00f3, tiveram uma grande influ\u00eancia. E na Nazar\u00e9, como a Madalena sabe, durante muitos meses os homens \u201cfugiam\u201d, iam para a pesca do bacalhau seis meses, oito meses. E ent\u00e3o eram as mulheres que tomavam conta de tudo. A administra\u00e7\u00e3o da fam\u00edlia estava, portanto, nas m\u00e3os das mulheres que administravam e tomavam conta de todas as decis\u00f5es.
\nEnt\u00e3o eu estava bastante impressionado com o que via tamb\u00e9m em minha casa e admirava, por exemplo, como \u00e9 que a minha av\u00f3 Maria Rocha sabia tanto sobre Gandhi nessa altura. Ela falava muito de Gandhi. A minha av\u00f3 que n\u00e3o sabia ler nem escrever, mas conhecia a pol\u00edtica de Gandhi. Ela contava-me tudo. Anos mais tarde, tive a oportunidade de ir a uma confer\u00eancia aqui em Waterloo, onde falava o neto de Gandhi. E eu levei o meu neto comigo.
\nVoltando \u00e0 mulher, s\u00f3 queria terminar este pensamento: sempre fiquei com aquela impress\u00e3o de que a igualdade de g\u00e9nero era favor\u00e1vel ali na minha terra. Mas quando fui para outras cidades vi que era uma discrep\u00e2ncia, uma diferen\u00e7a terr\u00edvel. E ent\u00e3o, quando foi o 25 de Abril, preocupei-me muito com esta quest\u00e3o. Ao ler a Constitui\u00e7\u00e3o, fiquei bastante contente por ver que os aspetos relacionados com este tema, estavam espelhados nos artigos 9; 36 109. O nove \u00e9 aquele que promove a igualdade entre homens e mulheres. O 36 refere-se \u00e0 fam\u00edlia, casamento, filia\u00e7\u00e3o. Estabelece que os c\u00f4njuges, ou seja, marido e mulher, s\u00e3o iguais, t\u00eam os mesmos direitos. E depois o 109 que defende a participa\u00e7\u00e3o das mulheres na vida pol\u00edtica. Eu pensei ent\u00e3o na minha av\u00f3. Antes do 25 de Abril, portanto, durante a ditadura, amorda\u00e7aram os direitos e as liberdades da popula\u00e7\u00e3o portuguesa e particularmente reprimiram as organiza\u00e7\u00f5es pol\u00edticas, incluindo, uma organiza\u00e7\u00e3o de mulheres que era o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, que nasceu em 1914. O 25 de Abril trouxe uma grande proje\u00e7\u00e3o \u00e0 mulher portuguesa. Se olharmos agora para o Governo, temos mulheres em posi\u00e7\u00f5es de chefia.<\/p>\n

MS: Voltando \u00e0 nossa conversa sobre o 25 de Abril em Toronto, como \u00e9 que foi viver esse per\u00edodo aqui?<\/strong>
\nJCS:<\/strong> Aqui no Canad\u00e1, como a Madalena sabe, havia um movimento democr\u00e1tico em Montreal. E depois aqui em Toronto tamb\u00e9m havia muita oposi\u00e7\u00e3o ao regime. Quem quiser saber mais tem muita informa\u00e7\u00e3o j\u00e1 digitalizada – muitos artigos, muitos documentos, cartas de Humberto Delgado, Henrique Galv\u00e3o e outros. Mas tamb\u00e9m tem muitos, muitos jornais portugueses, cole\u00e7\u00e3o completa de jornais luso-canadianos, muitos documentos acerca da luta das empregadas da limpeza. Tudo isto muito gra\u00e7as a uma organiza\u00e7\u00e3o portuguesa chamada Portuguese Canadian History Project, pode ser consultado no Clara Thomas Archives&Special Collections, York University Libraries.<\/p>\n

MS: N\u00f3s estamos, neste momento, prestes a celebrar 49 anos da Revolu\u00e7\u00e3o de Abril e ao mesmo tempo estamos a celebrar 70 anos de imigra\u00e7\u00e3o oficial portuguesa no Canad\u00e1. De que modo \u00e9 que acha que estas duas efem\u00e9rides, se podem interligar? <\/strong>
\nJCS:<\/strong> Primeiro, quero dizer que o meu tio Ant\u00f3nio Sousa veio no Saturnia. Muitos dos imigrantes vieram por motivos pol\u00edticos. Muitos outros vieram por causa da pobreza, \u00e0 procura de um mundo melhor. Outros para fugir da guerra colonial. Essas s\u00e3o talvez as tr\u00eas motiva\u00e7\u00f5es essenciais.<\/p>\n

MS: E os movimentos de den\u00fancia do que se vivia em Portugal que aconteciam um pouco por todo o mundo e tamb\u00e9m aqui em Toronto: manifesta\u00e7\u00f5es a denunciar a falta de liberdade, o regime ditatorial, essas coisas todas. Que impacto \u00e9 que acha que a di\u00e1spora portuguesa acabou por ter na queda do regime do Estado Novo? Este alerta dos portugueses espalhados pelo mundo contribuiu para a deteriora\u00e7\u00e3o do regime? <\/strong>
\nJCS:<\/strong> Eu penso que sim. Porque embora n\u00e3o fossem manifesta\u00e7\u00f5es de grande volume eram manifesta\u00e7\u00f5es que teriam o apoio de algumas organiza\u00e7\u00f5es locais e que denunciavam a falta de liberdade em Portugal. O 25 de Abril trouxe \u00e0 comunidade uma abertura muito grande em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 sociedade canadiana, depois de perceberem que n\u00f3s conseguimos uma revolu\u00e7\u00e3o sem guerra. Muito apoio de entidades canadianas, dos canadianos e isso verificava-se nos encontros, nos caf\u00e9s, nas reuni\u00f5es onde eu ia. Nessa altura, lembro-me que as pessoas ficavam muito admiradas e bastante contentes por isso ter acontecido. E a n\u00f3s dava-nos um certo orgulho. Aqui em Toronto lembro-me de uma a\u00e7\u00e3o, uma das primeiras organiza\u00e7\u00f5es que fez uma festa de apoio ao 25 de Abril foi o Amor da P\u00e1tria Social Club e convidou todos os \u00f3rg\u00e3os de comunica\u00e7\u00e3o social, os clubes, associa\u00e7\u00f5es, o consulado e representantes de diversas organiza\u00e7\u00f5es. E o que aconteceu nessa altura \u00e9 que alguns diretores n\u00e3o aceitaram muito bem. O senhor Manuel Martins, que era o presidente da associa\u00e7\u00e3o, conta numa das revistas da Associa\u00e7\u00e3o Cultural 25 de Abril de Toronto (celebra\u00e7\u00e3o dos 31 anos do 25 de Abril), que ele encomendou para a festa cravos vermelhos e quando os cravos chegaram, vinham pintados de azul.<\/p>\n

MS: Se eu lhe pedisse para me dizer quais s\u00e3o, na sua opini\u00e3o, as diferen\u00e7as entre o conceito de liberdade, aquela liberdade que se exaltava nas ruas de Portugal em 1974, depois da revolu\u00e7\u00e3o e o conceito de liberdade que temos hoje… Que diferen\u00e7as \u00e9 que identifica?<\/strong>
\nJCS:<\/strong> A meu ver, temos que partir do princ\u00edpio de que a democracia demora tempo a evoluir. N\u00e3o \u00e9 uma coisa que se atinja com um estalar de dedos. Temos que aceitar que n\u00e3o \u00e9 perfeita. Que est\u00e1 sempre em evolu\u00e7\u00e3o. Assim como n\u00f3s, seres humanos, estamos em evolu\u00e7\u00e3o constante. A sociedade tem tend\u00eancias geopol\u00edticas, as crises econ\u00f3micas, todos esses fatores que influenciam e podem desestabilizar. Portanto, acho que vamos a caminho da maturidade. H\u00e1 muitas falhas e muitas vit\u00f3rias, mas no conjunto, se n\u00f3s tivermos uma balan\u00e7a e colocarmos os pr\u00f3s e os contras, os pr\u00f3s pesam 80% mais.<\/p>\n

Madalena Bal\u00e7a\/MS<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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