Viver a mentir
É seguro dizer que todos nós, pelo menos uma vez na vida, mentimos. E as razões para o fazermos são várias e vão das mais inocentes até às mais traiçoeiras ou menos éticas. Basta, por exemplo, pensarmos no dia 1 de abril, em que por todo o mundo existe o costume de se pregar uma partida, que engloba sempre uma mentira. Ou até elogiar, de forma menos sincera, alguém só para a animar, jurar que “é este ano” que vamos começar a dieta ou dizer que não nos tínhamos esquecido do aniversário de alguém, “apenas estávamos a preparar uma surpresa”.
No entanto, mentir pode realmente tornar-se numa doença – e as consequências não afetam apenas quem dela sofre.
Quando a mentira deixa de ser contada de forma inocente ou por brincadeira, perdendo a graça e tornando-se num verdadeiro vício e até numa forma de estar no dia a dia de alguém, estamos perante uma pessoa que sofre de mitomania.
Neste quadro clínico inserem-se os casos das pessoas que mentem compulsivamente, o que afeta o julgamento racional e prejudica os relacionamentos familiares e sociais.
O QUE É
Também conhecida como pseudologia fantástica ou mentira patológica, a mitomania pressupõe um transtorno ou perturbação psicológica.
Ao contrário de quem mente esporadicamente – e que o pode fazer, por exemplo, para conseguir retirar algum tipo de benefício de uma situação ou para se livrar de algum problema – quem sofre desta patologia
mente como forma de desenhar ou camuflar a sua própria realidade. Assim, o ato de mentir, simular, distorcer ou omitir torna-se numa forma da pessoa se conseguir sentir confortável consigo próprio e com a sua vida, tornar-se mais interessante aos olhos da sociedade ou para se conseguir inserir num determinado grupo social, por exemplo.
COMO IDENTIFICAR
O grande sinal de alarme, na maioria dos casos, será a frequência com que a pessoa é apanhada a distorcer ou alterar completamente determinada realidade. Quando a mentira se torna excessiva e se assume como um hábito patológico, podemos estar perante um sintoma de várias doenças mentais.
Para além disso existem outras características que podem ser observadas, tais como:
- O mitómano é incapaz de sentir culpa ou medo em relação à possibilidade da sua mentira ser descoberta;
- Por norma, as histórias contadas por estas pessoas são exageradas, sendo ora muito felizes ou muito tristes;
- Nesse sentido, a pessoa coloca-se no lugar ou de herói ou de vítima;
- Elaboram muito as respostas a perguntas rápidas;
- Muito preciso/as nas descrições;
- São apanhados/as a contar diferentes versões da mesma história.
PORQUÊ?
Apesar de ainda não existirem conclusões concretas acerca do que poderá estar por trás da mitomania, alguns estudos sugerem que o transtorno pode estar relacionado com antecedentes traumáticos ou até epilepsia.
Além disso, acredita-se também que a desesperada necessidade de atenção ou de reconhecimento social possa levar alguém a mentir compulsivamente. “Sabe-se que as principais causas da mentira patológica são decorrentes de traços da personalidade, problemas nas relações familiares e experiências stressantes ou traumáticas”, afirma a psicóloga Júlia Machado.
TRATAMENTO
Tendo em conta que “viver a mentir” pode trazer grandes e graves problemas para quem sofre de mitomania – que incluem a exclusão social e até problemas de ordem legal – é de extrema importância fazer-se o diagnóstico e, de seguida, iniciar o tratamento. Sim, a mitomania tem cura!
O processo de reabilitação, por assim dizer, engloba várias áreas de intervenção que vão desde o psicólogo até ao psicoterapeuta, com o objetivo de fazer com que a pessoa entenda que tem um problema, como é que isso a afeta e a importância da mudança de comportamento e hábitos. Pode ainda ser necessário 9 acompanhamento psiquiátrico e uso de psicofármacos em casos em que seja também diagnosticada depressão e/ou ansiedade.
Mas existe uma outra componente do tratamento que se assume crucial: o apoio da família e amigos. São eles que, no final do dia, vão dar a quem sofre da doença a confiança e determinação para mudar e recuperar.
Inês Barbosa/MS
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