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Síndrome do bebé abanado: um drama que mata todos os anos

sindrome do beb abanado - milenio stadium

 

São quase sempre tentativas desesperadas de fazer os bebés parar de chorar, um impulso que pode ser fatal, segundos que mudam a vida para sempre. E sensibilizar é fundamental.

“Se soubesse dos riscos nunca o teria feito e tudo seria diferente.” O lamento, partilhado pelo alpinista suíço Erhard Loretan numa entrevista a um jornal helvético, tem já 20 anos, mas continua a amargurar. Loretan, entretanto falecido (numa queda), referia-se ao momento em que, um dia antes da véspera de Natal de 2001, abanou violentamente o filho de sete meses, numa tentativa desesperada de o fazer parar de chorar. Pouco depois deitou-o na cama e o choro cessou. Subitamente. Mas o silêncio teve pouco de tranquilizador. Algo não estava bem. O bebé ainda foi transportado de helicóptero para um hospital pediátrico de Berna, mas de nada serviu. O alpinista acabou mesmo condenado a quatro meses de prisão (pena suspensa) por homicídio por negligência. “Sou responsável pela morte dele e tenho de aceitar as consequências disso”, diria mais tarde, lamentando não ter tido, no devido tempo, a perceção de que aquele comportamento poderia ser fatal. Para sensibilizar outros pais, decidiu tornar pública a sua história.

Duas décadas depois, a ignorância em relação a este problema – entretanto nomeado síndrome do bebé abanado – continua a imperar. “Existe certamente um grande desconhecimento no que toca a esta questão”, reconhece Ruben Rocha, diretor do serviço de urgência pediátrica do Centro Hospitalar de São João, no Porto. Francisco Abecasis, intensivista pediátrico no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, concorda. “A maior parte das pessoas não sabe sequer que isto é possível”, alerta. O que poderá ajudar a explicar que estes episódios continuem a suceder-se. Só no último mês, deram entrada no São João dois casos suspeitos, envolvendo um bebé de quatro meses e outro de seis.

Em Portugal, faltam estudos aprofundados sobre o problema. Mas Francisco Abecasis refere uma tese apresentada recentemente por uma aluna de mestrado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, tendo por base a unidade de cuidados intensivos pediátricos do Hospital de Santa Maria. Entre 2010 e 2022, foram confirmados naquela instituição 21 casos (14 rapazes e sete raparigas), uma média de dois por ano. Só naquele hospital, saliente-se. A nível internacional, “a literatura diz que se registam “entre 15 e 30 casos por cada 100 mil lactentes”, sublinha Ruben Rocha. Sendo certo que os números pecam por defeito. “É uma situação muito difícil de diagnosticar. Haverá com certeza um subdiagnóstico e uma subvalorização de alguns eventos.”

Movimento de chicote letal

Mas, afinal, o que é isto da síndrome do bebé abanado? De forma sucinta, é o conjunto de lesões cerebrais ocorridas quando se agita bruscamente um bebé. Ruben Rocha, neurologista, pormenoriza. “Chamamos-lhe síndrome porque é o conjunto de sinais e sintomas que correspondem ao resultado de uma lesão não-acidental. Damos grande ênfase às lesões cranianas pelas consequências e a gravidade das mesmas, mas pode também haver fraturas e hemorragias retinianas [na retina].” Francisco Abecasis acrescenta que acontece quando há um cuidador que, perante uma criança que chora compulsivamente, agarra nela pelo tronco e a começa a abanar freneticamente, numa tentativa aflitiva de que o choro pare, ocorrendo um “movimento de chicote para trás e para a frente”. E se é verdade que bastam uns segundos para que as consequências sejam potencialmente fatais, é importante esclarecer que não falamos de um abanão qualquer. “Há aqui uma ideia importante: tem de ser um movimento repetido e com uma energia tal que alguém que está a ver de fora tem noção que aquele gesto pode matar ou ferir gravemente.”

Basta pensar que se trata de corpo envolto num meio líquido e circunscrito por uma espécie de carapaça rígida, sujeito a um movimento de aceleração e desaceleração repentino. “Isso faz com que haja rutura de vasos intracranianos, que por sua vez dá origem a hematomas. Muitas vezes surgem associadas lesões a nível das células neuronais. Porque a hemorragia vai começar a ocupar espaço dentro de uma “caixa” que não é expansível. Há, portanto, um aumento da pressão intracraniana. E essa pressão pode levar a lesão cerebral.” Daí que a lista de sequelas possíveis seja longa: paralisia cerebral, epilepsia, disfunção cognitiva, atraso de desenvolvimento, surdez, cegueira cortical, coma ou mesmo morte. Francisco Abecasis volta à tese de mestrado que orientou. “Entre os 21 episódios que registámos, houve cinco bebés que morreram e cerca de metade tiveram um mau prognóstico global, ou seja, ficaram com sequelas graves, dependentes de cuidados de terceiros.”

 

sindrome do beb abanado - milenio stadium

 

Sensibilizar é o caminho

O estudo, da autoria de Tânia Clemente, conclui ainda que 92% das mães das crianças vítimas desta síndrome tinham um nível educacional baixo. E que em 36% dos casos pelo menos um dos pais estava em situação de desemprego. O que nos leva de volta à questão do desconhecimento e à importância de apostar em campanhas de sensibilização, visando particularmente dadas franjas da população. Francisco Abecasis, que em 2006 esteve em Inglaterra a fazer um estágio de cuidados intensivos pediátricos, lembra a propósito um anúncio televisivo que viu na altura.

“Via-se um pai sozinho com um bebé a chorar e a abaná-lo muito. E depois via-se uma espécie de cena alternativa em que o pai deitava o bebé no berço e ia pedir à vizinha que ficasse com ele um bocadinho. E de repente nada daquilo acontecia. Em Portugal, nunca vi nada disto”, aponta. E deixa uma ressalva importante, que deve servir de aviso para todos. “Eu costumava achar que as pessoas que faziam isto eram monstros. Não são. É um ato de desespero de um pai ou de uma mãe, muitas vezes depois de quatro ou cinco noites sem dormir. E acontece sobretudo em famílias que não têm uma base de apoio e em que há um grande desconhecimento em relação a isto.”

Ruben Rocha também enfatiza este ponto. “A educação e a formação dos pais é fundamental. Alertá-los para os riscos à saída das maternidades. Porque esta é uma situação que teoricamente se pode prevenir. A consciencialização dos cuidadores é uma das vias apontadas pelos peritos e sem dúvida que há caminho para fazer, porque estamos muito longe de conseguir resolver esta situação.”

Dados

72,5%
A percentagem de homens responsáveis pela síndrome do bebé abanado, num estudo onde foram escrutinados três mil casos registados nos EUA. O documento é do Medill Justice Project, projeto de investigação jornalística da Northwestern University.

Até um ano
Os casos ocorrem, regra geral, em bebés até um ano de idade. O grande volume da cabeça em relação ao corpo, a imaturidade dos músculos do pescoço e a falta de controlo sobre a cabeça fazem com que estejam particularmente expostos.

Obrigados a notificar
Sempre que verificam a existência de casos compatíveis com esta síndrome, os clínicos são obrigados a notificar o Ministério Público. Por vezes, e no caso de sobreviverem, as crianças acabam por ser retiradas aos pais. Em caso de morte (do bebé), os progenitores são frequentemente acusados de homicídio involuntário.

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