Paradas, Pastéis, Palpites e (muita) Paciência

Após um breve retiro entre os altos e baixos da vida – e os ainda mais perigosos das eleições e dos pastéis de nata -, eis o regresso da crónica mensal, com a promessa de deslizar fácil, como uma cerveja bem tirada à beira da piscina. Para os com sorte, é ler de molho; para os outros, é sonhar com isso. No itinerário? Arquipélagos nervosos, paradas suadas e clubes onde cabe tudo… menos um plano para o futuro, sem esquecer a fé.
Vamos, em primeiro, aos Açores e à Madeira, mas sem paninhos quentes. Já estamos em junho e a temperatura não perdoa. Na Madeira, o sol brilha, os bordados continuam lindos, e os secretários regionais… bem, andam a dar azo à criatividade linguística. Um deles, num momento de profunda inspiração e aparente esquecimento de que os microfones captam tudo (sim, até o que devia ficar trancado no sótão mental), decide referir-se a duas deputadas com a elegância de um comentário de Facebook às três da manhã. À primeira atira: “Burra do cara…”. A segunda recebe, com o cavalheirismo de tasca com jogo do Marítimo na TV: “Que perguntas, ó gaja?” (e ainda repete – não vá alguém não ouvir).
É verdade. E depois admiram-se de os jovens estarem desmotivados. Oh senhores… se isto é a postura dos representantes, então sim: a juventude está perdida… perdida de riso. Porque se isto fosse uma série, chamava-se “A Política é um Circo” (sem animais, mas com palhaços).
E nos Açores? O arquipélago das vacas felizes e das paisagens de postal também não quis ficar atrás! Lá, um secretário regional decidiu anunciar o que ninguém queria ouvir: segundo ele, a SATA, a companhia aérea que liga as ilhas e os corações, é, palavras dele, “o pior problema de governação dos Açores”. Ora, se o pior problema é uma companhia aérea que tenta voar entre dívidas e nuvens, estamos bem. Mas não: diz o senhor que só há duas soluções: ou se privatiza ou… fecha-se. Assim. Com a leveza de quem escolhe entre pizza e sushi para o jantar. Malta das ilhas, preparem-se: em breve, a TAP será o vosso Uber. Ou então, para irem do Faial ou Pico para a Terceira ou São Miguel, terão de aprender a nadar em estilo mariposa. Mas vá, rimo-nos para não chorar. E no fundo, no fundo, ainda há amor. Amor por este país onde a política é drama e comédia. Portugal: onde até os escândalos vêm com sotaque bonito.
Portuguese Canadian Walk of Fame
E depois há o glorioso Portuguese Canadian Walk of Fame – esse passeio da fama onde os sapatos apertados da emigração ganham brilho de estrela. Lá vai mantendo o orgulho nacional vivo. Manuel Da Costa, o obreiro e o homem do leme, rema contra a maré, com a força de mil remadores da Nazaré, segurando a bandeira da portugalidade enquanto alguns olham de lado, com aquele ar de: “Então e eu, quando é que entro?” – como se o passeio fosse casting para o novo Big Brother de Alverca. Há quem ainda não veja lá a sua fotografia, em todo o esplendor – lindos e belos, com ou sem pêlo na venta. Afinal, o orgulho lusitano também se mede em bigodes históricos e fotografias com rimel. Mas calma, malta, que a calçada é grande e Manuel Da Costa ainda está pronto para as “curvas comunitárias”.
O sonho do presidente
Não sendo eu especialista… (como diria o filósofo do grupo de WhatsApp), passo a outro sonho de amor: o de Jorge Mouselo. Um homem. Um ideal. E, claro, uma parada portuguesa em Mississauga. Conhecendo-o, já deve ter sacrificado noites de sono e refeições para desenhar, com rigor quase militar, o itinerário da marcha. Já com bandeirinhas e tudo. Jorge é homem de convicções firmes, daqueles que não sonha só por sonhar. Como dizia o poeta, “o homem sonha e a obra nasce”,e eu já vejo nascer, entre ruas da saudade e da diáspora, um cortejo de fado, marcha e uma roulotte de bifanas no meio de Mississauga. Um desfile assim merece palmas, respeito e, no mínimo, uma estátua junto ao Square One. É destes Homens que se faz a comunidade.
A Parada e o Festival fizeram-se…
Este ano, a coisa lá se fez. Parada? Fez-se. Festival? Com certeza. E lá estavam os Arautos da Desgraça, aquele grupo sempre pronto a apontar dedos, mas nunca a erguer uma cadeira. Vieram contra Eustáquio e sua companhia como se estivessem a defender a última caixa de pastéis de nata do supermercado português. Mas vá-se lá saber como, o Eustáquio e os seus escudeiros safaram-se. Honra lhes seja feita. Foram grandes dias de portugalidade, e tudo foi um sucesso. E ele, o presidente, de charuto na mão, agradeceu a “alguma comunicação social”. Um sucesso, portanto.
Portugal ganhou!
Ah, e Portugal ganhou a Liga das Nações. EHIIIII! Que alegria! Mas as contas continuam por pagar e a renda não baixa. Mas hey, ganhámos. Pumbas. Adiante. Há lá melhor sabor do que derrotar os “nuestros hermanos”? Não há.
Os clubes!
E estes clubes comunitários, caro leitor? Todos querem ser grandes, menos das orelhas. Que ouvir críticas não é o forte da nossa comunidade. Cada esquina portuguesa do Canadá tem o “melhor” clube. Uns têm o melhor vinho, outros a melhor feijoada. E todos, sem excepção, têm o melhor presidente desde o 25 de Abril. Curiosamente, a única coisa que não têm… é gente nova. Mas isso são pormenores logísticos.
Os “Espíritos” do Divino
As celebrações do Divino Espírito Santo – tradição açoriana – espalham-se por cada corner do Canadá. Cada um diz que a sua festa é melhor, o seu trono é o mais bonito, e claro, que o seu arroz doce é o mais cremoso. A fé é só uma? Sim. Mas quando se fala em comida… é outra conversa. A fé une. O arroz-doce separa. A Casa dos Açores, ao que se sabe, lá acabou com a “maminha” dos que só aparecem uma vez por ano. Iam por devoção ao Divino, mas saíam com mais sobras do que fé. Como se mantêm estas organizações com gente que só lá vai para comer de graça? Mistério digno de Fátima. Ou de boa contabilidade criativa e de muito voluntariado. Alguns “coitadinhos” levaram a mal certas respostas mais acesas. Mas, surpresa das surpresas, quando se pediu para pagarem do seu bolso… não apareceram no jantarinho, nem em honra ao Divino, nem tão pouco ao terço que foi rezado todos os dias. Tudo em nome da fé, claro está.
Tradição é linda, sim – bordados, folclore e sopas do Espírito Santo encantam qualquer coração nostálgico. Mas, quando chega o fim do mês, boa vontade não paga contas. Foi com essa lucidez prática que as mulheres da Casa dos Açores (lideradas pela presidente e sua vice) decidiram fechar a torneira do “tudo de graça”, provando que liderar também é saber dizer “chega”, com firmeza e um sorriso. Agora, quem quiser tradição, que venha com fé – e com o cartão de débito à mão. Porque cultura é emoção, mas manter a luz e a porta aberta, e comprar papel higiénico dá trabalho. E custa dinheiro.
A vida segue entre afetos intemporais, suor em festa, egos em palco e fé que resiste. É o início de um futuro com cheiro a presente, ao som de cavaquinho e longe dos mensageiros da desgraça. Saúde, alegria e mais dias de vida, que hoje celebro 14.245 dias de existência. E ainda há tanto por brindar. Haja Saúde.
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