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Pedro Almodóvar partilha circunstâncias de vida num surpreendente livro de contos

Desenvoltura narrativa e imaginário fértil marcam as páginas da escrita do cineasta espanhol. Foto: Iglesias Mas / Centro Condeduque / AFP

É muito provável que “O último sonho” seja o mais próximo que Pedro Almodóvar alguma vez estará da escrita de uma autobiografia, pedido  que sucessivamente lhe fizeram ao longo dos anos e sempre negou com veemência.

Percebe-se a opção do aclamado cineasta espanhol: o peso da suposta verdade que um livro de memórias traz é infinitamente maior do de um livro de ficção, mesmo que este seja, afinal, mais autêntico do que o primeiro (quem disse que não há nada mais ficcional do que a autobiografia nem nada mais autobiográfico do que a ficção?).

Ao transportar acontecimentos verídicos mas diluindo-os no “manto diáfano da fantasia”, como acontece nos 12 relatos de “O último sonho”, Almodóvar liberta-se não só dessa responsabilidade excessiva, como usufrui de uma maior liberdade para partilhar episódios, traumas ou figuras recorrentes em tempos já idos.

Efabulador nato que parte sempre das obsessões e fixações mais íntimas, o realizador de “Tudo sobre minha” exibe esse predicado nas páginas de “O último sonho”, livro que começa por surpreender o leitor mais desprevenido pela desenvoltura narrativa e imaginário fértil.

À semelhança do magnífico “O café debaixo do mar”, de Stefano Benni, Pedro Almodóvar incute a cada uma das breves narrativas do livro uma atmosfera muito particular, seja de pendor surrealista, gótico ou ‘avant garde’. A partir dessa ambiência é acrescentado depois um elemento autobiográfico, que tanto pode surgir sob a forma dos últimos instantes da vida da sua mãe – figura central na vida do realizador –, recordações fátuas sobre os loucos anos da movida madrilena ou as sórdidas tentativas de abuso sexual de que foi vítima no colégio de padres onde estudou na juventude.

Em todos estes casos, mesmo que a qualidade dos contos não seja homogénea, sobressaem atributos que são indissociáveis do seu universo. O desejo, claro está, “não só como produtor dos meus filmes, mas como loucura, epifania e lei à qual é preciso submetermo-nos, como se fôssemos protagonistas da letra de um bolero”.

JN/MS

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