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Quando Conheci Marco Paulo: Lembranças de um artista que viveu com Coragem

 

 

Em abril de 2017, tive a oportunidade de entrevistar Marco Paulo, o ícone da música romântica portuguesa. Recebi uma chamada anônima mas reconheci imediatamente a voz do outro lado– era o próprio “rei” da música romântica. Ele ligava para confirmar nossa entrevista, marcada para a Feira de Março em Aveiro de 2017, mas só depois do espetáculo. Desde a confirmação da entrevista até o momento em que estive frente a frente com o artista, cada detalhe que ia pensando serviu para construir uma memória rica e marcante sobre um homem cuja carreira, lutas e história pessoal são muito inspiradoras.

Não sou um grande fã de músicas românticas, mas sempre respeitei a figura do Marco Paulo. Um verdadeiro ícone da cultura musical portuguesa que carregou consigo uma bagagem de histórias, de sucessos e, nos últimos anos, uma batalha com a saúde. Foi com esses sentimentos que me preparei para o concerto e, claro, para a entrevista, com a curiosidade de quem se dispõe a ouvir uma lenda e tentar captar a essência não só do artista mas também do homem. Chegou o dia do concerto do Marco Paulo em Aveiro, um espetáculo de duas horas e meia, onde o público ouviu os seus maiores sucessos.

Acompanhado no palco pelo afilhado, que tocava guitarra-baixo, o cantor conduziu o espetáculo com a energia e o carisma que sempre o distinguiram. As músicas de sucesso, como “Eu Tenho Dois Amores” e “Maravilhoso Coração”, pareciam ganhar um novo significado, quando cantadas pelo público com uma devoção que apenas um artista da sua grandeza poderia inspirar. Era mais do que apenas música – era uma celebração de décadas de carreira e de uma presença constante na vida de tantos fãs.Quando dei conta até eu estava a cantar e a dançar. No concerto, senti que aquela figura como Marco Paulo construiu uma tamanha lealdade com os fãs. Mesmo após tantos anos, ele ainda conseguia mexer com as pessoas de todas as idades sempre com os olhos a brilhar e a trocar o microfone de mão em mão, uma das suas imagens de marca. Muitas pessoas ali já o seguiam há décadas. Alguns desses fãs tinham dezenas de fotos com ele, mas ainda assim esperavam ansiosas para conseguir mais uma lembrança daquela tarde especial. Após o espetáculo, esperei cerca de duas horas para que o artista pudesse me receber. Ele estava exausto, mas não negava o carinho e a atenção que as fãs lhe pediam. Havia algo de genuíno e próximo na sua interação com o público, que não vemos em muitos artistas.

Ele era, afinal, um artista popular, e isso via-se em cada gesto e em cada sorriso que oferecia a quem o procurava. Finalmente, tive a oportunidade de entrar no camarim de Marco Paulo. A recepção não poderia ter sido mais calorosa. Acompanhado pelo seu amigo e manager, António Coelho,com uma tranquilidade e um respeito que só se constroem ao longo de uma amizade sólida e de muitos anos de parceria. Marco Paulo estava rodeado de toda a estrutura digna de um artista, e o seu carisma era ainda mais evidente de perto. Gostei da sua serenidade e de uma simpatia que, mesmo ao cansaço, me recebeu bem. Conversamos sobre várias fases de sua carreira, incluindo a ida ao Canadá, onde ele recordou um público entusiasmado e fiel, na sua maioria, por imigrantes portugueses. Era claro que essa viagem tinha um significado especial para ele. Notei os seus olhos brilhar ao recordar os momentos vividos.

Marco Paulo falava com carinho e gratidão pelo apoio que sempre recebeu do público português, mesmo longe de casa. Mas, no meio de todas as lembranças felizes, surgiu o tema da saúde. Foi ele que trouxe espontaneamente à conversa a luta que travava contra uma doença que já o acompanhava há algum tempo.
Marco Paulo sempre foi transparente com seu público a respeito das dificuldades que enfrentava, e nesse dia, diante de mim ele não foi diferente. Falou sobre o medo do futuro, mas também da sua força para seguir em frente, algo que, certamente, o acompanhou até o fim. O diagnóstico de cancro era um tema que o cantor já conhecia bem. Teve lutas com vários ao longo da sua vida.Cada luta parecia abalá-lo, mas, ao mesmo tempo, era evidente que a sua força e resiliência iam além das expectativas. Marco Paulo usou a sua luta para inspirar outras pessoas. Em suas entrevistas e aparições públicas, falava abertamente sobre sua condição, algo que lhe trouxe ainda mais respeito e admiração.

Em 2022, após uma atualização sobre o tumor pulmonar, ele descobriu o cancro no fígado, e, em setembro deste ano, os médicos decidiram suspender os tratamentos de quimioterapia, porque já não estavam a fazer efeito. Estava em repouso, aproveitou o tempo para estar com as pessoas que amava. Essa luta prolongada mostrou ao público um lado mais vulnerável de Marco Paulo. Ele já não era apenas o cantor que embalava histórias de amor, mas também um homem que enfrentava a fragilidade da vida com a mesma dignidade e coragem com que havia construído a sua carreira.

A morte de Marco Paulo, no dia 24 de outubro de 2023, marcou o fim de uma era na música portuguesa. Ele partiu aos 79 anos, deixando um vazio imenso nos fãs que dificilmente será superado. Seus maiores sucessos, como “Eu Tenho Dois Amores” e “Maravilhoso Coração”, vão ficar na memória coletiva como hinos de uma geração que viu no amor e na emoção as principais inspirações da sua música. Como testemunha de um breve, mas significativo momento na sua vida, posso dizer que Marco Paulo foi, antes de tudo, um ser humano bom. Tive a sorte de vê-lo de perto, de ouvir as suas histórias e de compreender um pouco mais sobre o homem por trás do artista.

Hoje, ao recordar essa entrevista, vejo que as suas palavras e seu olhar transmitiam não apenas o peso da experiência, mas também uma esperança de que o seu trabalho e as suas memórias continuariam vivos no coração de seus fãs. Ao final daquela tarde em Aveiro, deixei o camarim de Marco Paulo com a sensação de que havia conhecido não apenas um ícone, mas uma pessoa que, apesar das adversidades, viveu com plenitude e nunca se deixou abater. João Simão da Silva partiu, mas o artista Marco Paulo é eterno; através das suas músicas, ele viverá para sempre.

Paulo Perdiz/MS

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