Nuno Guerreiro: A voz da Ala e de uma geração

Morreu Nuno Guerreiro, voz inesquecível da Ala dos Namorados. Nascido em Loulé, em 1972, Nuno Guerreiro tornou-se uma das vozes mais distintivas da música portuguesa nas últimas décadas. O cantor, que vivia atualmente na cidade algarvia onde nasceu, ficou conhecido do grande público nos anos 1990 como vocalista da Ala dos Namorados, banda responsável por êxitos como “Solta-se o Beijo”, “Fim do Mundo” e “Loucos de Lisboa”.
Ingressou no grupo em 1992 e, desde então, a sua voz única e emotiva marcou várias gerações de 2018. Relembrar a entrevista com a Ala dos Namorados é como abrir um álbum de memórias recheado de afetos, cumplicidade e uma grande paixão pela música.
Numa entrevista em Anadia, Portugal, a nossa equipa entrevistou, entre sorrisos e histórias, Manuel Paulo e Nuno Guerreiro — este último, agora tragicamente ausente, mas eternamente presente na alma da banda e no coração de quem o ouviu cantar em palco ou em disco. Foi uma conversa feita de emoção, como só poderia ser quando se fala de um grupo que atravessou décadas mantendo sempre a sua identidade. Falávamos então dos 25 anos da banda, uma data redonda que servia de pretexto para uma reflexão mais profunda sobre o percurso artístico e humano do projeto. Nuno, com a serenidade de quem viveu intensamente cada nota, partilhava o seu percurso vocal e pessoal com uma lucidez tocante: “A minha voz mudou, sim, mas com ela mudei eu também”, dizia, com um sorriso quase tímido e os olhos a brilhar de memória. Falou-nos do início, do espanto de descobrir a singularidade do seu timbre ainda adolescente, e do caminho que fez até se tornar a figura icônica que hoje associamos à Ala dos Namorados. Recordava com carinho o espetáculo de Carlos Paredes onde tudo começou, e a emoção com que foi convidado a integrar a banda.
A sua voz, de uma pureza rara, era — e será sempre — o coração sonoro da Ala. O álbum Vintage, lançado à época, era motivo de entusiasmo. Um disco que encaixava com naturalidade na sua voz já madura, e que lhe permitia revisitar canções antigas com uma nova luz: “É como voltar para casa, mas com outra bagagem”, dizia. Ouvi-lo falar daquelas canções era perceber o quanto cada tema se enraizou na sua história pessoal. Manuel Paulo, cúmplice e amigo, não poupava elogios ao colega e à sua versatilidade: “O Nuno é camaleónico”, dizia, orgulhoso: “Dá-nos sempre mais do que esperamos.” Havia um respeito mútuo, uma amizade sincera que atravessava o tempo e os palcos. Falámos também das mulheres — presença constante na obra do grupo — e da canção Culpada, lançada simbolicamente no Dia da Mulher. Nuno explicava como as figuras femininas, muitas vezes anónimas, eram fontes inesgotáveis de inspiração: “As mulheres são poesia”, dizia.
Hoje, ao escrever estas palavras, é impossível não sentir a ausência do Nuno como um silêncio que se vai sentir para sempre. A sua partida deixa um vazio irreparável, mas também uma herança preciosa: a voz que atravessou estilos, décadas e corações, e que agora habita na eternidade da música portuguesa. A Ala dos Namorados continuou sempre o seu percurso, como sempre quis: a fazer canções com verdade, a emocionar com autenticidade. Mas para quem ouviu Nuno cantar, cada nota vai ter agora um novo peso — o da saudade. Que este texto não seja apenas uma lembrança passageira de uma entrevista.; que ele seja, acima de tudo, um manifesto da vida, da sensibilidade e da arte de um grande artista, cuja presença deixou marcas profundas por onde passava.
A sua voz era única — não apenas no timbre ou na forma com que atingia as notas, mas na alma que carregava em cada palavra, em cada melodia. Era uma voz quase extinta Ao relembrarmos as suas palavras e os seus gestos, recordamos também momentos de beleza, ousadia e verdade. Este texto, é mais do que memória: é homenagem, é a tentativa de manter viva a imagem de alguém que transformou o mundo ao seu redor com sua arte. Vozes assim nunca se vão calar.
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