Barbatuques: A Origem de uma Revolução Sonora

Como um grupo brasileiro transformou o corpo humano num instrumento musical e criou uma nova linguagem artística.
A história do grupo Barbatuques começou em 1995, na cidade de São Paulo, quando o músico Fernando Barba decidiu aprofundar as suas experiências com sons produzidos apenas com o corpo humano. Naquela época, Barba já estava envolvido na educação musical e participava no grupo de percussão experimental Patacorê, onde iniciou os seus primeiros testes com palmas, batidas no corpo e sons vocais. Barba acreditava que o corpo humano era um instrumento musical completo, capaz de produzir ritmos, melodias e harmonias. Inspirado por jogos musicais, brincadeiras de roda, culturas tradicionais e experiências pedagógicas, ele começou a desenvolver técnicas próprias de percussão corporal — usando estalos, palmas, batidas no peito, sons com os pés, a voz e a boca.
O objetivo não era apenas criar algo novo musicalmente, mas encontrar uma forma de expressão acessível, criativa e educativa. Com o tempo, essas experiências foram ganhando forma, Barba passou a reunir amigos músicos e artistas que se interessavam por esta linguagem corporal. O grupo inicial formou-se de maneira orgânica, com ensaios, trocas de ideias e muita experimentação. O nome Barbatuques surgiu como um trocadilho divertido com o próprio nome de Fernando Barba e a ideia do batuque com o corpo. Assim, nasceu o grupo que, anos mais tarde, se tornaria referência mundial na música corporal. Nos primeiros anos, os Barbatuques apresentaram-se principalmente em espaços alternativos, escolas, centros culturais e festivais voltados à educação e à arte. As apresentações chamavam atenção pela originalidade: todos os sons vinham do corpo humano, sem o uso de instrumentos musicais tradicionais. Isso criava uma surpresa inicial no público, seguida de encantamento ao perceber as riquezas, rítmica e melódica, produzidas apenas com o corpo. A proposta do grupo não era apenas artística, mas também educativa.
Desde o começo, os Barbatuques apostaram no caráter coletivo, inclusivo e espontâneo da música corporal, realizando oficinas e aulas-espetáculo voltadas para pessoas de todas as idades. O grupo via a música como uma ferramenta de desenvolvimento humano, capaz de promover criatividade, escuta ativa, interação social e consciência corporal. Em 2002, após sete anos de amadurecimento, os Barbatuques lançam o seu primeiro disco, chamado “Corpo do Som”; o álbum consolidou a linguagem musical desenvolvida por Barba e pelos integrantes do grupo, e trouxe composições originais que mostravam todo o potencial da percussão corporal brasileira. Músicas como “Baianá”, inspirada em cantos tradicionais do nordeste, ganharam destaque e ultrapassaram fronteiras. “Baianá” tornou-se, anos depois, um sucesso internacional ao ser remixada por DJs como Alok, chegando às pistas de dança pelo mundo todo. Com o sucesso do primeiro disco, o grupo ganhou mais visibilidade e passou a participar em eventos culturais maiores.
Em 2005, lançaram o segundo álbum, “O Seguinte é Esse”, que trouxe composições mais complexas, explorando ainda mais as possibilidades do corpo como instrumento. A sonoridade do grupo passou a misturar de forma mais ousada ritmos populares brasileiros, como o samba, maracatu, baião, coco e carimbó, com elementos de beatbox, rap, música africana, canto harmônico e outras influências internacionais. Os Barbatuques começam a viajar pelo mundo, a participar em festivais internacionais, projetos de educação musical, congressos de arte e encontros de música corporal. Em todos os lugares, o grupo despertava o interesse tanto de músicos quanto de educadores e crianças, justamente por apresentar uma música acessível, vibrante e universal. Além da parte artística, o grupo também se dedicava à formação pedagógica, Fernando Barba e os integrantes desenvolveram uma metodologia própria de ensino da percussão corporal, baseada em jogos musicais, improvisação e escuta coletiva. Essa abordagem influenciou educadores musicais no Brasil e no exterior, tornando-se referência em escolas de música, universidades e projetos culturais. Em 2009, os Barbatuques lançam o álbum “Tum Pá”, voltado para o público infantil. O disco trouxe canções lúdicas e educativas, com temáticas leves e ritmos envolventes. O projeto reforçou o compromisso do grupo com a educação e abriu portas para novas parcerias com escolas e instituições culturais; o sucesso de “Tum Pá” mostrou que a linguagem da percussão corporal era ideal para o ensino musical infantil. Nos anos seguintes, o grupo continuou a evoluir, integrando novos participantes e explorando novas linguagens musicais. Participaram em eventos de grande visibilidade, como a cerimónia de encerramento das Olimpíadas Rio 2016; a abertura da Copa do Mundo da África do Sul, em 2010; além de festivais de música e arte contemporânea em diversos países. Em 2014, foram convidados para participar da trilha sonora do filme “Rio 2”, da Blue Sky Studios, cantando a música “Você Chegou”.
O trabalho com cinema ampliou ainda mais a presença do grupo em circuitos internacionais e mostrou a versatilidade da música corporal em diferentes formatos de mídia. No entanto, em 2021, o grupo enfrentou um momento difícil com o falecimento de Fernando Barba, o seu fundador e principal idealizador. Barba deixou um legado profundo na música brasileira e na educação musical, a sua visão artística e pedagógica transformou os Barbatuques numa referência global. Mesmo com a sua partida, o grupo seguiu em frente, mantendo vivos os princípios de criatividade, colaboração e inovação que marcaram a sua origem. Ao longo de quase três décadas de trajetória, os Barbatuques desenvolveram uma linguagem única no cenário musical, a história é marcada por pesquisa, ousadia, pedagogia e paixão pela música feita com o corpo. Mais do que um grupo, os Barbatuques tornaram-se um movimento artístico que inspira músicos, professores, estudantes e pessoas comuns a redescobrir o seu próprio corpo como fonte de som, expressão e ligação.
Paulo Perdiz/MS
Redes Sociais - Comentários