Albano Jorge: De homem a palhaço
Sou o Albano Jorge, nasci no fim da guerra, em 1946. Meu pai e minha mãe viviam na casa dos meus avós paternos: meu pai era relojoeiro e minha mãe doméstica. Minha avó era Maria da Costa, porque naquele tempo não havia tempo para dar nomes compridos aos filhos. Éramos três irmãos, eu e o Luís os mais velhos e o Tito que veio por último. Fizemos a instrução primária no Porto em 1959, teria eu os meus 12 anos. Emigramos para o Brasil, o tempo era muito difícil em Portugal; meu pai tentou ir para Angola, para arranjar melhores proveitos, para nos ensinar e proporcionar uma vida melhor.
Meu pai como relojoeiro dedicava-se às máquinas com toda a maior paciência do mundo, cada relógio era um TIC TAC próprio, era o bater do seu coração. Depois passou para a rádio, para a fotografia e para o cinema. Por falar em cinema, ele conhecia o Manoel de Oliveira; era o homem do som de Manoel de Oliveira. Com ele realizou o filme “O Ato da Primavera” e “A Casa”. Era um homem brilhante, com a quarta classe, mas tinha maior engenho do que o próprio Deus na construção deste mundo. Cada peça era um elemento para escrever outra peça. No Brasil, meu pai era relojoeiro e estávamos na década de 60, Juscelino Kubitschek construía a Brasília, a miséria era enorme e o meu pai decidiu que para morrer era melhor morrer em Portugal, porque sempre a terra era mais quente e mais nossa…e viemos. O meu pai teve de começar tudo do princípio.
Entrei na Escola Industrial Infante Henrique, tirei o curso de auxiliar de laboratório químico e passei para o Instituto Industrial com a bolsa da Gulbenkian. Fui convidado por um dos professores do Instituto Português de Oncologia, para ir trabalhar para as análises clínicas. Mas eu disse ao meu pai que não… queria acabar o instituto e continuar em frente. E fui sempre bolseiro da Gulbenkian.
No Instituto Industrial, liguei-me ao teatro. Era minha colega a atriz Márcia Breia, que atualmente é uma atriz de renome nas telenovelas portuguesas, no teatro e no cinema. Mas ela era importante e eu não. Eu trabalhava nos bastidores, fazia os cenários e era aderecista. E depois seguiu-se a vida militar. Vida militar que me ocupou de 69 a 72. Animava o meu pelotão com brincadeiras. Quando acabou a tropa, vim me esposar com uma jovem, Maria Emília, do qual nasceram dois filhos, o Rúben e a Silvia. Comecei a trabalhar numa empresa industrial vizinha ao Porto, em Fiães.
Veio a revolução e nesse ano de 74, fizemos a primeira festa de Natal com artistas de fora. No ano seguinte, convidamos a Casa do Gaiato e os Batatinhas. A minha aldeia natal e dos meus pais era Recreio e Paço de Sousa e tive o privilégio de conhecer de vista o Padre Américo. Fomos lá pedir aos Batatinhas que nos viessem fazer a festa no Natal. Seguiu-se uma segunda presença e outra e outra.
Construímos um grupo de teatro, um grupo coral, trocamos entre nós, entre a empresa e a Casa do Gaiato, visitas e arte. Até que chegou a altura de eu sair. Antes criei a figura de um palhaço chamado de Batista. Fiz de Batista dois ou três anos, era um personagem cómico de uma série brasileira.
Chegou a altura em que fui trabalhar para uma empresa italiana que me convidou para fazer a festa de Natal. E quando era para entrar em palco perguntaram-me o nome. Eu disse que era o Batista. A apresentadora disse “Você desculpe lá, mas não tem tamanho para ser Batista. Você com esse tamanho, melhor é ser Pirulito.” Então foi aí que nasceu o Pirulito.
O Pirulito entra em palco desde 1982. E por falar em Pirulito, vamos passar à criação dessa personagem. O Pirulito nasce com brincadeiras para as crianças. Eu gosto de fazer festas de Natal só para brincar com as crianças. E essa construção do Pirulito com a recriação das brincadeiras é tudo uma fantasia que demora menos ou mais tempo, ou melhor, demora menos tempo do que a atuação. É tão grande o entusiasmo da criação, que ver a criançada sorrir, brincar, participar é como voltar a ser criança. Ou melhor, um palhaço é sempre criança.
Um palhaço, se não é criança, não é palhaço. E começamos a construir esta pessoa que vai crescendo, crescendo pouco a pouco, até ganhar aquela figura incomensurável que enche o sonho da criançada. As tintas, os lápis para desenhar, as cores…
E então vamos começar a criar o palhaço. Vamos tirar a roupa, porque a roupa, o hábito faz o monge… Já agora, só uma pergunta. Será que sabem porque é que se chama palhaço?
O palhaço vem de uma palavra italiana Paglia, porque significava aquela pessoa que se vestia com aquilo, que apanhava na estrada, com a roupa que não servia e servia, ou melhor, servia sempre. Era maior ou menor do que ele. Então o palhaço nasceu. Começou a vestir uma roupa abandonada. Qualquer coisa lhe servia para animar os outros, para fazer rir. Assim ele ganhava o pão, fazendo rir. E eu também aproveitei os restos de roupa e comecei a fazer este resto de pessoa que é o palhaço. E demora o seu tempo. Mas é um tempo divertido. É o tempo da criação desta figura que emerge de um ser normal, que trabalha e luta para construir esta figura. Agora temos as calças. Estas calças são calças maiores do que a minha pessoa. Vamos então vestir as calças de palhaço?
Ora a roupa está vestida. Agora falta começar a pintar. Atualmente quem pinta são as crianças. Eu coloco o rosto e elas vão pintando aquilo que me falta. O bigode e começo a sorrir, a pestana, o vermelho e daqui a pouco já deixo de ser eu. Passo a ser aquela figura mítica que encanta os sonhos e que leva a alegria. Agora faltam as pestanas e está quase, mas ainda falta. Estamos quase a chegar ao fim desta construção de palhaço.
A magia do palhaço está aqui nesta pequena bola e tudo se transforma. Eu deixo de ser eu, deixo de ser o Albano e passo a ser aquela figura misteriosa, encantadora, brincalhona, que faz nascer um sorriso, seja mesmo num idoso ou numa criança. Transformo o mundo.
Cá estamos a construir. Agora faltam os meus barcos rabelos. Vocês conhecem os barcos rabelos (sapatos)? Ora cá está um barco. Estes barcos fazem-me navegar no mar dos sonhos dos sorrisos, das alegrias e de toda a fantasia que o barco transporta. Está quase… falta a luva do mendigo, do palhaço pobre e todas estragadas. Cá estão as luvas. Vamos acabar o palhaço.
Meninos e meninas agora eu não sou o Albano, agora eu sou o Pirulito, o maior palhaço do mundo. Vamos brincar, vamos entrar no palco, vamos fazer com que aqueles sorrisos transformem o mundo… encham o vosso lar, encham de esperança e de sorrisos.
Meninos e meninas, o espetáculo vai começar.
Paulo Perdiz/MS
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