Ilusoriamente pensamos que a vida na Terra existe essencialmente na sua superfície. Pois estamos absolutamente enganados: 70% de todos os micróbios vivem debaixo do solo. Mamíferos, répteis, crustáceos, insetos, anfíbios, peixes, enfim, todas as variantes da biodiversidade terrestre estão bem representadas nesse escuro mundo.
Somente as bactérias do subsolo representam entre 15 e 23 mil milhões de toneladas de carbono, número impressionante. Se considerarmos apenas a massa de formigas e térmitas a viverem debaixo de terra, deparamos com o impressionante número de 15% a 20% da biomassa total existente no planeta, calculando-se que o seu peso seja de mais mil milhões de quilos.
Os seres subterrâneos, apesar de na sua grande maioria não possuírem visão, desenvolveram outros sentidos que lhes permitem a sobrevivência num ambiente de total escuridão.
A Toupeira comum (Mole Talpa europaea) tem os sentidos de audição e olfato superdesenvolvidos, e consegue respirar em ambientes muito pobres em oxigénio e saturados de dióxido de carbono. Alimenta-se de insetos, minhocas, pequenos anfíbios, etc. Ao contrário do mito popular, não é nociva às hortas, antes pelo contrário, ajuda a controlar pragas, oxigena e fertiliza os terrenos.
Impressionante é a Toupeira-nariz-de-estrela: o seu incrível nariz é um super-orgão sensorial. Os 22 tentáculos têm 25 mil órgãos de Eimer, permitindo uma incrível e enorme capacidade de deteção de vibrações.
A variedade de seres que vivem debaixo dos nossos pés é imensa. De vez em quando, quando saem do seu mundo, espantam-nos com as suas formas e estranhos comportamentos (para nós). O estudo da vida subterrânea é de uma grande dificuldade, devido ao meio tão diverso daquele em que vivemos.
Há poucos anos, deparei-me no meu jardim com um desses seres, do qual deixo aqui o registo fotográfico, infelizmente cortei inadvertidamente um seu companheiro com o cortador de relva. O cheiro fétido de um réptil trucidado chamou-me à atenção. Enquanto tentava perceber o que era, vejo algo rabiar na relva, inicialmente pensei que fosse uma cobra, consegui imobilizá-la com a bota, sem a ferir, e a surpresa foi imensa, era uma Cobra-de-Pernas. Nunca tinha observado tal ser. Fotografei-a e devolvia a um local próximo, mas longe das lâminas da máquina de cortar relva.
De seu nome Chalcides striatus, a vulgarmente conhecida por Cobra-de-Pernas ou Fura Palhas, na realidade não é uma cobra, é sim um lagarto. Gosta de zonas húmidas e alimenta-se essencialmente de insetos, pequenos anfíbios e seus ovos, minhocas, etc. Mais um amigo, que não é venenoso e que ajuda na fertilização e equilíbrio da biodiversidade nos solos.
Todos estes e muitos mais seres vivem num mundo ameias com o nosso, aliás, vivem no mesmo mundo que nós, a interação entre estes dois ambientes, o sobre o solo e o sob o solo, estão mais dependentes um do outro do que aquilo que erradamente percecionamos. Tudo que fazemos à superfície influencia o que está por baixo e vice-versa. Atualmente existe uma destruição de habitats no subsolo sem precedentes, provocado pela ação humana. Pesticidas, herbicidas, águas contaminadas, destruição de equilíbrio dos solos, ocupação, extração e um sem fim de ações e consequências das nossas atividades. Dependemos, no entanto, dessa biodiversidade subterrânea mais do que pensamos, também aqui as fronteiras só existem na mente do Homem. Perceber que grande parte da vida na Terra está debaixo do seu solo, que essa vida já cá existia antes de nós, que eventualmente podemos olhar para certos locais e dizer que são estéreis, que não têm vida, e depois percebermos, que na realidade, ela é mais numerosa e diversa do que imaginamos, abre-nos as perspetivas, abre-nos a perceção de que todo o planeta é vivo, a Terra é Viva.
Paulo Gil Cardoso/MS
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