Ambiente

Um Século da Colossal Obra Floresta Dunar Aveiro-Figueira da Foz

Terra Viva

 

Arborizacao-Dunas

 

O cordão dunar entre Aveiro e a Serra da Boa Viagem era um imenso deserto há cerca de um século, o apelidado Povo da Areias pôs mãos à obra e criou uma imensa floresta com cerca de 70Km de comprimento e nalguns locais com até 8Km de largura. Onde antes existiam apenas dunas de areia e alguma parca vegetação arbustiva hoje existe uma imensa floresta.

As primeiras tentativas de fixação das areias ocorreram no século dezanove mas sem sucesso. “As primeiras sementeiras de pinheiro bravo fizeram-se nas Dunas de Mira, no ano de 1918, mas só em 10 de Fevereiro de 1919 foi aprovado um projeto de arborização, referente à sementeira de 2062ha, cujos trabalhos tiveram início nesse mesmo ano. A arborização de toda esta espécie foi dada como concluída em 1943” (Viegas et al, 1987)
A colossal obra demorou cerca de 40 anos a concluir-se.

Para podemos sentir um pouco da vida no período anterior à existência da floresta deixo aqui excertos da minha próxima obra literária.

“Immanuel Miriam Virgílio era homem franzino e resistente, de pele curtida pelo sol quente em ar frio, entranhada de poeiras mistas de salinos areais dunares e o pó cinzento de micropartículas de estrume animal desgastado por inúmeras primaveras férteis. Um chapéu borsalino protegia-lhe a calvície desde o fim da Grande Guerra, quando tinha apenas 20 anos.

A sua coluna de Artilharia voltou dois dias depois ao Quartel do Pinhal, que era um ano mais velho que Immanuel. As pernas, porém, não tiverem a benesse de poder descansar, desta vez possuía mesmo uma licença de cinco dias para poder rever a sua terra e o seu Povo das Areias.

Pôs-se a caminho do Norte, depois de vencido o monte a que chamam Serra da Boa Viagem, tomou o mar por companheiro do seu lado sinistro, e os seus foles ganharam vida fresca com a maresia. Procurava caminhar na areia mais compacta e refrescada pelo traiçoeiro Atlântico. Caminhar na areia, como noutro qualquer terreno, tem as suas manhas, a adaptação ao chão tem de ser feita desde o calcanhar e dedo mindinho, até ao baloiçar do corpo ou dos membros, o amortecimento da gravidade ou a força exercida têm de ser adequadas a cada situação em cada momento, Immanuel adaptou-se ao longo de toda a sua vida à realidade das areias do seu berço, lesto e adaptado a este ambiente, amanhava estas viagens, de regresso momentâneo ao ninho, sem grande cansaço.

Dos cinco dias de licença, Immanuel, gastava dois de viagens dunares. Neste domingo, dia 20 de julho de 1919 o Sol nascia às 06h20 da manhã, quando Rá apareceu na sua carruagem deslumbrante, já há cerca de meia hora que os seus pés sentiam a areia fresca, a caminhada que encetavam duraria pelo menos treze horas para vencer os cerca de cinquenta e seis quilómetros. A Lua estava em quarto-minguante e as marés eram quebradas. Estando o tempo ameno, caminhar na orla era coisa fácil, pior eram as areias soltas das dunas despidas, apenas o cordão dunar mais junto ao mar apresentava um pontilhado de algumas gramíneas como o Estorno, por Cardos marítimos, e algumas suculentas como a Eruca-marinha. Nos cerca de 8 quilómetros, entre a praia e a casa de seus pais, as ondas de areia, lentas e sinuosas no seu movimento, eram o percurso mais difícil de vencer. Pontos de referência eram inexistentes, apenas a aldeia piscatória da Vagueira manchava o deserto, se que é que se poderia chamar aldeia a cinco barracões de madeira. Neste julho quente, tão próximo do solstício, pareceria estranha a existência de nevoeiro a quem não conhece as manhas e as manhãs deste litoral, desvanecendo-se apenas depois do meio-dia para o Sol poder queimar tudo o que existisse.

Neste vazio, cheio de montanhas de areia, com ou sem nevoeiro, com ou sem tempestades, a única forma de orientação eram as badaladas dos sinos das igrejas das localidades paralelas à costa, porém, retiradas nas suas distâncias aos humores dos ventos areados ou dos mares revoltos. Immanuel conhecia bem os sons dos sinos de todos os povos vizinhos do seu berço, e de quarto em quarto de hora realinhava a sua demanda.

Já perto das Terras de Santa Maria de Vagos, o soldado das areias, perscruta vozes de esforço, encobertas num baixio a três dunas de distância. Cinco homens arrastavam uma padiola com um defunto, as escaladas dos montes de areia eram de enorme esforço, nas descidas das dunas mais altas chegavam a largar a padiola para ela deslizar até parar num baixio, neste entretanto tentavam os pescadores ganhar fôlego para mais uma subida, as suas vidas eram iguais às suas mortes, em ambas tinham que se vencer e aproveitar as ondas.“

Paulo Gil Cardoso/MS

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