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“A verdade dói, a mentira mata, mas a dúvida tortura Bob Marley” – Bob Marley

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Que credibilidade tem hoje o discurso político? As sucessivas omissões da verdade, a falta de transparência nas ações e decisões, o dizer aquilo que todos querem ouvir só para cair nas graças dos eleitores… o que é que tudo isto está a fazer à saúde das democracias? Na verdade, a diferença entre verdade e mentira no discurso político hoje é tão ténue que muitos de nós não a conseguem ver. Por isso se torna imperioso um jornalismo sério e digno do nome que nos ajude a identificar as verdadeiras armadilhas (para caçar simpatizantes, votantes) que diariamente são lançadas pelo sistema político. São inúmeros os casos concretos que todos os dias chegam ao nosso conhecimento de situações onde a mentira, ou pelo menos a omissão da verdade, sujam o terreno da credibilidade política, que devia ser imaculado.

Em grande medida para evitar situações destas, o discurso político é cada vez mais pensado ao pormenor, treinado (nunca foram consideradas tão importantes as sessões de media training), de tal modo que nada parece ser dito ao acaso. Sendo esta uma realidade, sentida na pele por todos os jornalistas que têm de ter arte para “sacar” a um político algo que verdadeiramente interesse, o sociólogo e professor da Universidade de Toronto, William Magee, sublinha que quando se trata de pessoas no topo da estrutura política nota-se uma diferença, e explica-nos que, por exemplo, “Trump foi sempre fora do guião, e Biden também. Trudeau pode ser mais controlado… mas suspeito que os comentários com scripts são comuns em todo o lado, e isso pode ter a ver com a tendência do político para estar sempre em modo de campanha – sloganeering…”. Embora o mundo digital tenha vindo dificultar a mentira no discurso político, já que “uma vez na net, para sempre na net”. Deste modo, notou-se um decréscimo acentuado de promessas exacerbadas. É que o facto de haver mais acesso à informação, o que não acontecia nas décadas passadas, fez com que as promessas que se ouviam na rádio ou na televisão e que acabavam por se diluir, passassem a ter uma omnipresença que ameaça o discurso político. Agora há memória online e é crucial que nenhum político se esqueça disso.

Para além de tudo isto, a realidade é que não há democracia sem jornalismo livre que nos ajude a distinguir o “espetáculo” e a dissimulação, daquilo que realmente interessa saber. É que só assim conseguimos percecionar a verdade num mundo onde cada vez mais os políticos, mesmo não mentindo descaradamente, em vários momentos da história, têm tendência a ajustar a sua interpretação da realidade àquilo que lhes é instrumentalmente mais útil. Howard Ramos – professor da UWO (Western University Canada) acha mesmo que “jornalistas experientes são a chave para verificar os factos, processar e curar a informação. Sem eles, obtemos informação não filtrada e vemos o verdadeiro custo das notícias “grátis””.

Por falar em comunicação, há quem argumente que as redes sociais são os maiores “aliados” dos movimentos políticos populistas que se estão a espalhar pelo mundo, devido à facilidade em transmitir informação e ao facto de serem verdadeiros focos de inverdades ou mesmo de mentiras. Mas será que as plataformas de interação online podem ter esta função e efeito perverso sobre o discurso político? William Magee acha que sim. “Penso que as redes sociais provavelmente aceleram a difusão de ideias, incluindo ideias populistas, e ideias falsas”, mas lembra também que tem que lhes ser creditada a função de fazer passar boas ideias e até contribuir para assegurar a vida democrática e dá-nos um exemplo objetivo: “As networks online têm sido utilizadas por progressistas para organizar a resistência (por exemplo, em Hong Kong,) à propagação da opinião num só sentido”. Já Howard Ramos destaca que apesar de ser verdade que os “espaços públicos online como as redes sociais têm permitido uma interação mais radical e não filtrada o que pode ser mau quando cria câmaras de eco e as pessoas não são expostas a desacordos e a um conjunto mais amplo de ideias”, há um outro lado que torna as diversas plataformas de redes sociais importantes para um certo equilíbrio na sociedade “por exemplo quando pessoas marginalizadas podem encontrar comunidades” onde se sentem acolhidas e protegidas.

A questão é – em quem e no que podemos acreditar hoje em dia? A mentira – nas suas mais variadas formas, seja uma mentira piedosa, uma mentira do discurso político ou científico, ou mesmo, por vezes, as meias-verdades veiculadas pelos meios de comunicação social – é cada vez mais uma realidade e, de certa forma, conscientemente aceite pela sociedade? William Magee responde-nos de forma inequívoca “sim – suspeito que as mentiras são provavelmente mais prevalecentes atualmente e que a questão da confiança é enorme. Mas a maioria das pessoas agora sabe isto. Em alguns pontos do mundo, a maioria das populações, talvez se confie demasiado facilmente”.

Independentemente de tudo e falando de uma forma mais abrangente, quisemos saber até que ponto são “admissíveis” e até, eventualmente importantes as omissões e/ou mentiras. Será que podem facilitar, em certos casos, as nossas relações interpessoais e a nossa convivência em sociedade? William Magee acha que são, “mas há diferentes maneiras de ver isto – por exemplo, é mais fácil seguir com o fluxo e não desafiar o poder e, por outro lado, as pessoas não são perfeitas e estão sempre a encobrir imperfeições. É gracioso e simpático agir com tato e deixá-las encobrir, em alguns casos”. Já Howard Ramos considera que “as mentiras fazem parte das sociedades humanas. Por vezes, elas são necessárias. Por exemplo, se o seu amigo perguntar se tem mau aspeto, pode ferir os seus sentimentos e ser-lhe prejudicial se disser que sim. No entanto, também há limites, quando as mentiras são utilizadas maliciosamente com a intenção de minar ou prejudicar. No nosso ambiente atual, temos ambos os casos e os meios de comunicação social oferecem uma plataforma para que ambos os tipos de mentiras sejam amplificados, muitas vezes sem controlo, o que por sua vez significa que têm um alcance e impacto mais amplos – tanto positivos como, mais frequentemente, negativos”.

Voltando à pergunta inicial – o que é que tudo isto está a fazer à saúde das democracias? – pois bem, evocando a frase de Bob Marley que dá título a este texto, diria que estamos na fase em que a falta de verdade, ou o uso reiterado da mentira, tortura a nossa confiança no sistema político.

Madalena Balça/MS

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