Temas de Capa

Zero desperdício

UNBOXED MARKET

A palavra mercado, em termos alimentares, pode evocar diferentes visões. Para muitos, aqui na América do Norte, imaginamos o supermercado – grandes lojas que contêm tudo, desde as caixas dos cereais aos sacos de leite, carne armazenada em poliestireno ou pré-embalada, saladas prontas a comer. Noutras áreas, o mundo representa um sítio onde os agricultores vendem os seus bens diretamente ao consumidor. Para mim, a palavra evoca memórias da minha primeira visita a Portugal e da minha caminhada diária ao mercado com a minha avó.

O mercado servia todos os locais e tinha ainda um café para os clientes tomarem uma bebida enquanto se atualizavam nas últimas bisbilhotices. No centro do balcão, estava uma balança grande onde se pesava tudo – fruta, bacalhau, açúcar, até barras de sabão eram cortados de um pedaço grande, pesados e enrolados em papel. Os mantimentos eram depois empacotados no saco de palha da minha avó e transportados para casa. Esta vibe de compras do mundo antigo foi levada para o coração do Little Portugal e o seu nome é Unboxed Market.

Fundado por Michelle Genttner e pelo seu sócio Luis Martins, o Unboxed Market é a primeira loja de Toronto a ter zero desperdício – pense em lojas de alimentos a granel, depois adicione um café com assados, produtos frescos, ovos, laticínios, um balcão para o talho, artigos para casa e uma mesa quente recheada de refeições deliciosas… depois remova todos os sacos de plástico e plásticos de utilização única. O conceito é simples – os clientes levam os seus próprios recipientes de casa, pesam-nos à entrada, fazem as suas compras, enchem-nos e depois pesam os recipientes cheios e assim pagam só pelo que está lá dentro.

Este par não é estranho aos negócios: foram proprietários e gerentes do Habits Gastropub (mais tarde, Folly Brewpub) desde 2011. Ambos cresceram em áreas rurais e por isso, estão habituados a comprar as carnes e outros produtos em mercados pequenos – a Genttner é do Sul de Ontário e o Martins é originalmente do Algarve, Portugal. O conceito surgiu da ambição do Luis em ser dono de uma mercearia e da vontade da Michelle de “voltar aos básicos”, e quando a mercearia M&M Fruit apareceu à venda, já tinham localização. Compraram a loja no outono de 2018 e funcionava “como estava” até dezembro, quando fecharam para seis semanas de remodelações e reabriram, como Unboxed Market.

A loja original dirigia-se mais à comunidade portuguesa, no entanto o Unboxed Market está a atrair novos clientes. “Esta é uma comunidade mista”, afirma Genttne. “Foi (e ainda é) muito portuguesa, mas existem ainda novas famílias que se mudaram para o bairro, o que nos levou a ser uma loja para todos. Reconhecemos que existe uma comunidade à antiga assim como uma nova comunidade, por isso tentamos ter comida que apele a todos”.

Este é um mercado de comunidade. Não existe uma loja grande perto, e para muitas pessoas – especialmente os mais velhos – é aqui que compram os produtos e carne, ou trazem recipientes para levarem o seu almoço ou leite. “O Luis e eu acreditamos que a comida deve ser um bem acessível. É um direito. Não deve ser uma coisa que as pessoas não podem suportar. Considerando isso, tentamos manter as nossas margens o mais baixo possível mas de forma a conseguirmos manter as portas abertas.”

Naturalmente, tentar operar um mercado sem desperdício tem os seus desafios. “Tentar convencer alguns dos distribuidores  e as empresas maiores a reformularem o seu empacotamento, para que seja algo que podemos vender, será sempre um desafio até que compreendam que isto é o que os clientes querem – tem de ser uma mudança dirigida pelos clientes mas também precisamos do apoio do Governo no que diz respeito à legislação. Precisa de ser instigado de baixo para cima, mas também precisa de ser aplicado de cima para baixo – um esforço dos dois lados para garantir que as pessoas beneficiam ao máximo.” As pessoas do Unboxed estão certamente a fazer a sua parte. Trabalham muito para conseguirem trazer as coisas em formatos grandes, seja em caixas grandes, bolsas ou algo que pode ser reabastecido ou reaproveitado na loja. “Os nossos clientes estão a vir aqui e a comprar coisas geralmente sem pacote. As nossas frutas e vegetais não estão empacotadas, os nossos grãos e farinhas são a granel, as carnes são frescas no balcão do talho e os azeites está disponível para ser adquirido através de uma torneira. O nosso leite está disponível da torneira e em pequenas garrafas, que estão sujeitas ao pagamento de um depósito e que são trocadas quando necessário. Este sistema não é exclusivo a comida: a pasta de dentes está em jarros de plástico e os sabonetes são entregues em bolsas, que enviamos de volta à fabrica para reabastecer.”

Outra parte muito importante do mercado é a mesa quente e o café. “São preparados almoços e jantares preparados com produtos em loja, o que nos permite usar produtos frescos antes que se estraguem.” Isto é fantástico porque os produtos são a maior fonte de desperdício numa mercearia. As refeições e os produtos de pastelaria são feitos no andar de baixo, numa cozinha industrial, que tem um fumeiro para os chouriços. Os chouriços são feitos com a receita M&M original, que tem mais de 50 anos, e são vendidos no balcão do talho.

Durante a nossa conversa, a Michelle retira alguns minutos para fazer a conta a um cliente e falar com sua filha. “Isso é um pimento Aloha. Sabias que no Hawai, aloha significa olá e adeus? Assim como Ciao.” Isso fez-me esboçar um sorriso. Tendo conhecido a Michelle apenas há algumas horas, percebi que ela gosta de conversar com os clientes (independentemente da idade), e oferece sempre algo educacional para levarem para casa.

Reparei numa grande variedade de clientes – desde novos pais a fazer compras com as crianças a seniores – o que me fez pensar se muitos destes clientes seriam novos a adaptarem-se a um “estilo de vida mais sustentável”. A Michelle disse-me que embora muitos já tenham aceitado, outros ainda estão a tentar perceber o conceito, mas nisso o staff ajuda. Se um cliente vier à procura de cebolas e quiser um saco de plástico, eles explicam educadamente “Desculpe, nós não temos sacos plásticos com cebolas, porque não vendemos nada em sacos de plástico, mas poderá comprar cebolas aqui, tantas quantas quiser.” A maioria da população mais idosa é atraída para o mercado pela nostalgia, enquanto que os clientes mais novos e de meia idade são aliciados pelo foco ambiental do mercado – seja como for, é uma vitória para o planeta.

Outro cliente dirige-se à caixa para pagar e reutiliza um saco antigo do Unboxed Market. No final do saco está um recibo de outra mercearia e a Michelle elogia-o por reutilizar o saco.

“Reutilizar e reaproveitar é importante”, diz-me. “Algumas pessoas criaram involuntariamente um estigma que não se pode usar plástico… podem sim. Se tiverem, usem. Não comprei frutos em embalagens, mas se tiverem essas embalagens, tragam-nas e encham-nas aqui. Reaproveite. São também ótimos para escolher jogos de crianças – porquê sair e comprar recipientes de plástico quando já os tem? É uma questão de realinhar o seu pensamento para pensar “o que mais posso fazer com isto”. Ouvir isto foi reconfortante, pois já todos conhecemos alguém que nos julga, o que infelizmente desencoraja muitas pessoas.

Antes de nos despedirmos, a Michelle ofereceu ainda mais algumas dicas. “A forma mais fácil de começar é não tentar fazer tudo de uma só vez. Escolha uma divisão da sua casa e descubra onde pode adotar uma situação ambientalmente consciente. Se escolher a sua casa de banho, reabasteça o seu shampoo e condicionador e troque as lâminas para as reutilizáveis. As lâminas seguras duram mais tempo, a pega é para sempre, e assim que a lâmina se gastar, é reciclável. Se estiver à compra de alimentos, faça um plano de refeições e utilize os restos de comida. O desperdício de comida é um problema muito sério no Canadá. Deitamos fora toneladas de alimentos perfeitamente comestíveis ou estraga-se porque não planeámos bem as nossas refeições. Se tiver restos de vegetais, faça uma sopa ou junte-os a um batido.”

Para mim, o Unboxed Market foi uma mistura agradável de nostalgia, que experienciei no café enquanto tomava o meu espresso, edicas educativas que ficaram para sempre comigo, enquanto tento tornar os 6 R’s numa parte integrante do meu dia a dia.

Os 6 R’s do zero desperdicio

Todos aprendemos os 3 R’s – Reduzir, Reciclar e Reutilizar. Agora temos 6 R’s – Refuse, Reduce, Repair, Re-purpose, Rot & Recycle (nessa ordem).

O desperdício zero começa com a recusa de coisas. Reduz o que quer que seja que tenhas e usa-o para poupar recursos. Substitui os decantareis por opções reutilizáveis, e repara as coisas em vez de as deitares fora. Leva os orgânicos para a compostagem e deixa-os apodrecer. E finalmente, garante que reciclas o que sobra.

David Ganhão/MS

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