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Uma visão de futuro

CAMOES TV -RITA SOUSA TAVARES (1)

 

Quando se trata de falarmos do futuro de uma comunidade que se construiu, ao longo do tempo, num país diferente do seu, é crucial procurarmos saber quais foram as bases culturais em que assentou o seu desenvolvimento. Só assim se perceberá o que é hoje e, mais importante, por onde deve passar o seu futuro.

Rita Sousa Tavares, nos últimos dois anos, assumiu as funções de Adida Cultural da Embaixada de Portugal, no Canadá, o que lhe deu uma visão próxima, mas suficientemente distanciada, para nos fazer agora o desenho daquilo que encontrou nesta comunidade e do que poderá vir a ser daqui para a frente.

Sublinhando a capacidade empreendedora e a extraordinária rapidez de progressão profissional como elementos que mais a impactaram quando começou a tomar contacto com os portugueses residentes no Ontário, Rita Sousa Tavares destacou a falta de união e uma ideia cultural muito ancorada no passado (a que chama “cultura da saudade”) como sendo dois fatores que também marcam a chamada comunidade portuguesa. Quanto ao futuro, Rita Sousa Tavares acredita que as novas gerações transitarão para um modelo de integração “muito mais contemporâneo, muito mais cosmopolita e muito mais multicultural”.

Milénio Stadium: O que mais a impressionou quando começou a tomar contacto com a comunidade portuguesa em Toronto e respetivos eventos?
Rita Sousa Tavares: O que mais me impressionou foi o empreendedorismo e a capacidade de trabalho da comunidade. Sempre ouvi dizer que o melhor de Portugal nem sempre está lá dentro, do ponto de vista humano. Eu acho que ser imigrante, só por si, já demonstra muito de uma pessoa, uma capacidade de melhorar – como dizia Fernando Pessoa “não vestir sempre as mesmas roupas”. E, portanto, percebe-se muito isso na personalidade ativa e lutadora de todas as pessoas com quem eu me tenho encontrado. Depois tenho sentido verdadeiramente um espírito solidário, sobretudo entre as mulheres, que é uma questão que eu acho que ainda não é tão óbvia em Portugal. Mas há realmente uma imensa interajuda na comunidade feminina em Toronto e vejo pelas várias mulheres com quem tenho lidado, a quem peço ajuda nas mais variadas circunstâncias. E realmente é incrível ver como há muito essa defesa e essa vontade de afirmação feminina, que foi sempre uma questão a explorar, a desenvolver e a melhorar. Sinto que a comunidade portuguesa feminina no Canadá é, no fundo, um reflexo do que do que nós queremos que venha a ser um dia em Portugal, no ponto de vista da interajuda e da defesa. Esta união é incrível. Depois, outra coisa que me impressionou imenso na comunidade do Canadá foi perceber a rapidez de progressão profissional. A celebração de 70 anos da emigração portuguesa para o Canadá reflete isso mesmo. Temos por exemplo um caso de uma juíza do tribunal provincial que é filha de um homem que chegou ao Canadá e tudo o que levava era a roupa do corpo e uma enxada. Mais nada. E este salto de progressão não só se reflete no sistema social, num país muito desenvolvido que é o Canadá, como esta vontade de lutar e de vencer na vida que eu descrevi anteriormente.

MS: Enquanto Adida Cultural da Embaixada portuguesa em Toronto, como avalia o estado da cultura portuguesa na GTA?
RST: Eu acho que depende do que entender por cultura portuguesa. Temos duas vertentes, por um lado uma cultura muito popular e que é praticada quase no dia a dia pelas próprias comunidades; refiro-me aos ranchos folclóricos, etc. Toda essa extensão da cultura popular portuguesa está muito bem representada, porventura até melhor do que em Portugal, eu arrisco-me a dizer que há mais ranchos folclóricos na GTA do que em Portugal inteiro, tenho quase a certeza que isto é uma realidade, porque de facto, o rancho folclórico infelizmente está quase em vias de extinção em Portugal. Portanto, eu sinto muito essa cultura popular muito ativa. Sinto que a nível da arte contemporânea portuguesa e a nível de penetração também da música portuguesa atual, não estou a falar só de fado, refiro-me às várias vertentes musicais, sinto que há ainda um enorme caminho a percorrer. Mesmo enorme. Agora, dos projetos com que tive contacto nestes dois anos, e tendo em consideração que apanhei uma pandemia que bloqueou grande parte das atividades (passaram a ser virtuais ou foram canceladas), sinto que há uma grande abertura por parte dos museus a acolherem artistas portugueses, por parte dos festivais literários a acolherem escritores portugueses e por aí fora. Francamente sinto que há um interesse e uma curiosidade enorme, até porque há um grande interesse e curiosidade por Portugal em si. Portanto, a cultura vem em extensão, desde a gastronomia, música, cultura, no fundo tudo vai bater no mesmo ponto que é: o mundo está com os olhos em Portugal, por várias razões. Estamos ainda a gozar desta nossa fase dourada e por exemplo agora em Lisboa, de facto, só se vê turistas pela rua. É impressionante. O turismo está a voltar em força e eu acho que os canadianos também estão a olhar para Portugal com imensa curiosidade e experimentarem a nossa cultura é uma forma de começarem a viagem a Portugal.

MS: Estava a ouvi-la falar e é interessante que a Rita quase que faz aqui uma separação entre os canadianos (alguém que não é português) e a forma como veem a nossa cultura, com um olhar mais atual, e por outro lado, os portugueses que vivem aqui na comunidade portuguesa de Toronto para quem, se calhar, a nossa cultura será outra coisa… É isso que sente?
RST: Já senti mais, já senti mais… E acho que isso teve a ver com os muitos anos de investimento na chamada “cultura da saudade”, o “mercado da saudade”. E a comunidade acabou por ficar muito ancorada e parada no tempo em relação ao que é a cultura portuguesa. Acho que hoje em dia há imensas demonstrações, sobretudo em Toronto, de lojas, de projetos, que já integram o Portugal contemporâneo, vão buscar o melhor do Portugal contemporâneo. Acho que a nova geração já tem uma leitura muito mais integrada e diversificada do que é a cultura portuguesa, sem dúvida. As gerações de cima não tanto. Mas é engraçado porque, por exemplo, no caso de artistas como o Vhils, quando eu cheguei a Toronto, não havia uma pessoa com quem eu conversasse da comunidade portuguesa que soubesse quem ele era. E agora, de repente, já tenho lusodescendentes a perguntarem-me como podem ver mais coisas do Vhils, em que galeria que ele está representado, etc. Portanto, começo a sentir que já há uma curiosidade… Isto é um caminho que tem que se ir abrindo passo a passo. Claro que o turismo ajuda bastante, a vinda da comunidade portuguesa a Portugal ajuda muito, se não vierem só à procura de sol e praia, se fizerem turismo cultural, que é o turismo mais interessante que há, porque é o mais qualificado, acho que vai com certeza ajudar depois a exportar a nossa cultura para o Canadá.

MS: O que na sua opinião precisa de ser incrementado ou alterado, aqui na nossa comunidade?
RST: Às vezes sinto, quando falo com associações representativas, que podia haver mais união. A união a que eu me refiro no segmento mais feminino, não sei se encontro do ponto de vista do associativismo. Às vezes sinto que podia haver um bocadinho mais de união, mas isso não é um problema da comunidade portuguesa. Isso é um problema generalizado.

MS: Que papel tem a Embaixada de Portugal e as entidades governamentais no incentivo à promoção da portugalidade na diáspora, neste caso, no Canadá?
RST: Tem um papel muito ativo, sobretudo no elemento, porventura, mais importante e que com mais força se quer implementar, que é o ensino da língua portuguesa. Eu acho que a grande batalha a travar a essa, é aumentar cada vez mais o ensino e incrementar o ensino do português entre a comunidade portuguesa, entre as crianças e a geração do meio. Nós sabemos que, por várias razões, o português começou a ser esquecido. Muitas vezes os filhos de portugueses, em vez de aprenderem português com os pais, faziam de professores de inglês para os pais, e isso é perfeitamente legítimo e compreensível. Os pais chegaram e queriam começar a trabalhar, precisavam de aprender inglês de forma mais rápida possível e ninguém melhor que os filhos para lhes ensinarem, porque estavam eles próprios a aprender. O problema disso é que, depois de facto tornou a minha geração e a geração abaixo da minha, muito deficitárias no ensino do português. Há casos de pessoas que foram duas ou três vezes a Portugal e têm um português quase perfeito, mas depois há outros casos em que quase não falam. E realmente eu acho que esse é o papel fundamental do ponto de vista da promoção da cultura portuguesa. O mais importante é a promoção da língua.

MS: É quase unânime a ideia de que os jovens luso-descendentes ou os novos imigrantes não se envolvem no modelo existente da comunidade portuguesa aqui na GTA. Nesta perspetiva, que futuro antevê para a comunidade portuguesa?
RST: Acho que o Canadá, e especialmente Toronto, tem um tecido social tão complexo… Não é um melting pot, porque ainda há alguma segregação de nacionalidades, mas a verdade é que convivem nessa cidade imensas nacionalidades. Portanto, primeiro, achar que a comunidade portuguesa vai continuar a ser só comunidade portuguesa é um erro. A comunidade portuguesa vai naturalmente misturar-se com tantas outras comunidades, como aliás já se tornou evidente. Sinto que sim, a geração mais jovem nega, com certeza, a cultura que os pais querem talvez impor. Da mesma maneira que nós, que eu e a Catarina, não queremos ouvir as músicas que os nossos pais ouviam, gostamos delas, respeitamos, de vez em quando apetece-nos ouvir, mas não faz parte da nossa playlist preferencial. Portanto, é exatamente a mesma questão. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e é só isso. Por isso é que é importante fazer este shift e eu acho que já toda a gente entendeu, principalmente os agentes envolvidos – o Turismo de Portugal e o Instituto Camões – que estão por trás, no fundo, da promoção, já perceberam que o “mercado da saudade” pode fazer eco junto de algumas pessoas, mas que já não “vende”, digamos assim. Portanto, eu acho que esta geração vai naturalmente transitar para um modelo muito mais contemporâneo, muito mais cosmopolita e muito mais multicultural, que no fundo é o que se quer.

Catarina Balça/MS

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