Um telemóvel para as crianças estarem contactáveis? Sim! Um telemóvel com internet? Não!
Em Portugal surgiu recentemente o Movimento Menos ecrãs, Mais vida. Sim, adivinhou, trata-se de um movimento de reflexão e ação sobre a exposição excessiva a ecrãs na infância e adolescência. Trata-se, afinal, conjunto de pessoas que defende que as crianças e jovens devem viver mais, estabelecendo relações interpessoais, afastando-se o mais possível dos ecrãs de modo a “preservar a sua saúde física e mental”.
Na atividade que têm vindo a desenvolver, num espaço ainda bem curto, já que o movimento tem pouco mais de seis meses de existência, quatro mulheres têm conseguido colocar na ordem do dia esta temática, trazendo argumentos “sustentados em publicações científicas” que fundamentam a sua luta “contra a presença de smartphones nas escolas e contra a excessiva digitalização do ensino”. Mónica Pereira é uma das fundadoras deste movimento e explicou-nos melhor o que defendem e o que pretendem alcançar.
MS: Por que razão é que decidiram criar o Movimento Menos ecrãs, Mais vida?
Mónica Pereira: Em maio de 2023, eu lancei uma petição de forma individual com o nome “Viver o recreio escolar sem ecrãs de smartphones”. A partir daí, durante esse ano, tive muitos contactos de pessoas que eu não conhecia. Algumas mães, pais… passados uns meses decidimos juntar-nos para criar um movimento maior. Em Espanha já havia um movimento também e nós víamos esse movimento a acontecer. E então, em janeiro deste ano de 2024, decidimos lançar o movimento. Para quê? Para voltar à carga com o tema que eu lancei na petição e para também sensibilizar para a suspensão do projeto piloto dos manuais digitais. Portanto, temos aqui duas frentes e o objetivo do movimento era isto mesmo – termos mais força e alargar um pouco o âmbito também ao tema dos manuais digitais.
MS: Mas por que razão é que se lembrou e fez a tal petição para acabar com os telemóveis nos recreios?
MP: Eu costumo fazer muitas ações pequeninas que sejam ou por um buraco na rua, ou porque é preciso um caixote de lixo para o vizinho do lado. várias coisas. Eu costumo fazer muitas coisas e isto foi algo que aconteceu e fiquei sensibilizada com os relatos dos filhos dos meus amigos que tinham ido para o quinto ano que diziam que não brincavam no recreio porque estavam todos com os telemóveis. Foi quando eu perguntar a mim própria, mas então os miúdos vêm para casa relatar que não brincam? Esta é a realidade de miúdos de nove, dez anos? São idades em que precisam ainda de brincar. E foi isso que me levou a lançar a petição.
MS: O que é que nos levou até aqui? Como foi possível chegarmos a este ponto?
MP: Eu acho que nós todos, adultos, sendo pais ou não, sabemos que estamos a ser envolvidos no sistema que existe, de consumismo muito promovido por estas marcas, por estas empresas gigantes de tecnologia. A maior parte das pessoas, tem um telemóvel/smartphone. Daqui a uns meses, esse telemóvel já é obsoleto porque, entretanto, já houve uma nova criação ou mais rápida ou que tira melhores fotografias. Portanto, todos nós, adultos, independentemente de sermos pais, fomos engolidos por isto. E estamos dependentes? Porque temos um minicomputador no bolso, não é? As empresas fizeram com que as pessoas, os trabalhadores, tivessem telemóveis, smartphones para estarem contactáveis a toda a hora. Por exemplo, os emails são consultados muitas vezes num telemóvel. E quando esses telemóveis passam a ser “obsoletos” a tendência é oferecer aos filhos. E, portanto, eles vão adotar um smartphone. Aquilo que defendemos é o que vários psicólogos e médicos neste momento defendem e outros movimentos noutros países, é que se ofereça um telemóvel para as crianças estarem contactáveis, mas sem internet. Nós defendemos que a entrega de um smartphone deve ser adiada o mais possível, pela distração que representa. Nós todos, adultos, sabemos isto é uma realidade. Se vamos ver uma mensagem do WhatsApp, de repente salta mais uma notificação de outra aplicação qualquer, e já não nos lembramos do que queríamos procurar. Portanto, a nossa atenção é completamente desviada por tudo o que está dentro de um smartphone. No espaço escolar, aquilo que nos apercebemos foi que nos recreios as crianças deixam de brincar e o foco passa a ser o telemóvel. E a escola, no nosso entender, não deve ser o espaço onde as crianças partilham, por exemplo, conteúdos pornográficos entre elas e estão no recreio à volta de um telemóvel a ver este tipo de conteúdos. Isto passa-se. Claro, que o podem fazer fora da escola, é verdade, mas na escola não faz nenhum sentido. Além de que aumenta questões de cyberbullying, que é, de facto, um transtorno para as crianças que o sofrem. Porque não fica ali, naquele espaço. É partilhado para toda a gente.
MS: Ganha uma outra dimensão…
MP: Uma dimensão muito maior. Mas para além desta questão, nós também consideramos que as salas de aula devem estar equipadas com computadores. Não somos contra a tecnologia, pode parecer que somos, pela forma como falamos e defendemos esta proibição dos telemóveis nas escolas. Não somos. É lógico que todos nós sabemos que temos que aprender a trabalhar com o computador, que é o presente e o futuro. Nós todos temos que trabalhar com o computador. Mas atualmente há professores no quinto ano a pedir para fazer testes e pesquisas em smartphones. O smartphone não faz parte da lista de material. Há crianças no quinto ano que não o têm, claro. Acho que é importante que as escolas estejam equipadas com projetores, câmaras de vídeo, para fazerem trabalhos com as crianças. Tudo o que for necessário para que as crianças possam fazer as pesquisas. Mas não digam às crianças para levarem um smartphone para dentro da escola. Está provado que as crianças, depois de usarem o smartphone, demoram 20 minutos até conseguirem estar concentradas. Por exemplo, faz-me muita confusão pensar que uma criança que está no recreio a jogar online e, de repente, tem que entrar na aula e que o seu cérebro demora ali um bocadinho a desligar-se do jogo ou do que estavam a ver para se concentrarem na sala de aula.
MB/MS
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