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Tudo o que não vos contam sobre ter filhos

 

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Ser mãe é ser tudo o que nunca se tinha sido e não ser nada do que se era antes. Ser mãe é ter uma missão, mas sentir-se perdida no caminho. É muita entrega, sacrifício, muitos dias sem dormir e preocupações que não acabam. É ser sentido de responsabilidade movido por amor que não se explica. Ser uma mãe emigrante, é ser-se mãe sem a rede de apoio que toda a gente diz ser essencial, mas da qual poucos querem participar. Ser mãe é ouvir muitas críticas, principalmente de pessoas que não fizeram nem fariam melhor.

A nossa sociedade evoluiu, as mulheres passaram a ser protagonistas da própria vida. Saíram de casa à procura de liberdade financeira – algo essencial para quem quer ser dono de si próprio. Cada vez mais a mulher ganha destaque em todos os setores da economia. O papel da mulher na sociedade mudou, mas não mudaram as expectativas. Espera-se tanto de uma mãe e tão pouco de um pai. Quando a mãe acorda, prepara a criança para a escola, vai trabalhar, vai buscar a criança, faz o jantar, brinca, arruma, adormece a criança – essa mãe é só uma mãe. Quando um pai o faz, esse pai é um ótimo pai porque ajuda.

São estes estereótipos antiquados que alimentam as culpas de uma mãe, e esse talvez seja o maior desafio da maternidade – o nunca se sentir que se faz o suficiente. Uma mãe continua a ser uma mulher mesmo depois que a criança nasce, com objetivos que podem incluir a família, mas que também vão além dela. Uma mãe que escolhe não abdicar de uma carreira, é egoísta e não devia ter sido mãe. Uma mãe que escolhe ficar em casa é preguiçosa e sem expectativas de vida. Há quem diga que não se pode ter tudo, ou será que não se pode ter tudo porque realmente uma pessoa sobrecarregada não consegue agradar a todos?

Além da carga emocional e do desgaste físico que vem acompanhado das horas mal dormidas, segue-se uma questão essencial – o lado financeiro. Não basta haver boa vontade, é realmente necessário que a carteira dê conta dos gastos. Viver no Canadá e ter filhos torna-se cada vez mais desafiante para qualquer família. Não basta ser classe média para não considerar o lado financeiro de se ter filhos. O aumento do custo de vida, faz com que famílias numerosas vivam em cubículos, com que a alimentação não seja a melhor e com que o bem-estar das crianças possa ser posto em causa. Apesar do período de licença de maternidade ser bastante generoso no Canadá, apercebi-me depois que isso talvez seja devido à falta de lugares disponíveis em infantários. De qualquer forma, dá-nos a oportunidade de acompanhar a criança durante um ano a um ano e meio, mesmo que o retorno financeiro seja pouco durante esses meses. O pior vem depois, quando não se encontra uma vaga num infantário para se voltar ao trabalho. Ou talvez o pior seja mesmo voltar ao trabalho e aperceber-se do que sobra do ordenado depois de se pagar o valor astronómico dos infantários. Antes, estranhava tantas mães em casa a tempo inteiro. Ser mãe é o melhor papel que alguma vez vou desempenhar na vida, mas tinha receio de abdicar do resto daquilo que eu sou e quero ser, do exemplo que quero tentar construir para a minha filha. Hoje percebo que os julgamentos que acabava por fazer na altura, afinal podem apenas ser a (única) escolha financeira de outra pessoa – lá está o julgamento que não gosto e que sem me aperceber também fazia.

Alguns podem-se questionar, mas não existe já o desconto dos infantários que foi iniciativa do governo? Existe um desconto sim, mas onde está o espaço nos infantários? Já estou em lista de espera há dois anos e sem fim à vista. Tendo em conta que esse tal desconto só se aplica até aos quatro anos, parece que vou usufruir nada ou pouco. Portanto, às mães que não querem ficar em casa e que querem procurar criar a sua carreira – resta pagar.
Não se preocupem depois começam na escola, pensava eu – e agora é aí que vem a maioria das minhas preocupações. Primeiro, que financeiramente continuamos a pagar, ninguém que trabalhe a tempo inteiro conseguirá ter a flexibilidade de ir pôr as crianças na escola às 8h30 e ir buscar às 15h30. Pior que o horário só mesmo a qualidade da educação que para um país de ‘primeiro mundo’ deixa muito a desejar. Com a política de passar todos os alunos de ano, independentemente do seu desempenho escolar – suponho que para se livrarem deles mais cedo – são formados alunos que sabem muito pouco e que não criaram bases para enfrentar um mercado laboral competitivo. Mas há opções privadas, se as famílias conseguirem suportar o gasto mensal de 4,000 dólares por filho. Ou seja, mais de 400,000 dólares até completarem o ensino secundário e depois ainda se seguem os estudos universitários. Para agravar o nível de preocupação com o ensino, basta ler as notícias e ficar a par do nível de violência que alunos e professores vivem em ambiente escola. Forma-se o futuro da sociedade como se estivéssemos na selva, onde a única lei é a do mais forte.

Para além dos custos elevados de infantário e educação, seguem-se ainda as atividades extracurriculares que também não são baratas. Uma parte positiva de Toronto, é que a cidade aposta em programas gratuitos para crianças, mas tal como acontece com os infantários, as vagas enchem rapidamente, tornando-se mais a exceção do que a regra aqueles que conseguem desfrutar destas iniciativas gratuitas, ainda mais porque os horários são pouco realistas para quem trabalha. Depois contem também com as saídas em família. O Governo canadiano contribui ainda mensalmente com um abono por cada criança e que leva em conta os rendimentos do agregado familiar, mas desengane-se quem acha que isso é negócio – e se alguém pensa que se deve capitalizar filhos, então façam-nos/lhes um favor e não os tenham. Não sou da opinião que o governo deve financiar tudo para as crianças, até porque quem toma a decisão de os ter são os pais, então os pais é que são os responsáveis e não devem levar esta como uma decisão leviana de quem compra um carro. Contudo, viver em Toronto não é fácil para ninguém, mas está a tornar-se pior para as famílias – isso é um facto.

Cada mãe tem em si três tipos de mães: a que diziam que iam ser na altura em que estavam grávidas e que rapidamente percebem não ser realista; a mãe que gostariam de ser e, por fim, a mãe que conseguem ser, seja por limitações próprias ou do ambiente que a rodeia. Acho que ser mãe nunca foi fácil, mas parece ser cada vez mais difícil (para quem não tem ajuda). Ter filhos exige muito, não é para quem gosta de se colocar em primeiro, é preciso levar o altruísmo a outro nível. E tendo filhos, é preciso pensar em como se quer criá-los, com que valores e em que sociedade. Neste momento, para o que eu pretendia, Toronto não é o sítio certo, pelos pontos que mencionei e pelo espírito consumista que se incute nas crianças desde cedo, a falta de contacto com a natureza, o desequilíbrio entre vida pessoal e trabalho, a falta que faz ter uma família grande por perto. Se Toronto continuar a caminhar por esta estrada, nos próximos cinco anos, além de olhar a parte financeira, terei de ponderar se este é o tipo de ambiente que quero que a minha filha absorva – e neste momento, a resposta é não.

Inês Carpinteiro/ MS

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