Trump, as tarifas e o renascimento dos Liberais

As sondagens mais recentes indicam uma reviravolta nas intenções de voto dos canadianos. Se as eleições se realizassem hoje, os liberais, agora liderados por Mark Carney, surgiriam como os prováveis vencedores, derrotando os conservadores de Pierre Poilievre. Esta mudança de cenário deve-se a um conjunto de fatores, entre os quais se destacam a ascensão de Carney, a saída de cena de Justin Trudeau e, sobretudo, o impacto da política externa dos Estados Unidos, nomeadamente as ameaças tarifárias de Donald Trump.
Para Marcel Wieder, presidente da Aurora Strategy Global, o declínio no apoio a Pierre Poilievre resulta não tanto de uma perda de confiança no líder conservador, mas antes de uma recomposição do xadrez político. A saída de Justin Trudeau removeu um fator de descontentamento para muitos eleitores, permitindo que o Partido Liberal respirasse de novo. Por outro lado, a crescente popularidade de Mark Carney trouxe um novo dinamismo ao partido, com um líder visto como mais bem preparado para lidar com desafios económicos e políticos internacionais.

David Valentin, da Liaison Strategies, reforça esta ideia, apontando que a questão fundamental destas eleições deixou de ser o custo de vida ou os impostos, temas tradicionalmente favoráveis aos conservadores. Em vez disso, a grande interrogação passou a ser: quem tem mais ferramentas para enfrentar Donald Trump e defender os interesses do Canadá numa guerra comercial iminente? Até ao momento, as sondagens indicam que os canadianos acreditam que Mark Carney é essa pessoa.
O homem que assumiu, recentemente, a liderança liberal tem um currículo impressionante no setor financeiro. Com experiência na Goldman Sachs e passagens como Governador do Banco do Canadá e do Banco de Inglaterra, Carney tem um historial sólido na gestão de crises económicas, incluindo a crise financeira de 2008 e o Brexit. Esta credibilidade económica coloca-o numa posição favorável para acalmar os receios dos eleitores perante uma possível recessão impulsionada pelas tarifas norte-americanas.
Segundo Marcel Wieder, os eleitores canadianos estão cada vez mais preocupados com a economia, e a perceção de que Carney tem a capacidade de negociar com Trump de forma eficaz pode ser um fator decisivo no momento do voto. David Valentin acrescenta que, além da sua formação e experiência, Carney também se destaca pelo seu temperamento e postura. Enquanto Poilievre adota uma abordagem mais combativa, muitas vezes com um discurso negativista, Carney projeta uma imagem de calma e competência, algo que pode ser decisivo num período de incerteza económica – “.

Face à ascensão de Carney, os conservadores têm tentado descredibilizar o novo líder liberal, classificando-o como o “escolhido a dedo por Trudeau” e apontando para o que chamam de “década perdida dos liberais”. Poilievre tem insistido em temas como a crise da habitação, o aumento dos impostos e a insegurança, argumentando que um quarto mandato liberal será desastroso para o Canadá. A este respeito Wieder transmite a sua opinião de uma forma muito direta – “Isto é Poilievre. Atirar tudo à parede na esperança de que alguma coisa pegue. A questão do escrutínio é quem consegue lidar melhor com Trump e as tarifas”. David Valentin, confessa que “até certo ponto, concordo com as suas críticas, embora talvez as suas afirmações sejam hiperbólicas e ele vá mais longe do que eu iria – mas isso é boa política na sua opinião e uma boa mensagem. Infelizmente para ele, neste momento, estas não são as questões em que os canadianos se estão a concentrar, independentemente de as suas afirmações serem verdadeiras ou não”. Efetivamente, estas mensagens, embora eficazes junto da base conservadora, podem não ser suficientes para atrair eleitores indecisos, que estão mais preocupados com as implicações económicas das políticas de Trump. Poilievre também enfrenta outro obstáculo: a perceção de que está demasiado alinhado com Trump, uma figura, neste momento, altamente impopular no Canadá. Se os eleitores virem Poilievre como um reflexo do ex-presidente norte-americano, o seu caminho para a vitória torna-se mais difícil.
A 2 de abril, Trump poderá efetivar a sua ameaça de impor um novo conjunto de tarifas sobre produtos canadianos, e este poderá ser um fator crucial que irá interferir de forma decisiva na campanha eleitoral que está a decorrer. Caso isso aconteça, o Canadá será forçado a responder, e a forma como os candidatos lidarem com esta crise será crucial para a decisão final dos eleitores. Wieder lembra a propósito uma célebre frase de James Carville – “É a economia, estúpido” que levará os canadianos a “votar com a carteira”.
Marcel Wieder sublinha que esta guerra comercial poderá afetar diretamente milhares de empregos no Canadá, o que torna ainda mais relevante a escolha de um líder capaz de mitigar os danos económicos. Os debates televisivos serão momentos-chave para ambos os candidatos apresentarem as suas estratégias e conquistarem os eleitores indecisos. David Valentin, por sua vez, alerta que, embora a liderança dos liberais nas sondagens seja significativa, nada está decidido. A volatilidade do eleitorado é elevada e, tal como Trump influenciou o rumo das eleições até agora, novos desenvolvimentos poderão alterar novamente o cenário.
Enfim, o panorama político canadiano sofreu uma reviravolta inesperada, impulsionada pela mudança de liderança nos liberais e pelo impacto das políticas de Donald Trump. Como Valentin sublinha “Quer tenha sido com intenção ou não, o Presidente Trump mudou completamente a política no Canadá”. Mark Carney emergiu como um líder credível, especialmente no que toca à economia e às relações com os Estados Unidos, enquanto Pierre Poilievre luta para recentrar o debate em temas internos.
A campanha está longe de estar decidida, mas uma coisa é clara: os canadianos estão atentos e preocupados com o futuro económico do país. O desfecho destas eleições dependerá da capacidade dos candidatos de convencerem os eleitores de que são os mais aptos para enfrentar um dos momentos mais desafiantes da história recente do Canadá.
MB/MS
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