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Três mulheres, três histórias: A mesma luta pela igualdade de direitos

A história da luta das mulheres pela garantia da dignidade e igualdade de direitos relativamente aos homens, vem de muito longe. Os passos dados nesse caminho cheio de obstáculos têm sido firmes, mas ainda assim difíceis e não suficientes. Todos os anos por esta altura surgem de novo os alertas – é preciso continuar, ainda há muito a fazer… –, juntamente com a enumeração de dados estatísticos que demonstram, de forma clara, que a existência de um Dia dedicado à Mulher, infelizmente, ainda faz todo o sentido. Não para recebermos flores, muitas vezes bonitas por fora, mas vazias de conteúdo, mas antes para lembrar que um mundo, que continua a ser pouco inclusivo, no que diz respeito à igualdade de oportunidades para homens e mulheres, não é justo. Nem espelha a realidade atual.

 

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Joana Vicente, Executive Director & Co-Head, TIFF / Josie Scioli, Deputy City Manager, City of Toronto / Desiree Lopes, Director of Programs, Future Skills Centre, Ryerson University. Crédito: DR

 

As mulheres são mais educadas têm, portanto, tantas ou mais qualificações, mas no mundo do trabalho continuam a ser deixadas para funções de segundo plano. Não é o caso das mulheres que vão integrar o painel moderado por Angie Camara e promovido pela MDC, que se realizará no dia 9 de março próximo, pelas 4 pm, e a que poderá assistir através da nossa página de Facebook ou através da transmissão em direto pela Camões TV. Efetivamente, Josie Scioli, Joana Vicente e Desiree Lopes são exceções à regra. Trata-se de três mulheres líderes, que se afirmam profissionalmente, a cada dia que passa, pelo mérito das suas competências, visão e capacidade de concretização. No entanto, as suas histórias de vida diferentes permitem-nos perceber que, para se atingir o patamar de excelência em que se encontram, a luta é redobrada relativamente aos colegas do sexo masculino.

Josie Scioli, atual Deputy City Manager do departamento Corporate Services Divisions da Câmara Municipal de Toronto, recorda que quando fazia parte dos quadros da Bell Canada durante 18 anos, apenas 3% dos quadros dirigentes eram ocupados por mulheres e ela própria considera que não foi sempre devidamente reconhecida pela sua valia profissional pelo simples facto de ser mulher, mas “eu lutei sempre e nunca deixei que isso me deitasse abaixo, porque é assim que eu sou – a minha mãe ensinou-me a ser assim, ela própria era uma mulher de fibra. Mas olhando para o exemplo dos City Managers, eles são homens, mas por detrás têm quatro mulheres, não homens. Isso na minha opinião diz muito sobre a sociedade de hoje em dia.”. Já Desirée Lopes, atual Diretora de Programas da Future Skills Centre, que começou o seu percurso profissional no Brasil, de onde é natural, sublinhou que o facto de ser mulher e jovem também não lhe facilitou a vida “as pessoas assumem que você é jovem, ou mulher, e você está ali porque “está ajudando”, dando uma assistência, não por estar liderando pensamentos, mudando coisas, trabalhando mais do que as outras pessoas porque precisa de se estabelecer”.

Desirée tem dois momentos que não esquece, entre muitos outros que já marcam a sua história de vida, “eu trabalhava numa start-up no Brasil, uma empresa bem consolidada apesar de ser nova, com investidores do Brasil inteiro, quando cheguei a um workshop para revisar a estratégia da empresa. Eu e uma outra mulher, também jovem éramos gerentes de projeto e, portanto, estávamos à frente de todos os projetos e nesse workshop só falaram homens. Nós não fomos convidadas para falar, mesmo estando na linha da frente da empresa. Lembro-me que depois desse workshop o meu chefe, na época um homem, disse “fiquei muito dececionado com vocês por não terem me ajudado no momento difícil do workshop”, quer dizer, não pensou em nos convidar para fazer uma apresentação, participar, mas depois ainda pensou que a gente não ajudou ele. Outro exemplo, já eu trabalhava nos Estados Unidos (onde estive oito anos), um membro do conselho onde eu trabalhava na Universidade de Yale disse “ah legal o seu trabalho young girl” e eu falei, “nossa, obrigada old man” (risos) então se ele pode descrever a minha idade, também posso descrever a dele”. Afinal, como Joana Vicente, atual Diretora Executiva do Festival Internacional de Cinema de Toronto, afirma “nós mulheres precisamos de trabalhar mais para os nossos esforços serem reconhecidos. Está assumido na nossa sociedade que os homens são olhados pelas pessoas, de forma natural, como líderes e como tal são-lhes proporcionadas melhores oportunidades. Precisamos de continuar a abrir espaço para que as mulheres ocupem cargos de tomada de decisão através da contratação intencional”. Neste contexto, Josie lembra que continua a haver uma disparidade salarial – a remuneração igual, para trabalho igual é, em muitas circunstâncias, uma miragem. Como sublinha Josie Scioli “isso tem sido mudado, mas ainda acontece” e “as áreas onde as mulheres sofrem mais e que se vê que não são tratadas de forma igual é nas posições de liderança. E depois as mulheres acabam por ter menos participação no trabalho, muito por causa do cuidar das crianças e todas as outras coisas que elas têm que realmente de gerir por causa do estereotipo que ainda existe. Eu fui sortuda, porque tive a minha mãe e a minha sogra que me ajudaram muito e também o meu marido, mas nem todas têm essa ajuda e é por isso que é necessário haver muito mais apoio para mulheres, que precisam ser vistas como igualmente capazes e que tenham as mesmas oportunidades.”. Já Desirée afirma “acho que problemas sistémicos como o preconceito de género não mudam por um pensamento ou por algumas iniciativas pequenas. A gente vê porque ainda existe. É muito real porque apesar da boa-vontade de homens e mulheres que estão no mesmo barco e já estão a fazer alguma coisa para tentar melhorar, este preconceito está ainda muito presente. Podemos pensar que há 20 anos as coisas eram muito diferentes, que as coisas mudaram, mas tem muita coisa que ainda vai demorar muito tempo. Mas… a gente tem de começar”. Como diz Josie “há uma discussão de credibilidade de género que tem que existir e acho que se não continuarmos a ter estas conversas, o gap que temos falado vai tornar-se norma e não podemos deixar que isso aconteça”.

Recentemente, com a pandemia que se atravessou no nosso caminho, de novo se evidenciou a real condição da mulher, aos olhos da sociedade em geral. As mulheres são as mais afetadas tanto ao nível profissional, onde a taxa de desemprego é mais elevada do que entre os homens, como nas suas vidas pessoais. Neste último ano foram inclusivamente registados números ainda mais elevados de violência doméstica. Joana Vicente considera, a este propósito que “as mulheres foram mais afetadas precisamente porque carregam o peso do cuidado da casa, dos filhos e por vezes dos seus pais. E fazem tudo isso continuando a trabalhar a tempo inteiro e a fazer o acompanhamento escolar das crianças. E isto já as sobrecarrega em tempos normais, mas durante a pandemia atingiu-as ainda mais.” Já Josie acrescenta que “sabemos hoje que relativamente aos homens, as mulheres estão 1,8% mais vulneráveis relativamente à perda do emprego. As mulheres representam 39% dos empregos globais, sendo que 24% perderam os seus trabalhos com esta pandemia. É substancial. Outra coisa que me preocupa muito é a questão da violência em relação às mulheres, agora que estiveram tanto tempo em casa, fez com que as coisas tomassem proporções maiores e elas não tiveram a possibilidade de falar com alguém, porque estão naquele ambiente e não podem sair dali”.

É preciso fazer alguma coisa para mudar o status quo. Desirée Lopes faz-nos ver essa necessidade de uma forma muito clara e prática – “hoje 80% da minha equipa são mulheres, então muitas têm crianças pequenas, outras com crianças com necessidades especiais, outras que não têm crianças e têm que ser tratadas com o mesmo respeito. E eu sei o que posso fazer hoje: reunir com a minha equipa e perguntar o que estão a precisar, se precisam de um tempo, mais espaço, ou seja, entendemo-nos. As mulheres, geralmente, não sempre, mas geralmente têm maior obrigação com os filhos e eu espero que os governos e a ONU pensem no longo prazo, que precisamos que a licença de maternidade e paternidade sejam iguais. Se não como é que o empregador contrata uma mulher, com as limitações que o empregador tem, não pensando que aquela pessoa, naquela idade pode ter um filho. Temos que atingir um equilíbrio, não dá para pensar que é só no mundo das ideias”.

Por tudo isto, para Joana Vicente o Dia Internacional da Mulher “é uma oportunidade para reconhecer e celebrar as Mulheres que tiveram impacto na minha vida e na indústria do cinema. Por isso estou tão empolgada por apresentar um evento promovido pelo TIFF In Conversation With …, no qual entrevistarei a minha amiga de longa data e lendária cineasta Euzhan Palcy. Ela foi a primeira cineasta negra a ter um filme produzido por um grande estúdio de Hollywood. O filme chama-se A Dry White Season e teve como protagonistas Donald Sutherland, Susan Sarandon e Marlon Brando. Sinto que, até que as mulheres sejam valorizadas na nossa sociedade, precisamos de continuar a celebrar as suas conquistas”. Também Desirée Lopes defende a necessidade da celebração do Dia da Mulher, assim como outros “Dias de” porque para ela “significa um momento em que a gente pode chamar a atenção para algo que muitas pessoas, muitas organizações, muitos grupos trabalham todos os dias e tentam fazer com que os direitos das mulheres estejam mais presentes, mais reais e mais tangíveis para o trabalho de todos nós”. Josie Scioli diz que para si o Dia da Mulher “significa solidariedade, significa união, é sobre nos apoiarmos uns aos outros, significa celebrações, dar a devida luz a grandes conquistas, é sobre encorajar todas as mulheres, de todas as áreas (sociais, económicas e culturais), a partilhar as suas histórias. Acho que as histórias são mesmo muito importantes para que as pessoas entendam melhor – sejam elas de sucesso ou de desafios, não interessa. Porque para mim é isso que inspira as pessoas, é isso que é importante”.

Catarina Balça/MS

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