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Toma lá, dá cá

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Se o futuro já se pintava em tons de negro enquanto ainda vivíamos os dias em que não se falava de mais nada a não ser sobre a Covid-19, eis que surge uma nova – e igualmente triste e dura – batalha. O conflito entre Rússia e Ucrânia, iniciado a 20 de fevereiro deste ano, veio provocar uma ainda maior instabilidade, criando uma onda de choque que fez disparar (ainda mais) os preços da energia e da alimentação que, como bem sabemos, já vinham a registar consideráveis aumentos desde o período pós-pandemia. A forte procura, a falta de mão de obra, consequentes problemas nas cadeias de abastecimento e o aumento dos custos da energia estão a motivar um aumento da inflação – que mede a taxa de aumento dos preços de bens e serviços essenciais – a nível mundial e a zona euro é sem dúvida uma das mais afetadas.

Basta dizer que o Banco Central Europeu, que tem como principal mandato manter a inflação o mais próximo possível da meta de 2%, agravou as previsões de inflação para 8,1% em 2022 (ao contrário dos 6,8% definidos em junho), 5,5% em 2023 e 2,3% no ano seguinte. Ora, em agosto, a taxa de inflação atingiu o valor mais alto desde a criação da moeda única: uns impressionantes – e assustadores – 9,1%. Mas fica pior: na União Europeia o valor ascende aos 10,1%.

Em Portugal, mais concretamente, a inflação registou, pela terceira vez consecutiva, um valor acima da média dos países euro: 9,4%. Este é um novo máximo, que não se registava desde novembro de 1992.

Trocando por miúdos, o que tudo isto quer dizer é que nos dias que correm os portugueses, já habituados a “apertar o cinto”, se veem na iminência de nem sequer terem calças para vestir…

Com cada vez menos alimentos a chegarem às mesas dos lares portugueses – já que os ordenados são os mesmos e têm que pagar, por exemplo um aumento de 50% na pescada fresca, mais de 40% no óleo alimentar vegetal e 20% nos cereais, que resultam num aumento, desde fevereiro, de cerca de 22 euros num cabaz de alimentos considerados essenciais – e com os preços da eletricidade e dos combustíveis em alta, o Governo português decidiu criar um pacote de medidas para tentar fazer face a este verdadeiro pesadelo.

O pacote, a que o governo deu o nome “Famílias Primeiro” e que terá um custo de 2,4 mil milhões de euros, inclui oito medidas que têm como objetivo apoiar os mais vulneráveis sem gerar uma espiral inflacionista, segundo o primeiro-ministro António Costa. Vamos tentar percebê-las melhor… e, sobretudo, ler nas “entrelinhas”:

CHEQUE DE 125€

Em outubro, cada português com rendimentos brutos mensais até 2.700 euros receberá um “cheque” de 125 euros – um valor atribuído por pessoa e não por agregado familiar e que não abrange os pensionistas.

Esta ajuda aplica-se assim “a todos os que são contribuintes em IRS, àqueles que em função dos seus rendimentos estão isentos de pagar IRS ou de apresentar declaração de IRS” e também a beneficiários de prestações sociais, tais como subsídio de desemprego ou rendimento social de inserção. Quer isto dizer que não só quem ganha o ordenado mínimo receberá o mesmo valor do que quem recebe 2.700€ como também que dividindo este valor pelos 12 meses do ano ficamos com uma ajuda de… 10,41€ por mês – isto numa altura em que um cabaz de produtos considerados essenciais já ultrapassa os 200€.

Se não existem dúvidas de que este apoio é injusto e deveria acompanhar o nível de rendimentos, especialistas alertam também para o facto de que tal iria atrasar a atribuição deste apoio urgente. Por isso mesmo é que muitos destes especialistas consideram mais importante (e viável) um acerto nas tabelas de IRS do que a atribuição destes 125€.

MAIS 50€ POR FILHO

Esta segunda medida é como que uma extensão da primeira: para além dos 125€ – e independentemente do rendimento que as famílias auferem – serão atribuídos 50 euros adicionais “por cada descendente, criança ou jovem, que tenham a cargo”. Este valor aplica-se aos jovens até aos 24 anos e também será pago em outubro. Ou seja, numa família em que o casal aufere, individualmente, até 2.700€ brutos mensais e que possua dois filhos receberá um cheque extraordinário de 350€.

Neste caso, e fazendo novamente as contas, o valor do apoio passa para os 29,16€ mensais.

BÓNUS PARA PENSIONISTAS

Os pensionistas irão receber, em outubro, um apoio equivalente a 50% do valor da sua pensão. Por exemplo: quem recebe 500€ de pensão terá direito a um “bónus” de 250€.

Este pagamento extra só se dirige aos pensionistas que têm direito à atualização anual, excluindo assim aqueles que recebem valores acima de 12 vezes o indexante de apoios sociais.

LIMITAÇÕES EM 2023

Não há bela sem senão: apesar de receberem este complemento em outubro, os pensionistas verão, em 2023, o mecanismo normal de atualização automática ser afastado. Em condições normais, este ditaria aumentos entre os 7,1% e os 8% a partir de janeiro do próximo ano, mas esta medida, que implica a apresentação de uma proposta de Lei no Parlamento, faz com que a previsão do Governo seja de uma atualização de 4,43% para as pensões até 880 euros mensais, de 4,07% para as que tenham um valor entre 886 euros e 2.659 euros e de 3,53% para as restantes pensões que tenham direito a atualização.

Apesar disso, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, assegurou que no conjunto de todas as medidas (bónus de meia pensão e os aumentos mais baixos do próximo ano) o valor a receber será o mesmo caso se mantivesse a atualização entre 7,1% e 8%.

Já o que acontecerá em 2024 ninguém parece saber… ou pelo menos querer esclarecer. Ana Mendes Godinho aponta à dependência do desenvolvimento económico em 2023, Fernando Medina, ministro das Finanças, coloca prioridade na redução da dívida pública e o primeiro-ministro António Costa admite aumento extraordinário das pensões, mas não se compromete. “Ninguém, em janeiro de 2024, vai receber menos do que recebia em dezembro de 2023”, declarou o primeiro-ministro, esquecendo que não é essa questão que está em cima da mesa: em 2024 haverá um aumento conforme existe todos os anos, o problema é que – caso não exista o tal aumento extraordinário – o mesmo será inferior ao que poderia ser, caso o Governo não tivesse alterado as regras para 2023.

TRANSPORTES “CONGELADOS”

No que aos transportes diz respeito, o Governo português decidiu congelar o preço dos passes dos transportes públicos e dos bilhetes da CP (Comboios de Portugal), em 2023, sendo que tanto a CP como as autoridades de transportes serão devidamente compensados.

RENDAS LIMITADAS

O aumento do valor das rendas também será limitado: o travão na atualização das rendas em 2023, para contratos habitacionais e comerciais, estabelece que as rendas só poderão sofrer um aumento de até 2% – os proprietários/senhorios receberão, contudo, uma compensação no IRC e no IRS.

FAÇA-SE LUZ… OU QUEREM PÔR-NOS A DORMIR?

Também o IVA da eletricidade sofrerá uma redução a partir do próximo mês de outubro: passando de 13% para 6% até dezembro de 2023. Mas esta medida, explicada assim de forma tão “simplista”, pode induzir em erro. É que este “desconto” fiscal apenas será aplicado aos primeiros 100 kWh consumidos em cada mês – ou de 150 kWh mensais, no caso das famílias numerosas -, desde que a potência contratada não supere os 6,9 kVA. Já os consumos acrescidos continuarão a ser tributados a 23%.

Na prática, a poupança será de cerca de 12 euros por ano numa casa com um consumo médio de 90kWh. Ou seja… 0,97 cêntimos por mês. Segundo a Associação dos Comercializadores de Energia no Mercado Liberalizado, as poupanças não deverão ultrapassar os 1,6 euros mensais.

REGRESSO AO MERCADO REGULADO

No gás, e como o Governo já havia anunciado, os consumidores finais de gás natural com consumos anuais inferiores ou iguais a 10 mil m3 têm já desde o passado dia 7 de setembro a possibilidade de regressar ao mercado regulado – isto traduzir-se-á numa descida na conta mensal de pelo menos 10% para um casal com dois filhos, conforme exemplificou o chefe de Estado.

É que, segundo o Governo, apesar de ser esperado um aumento de 3,9% no preço do gás no mercado regulado a partir de 1 de outubro, esse valor será, ainda assim, 10% mais baixo em relação à oferta mais barata do mercado livre “e 60% mais baixa face à comercializadora com mais clientes”.

Esta medida deverá vigorar durante um período de 12 meses.

COMBUSTÍVEIS

Até ao final de 2022 manter-se-á a suspensão do aumento da taxa de carbono, a devolução aos cidadãos da receita adicional de IVA e a redução do imposto sobre produtos petrolíferos: tudo isto traduz-se numa poupança que ronda os 16 euros num depósito de 50 litros de gasóleo e os 14 euros num depósito de 50 litros de gasolina.

O APOIO ÀS EMPRESAS

No que às empresas diz respeito, o Governo avançou posteriormente com o pacote “Energia para Avançar”, avaliado em 1400 milhões de euros, que se desdobra também ele em diferentes medidas. São elas:

NOVAS LINHAS DE CRÉDITO

Uma nova linha de crédito, aberta a todos os setores de atividade e com um valor de 600 milhões de euros, será operacionalizada pelo Banco de Fomento até à primeira quinzena de outubro. Esta linha, destinada às empresas afetadas pelos aumentos no preço da energia, matérias-primas e perturbações nas cadeias de abastecimento, é de garantia mútua, tem um prazo de oito anos e carência de capital de 12 meses.

Para além desta, existe também agora uma linha de financiamento para o setor social de 120 milhões de euros, destinada às IPSS ou entidades equiparadas sem fins lucrativos, com duração até 31 dezembro 2023. Mais ainda, as IPSS terão também acesso a uma comparticipação financeira face ao aumento do gás, medida que resulta em mais 120 milhões de euros. São, de facto, medidas mais vantajosas, mas não deixamos de estar a falar em linhas de crédito que, para o bem e para o mal, são sinónimo de… (maior) endividamento – crítica que não deixou de ser apontada pela oposição.

APOIO ÀS INDÚSTRIAS INTENSIVAS EM GÁS

Extensível às indústrias transformadoras e agroalimentares – que terão acesso a 15 milhões de euros – e com um valor global de 235 milhões de euros (um reforço aos 160 milhões já existentes), esta medida prevê o aumento do apoio por empresa, que passa de 400 para 500 mil euros, e ainda uma taxa de apoio de 30% para 40% dos custos com gás natural face ao ano anterior, “desde que haja mais do dobro dos gastos em energia”, conforme esclareceu o ministro António Costa Silva.

As empresas que apresentem um maior consumo de gás poderão ter acesso até 2 milhões de euros e aquelas em risco de fechar até 5 milhões de euros.

DESCARBONIZAÇÃO E INTERNACIONALIZAÇÃO

As medidas para a eficiência e transição energética têm em vista a descarbonização no domínio industrial, a produção de energias renováveis, o incentivo à mudança de fontes de energia, redução de emissões e a monitorização e otimização do consumo. No total, estes apoios terão um custo de 290 milhões de euros. Serão ainda alocados 30 milhões de euros para ajuda às empresas, com o objetivo de reforçar a presença internacional das mesmas, o acesso a novos mercados e a promoção externa.

15 MILHÕES DE EUROS PARA A FERROVIA

Já a partir do dia 1 de outubro os operadores de transporte ferroviário de mercadorias terão acesso a 15 milhões de euros, em subvenções diretas por locomotiva. As locomotivas a diesel receberão 2,64 euros por quilómetro e as de tração elétrica 2,11 euros por quilómetro.

REVISÃO DE PREÇOS NOS CONTRATOS PÚBLICOS

De forma a “sossegar” o setor da construção, conforme afirmou o ministro da Economia, a revisão extraordinária de preços nos contratos públicos será alargada até junho de 2023.

EMPREGO, FORMAÇÃO E REQUALIFICAÇÃO EM COMPETÊNCIAS VERDES

Serão dirigidos 100 milhões de euros para a formação qualificada de trabalhadores, de forma a atingir uma otimização dos tempos de produção, suporte à formação em contexto laboral e preservação do emprego, tornando as empresas mais competitivas. Um programa que será executado “no contexto da produção, no local de trabalho, para manter a atividade das empresas e para elas contribuírem para as exportações”.

No âmbito do IEFP está ainda a ser desenhado um programa em competências verdes, que terá uma dotação de 20 milhões de euros, para promover a formação ou requalificação de trabalhadores no ativo ou desempregados, tendo em vista a manutenção de postos de trabalho e a criação de emprego qualificado no âmbito da aceleração da transição e eficiência energética.

MAJORAÇÃO DO IRC E REDUÇÃO DO ISP

O pacote engloba ainda algumas medidas fiscais, tais como a majoração do IRC em 20% dos gastos com eletricidade e gás natural, fertilizantes, rações e outra alimentação para atividade de produção agrícola – quer isto dizer que as empresas terão menos impostos a pagar.

Foi ainda determinada a suspensão temporária do ISP e da taxa de carbono sobre o gás natural utilizado na produção de eletricidade e cogeração, a prorrogação do mecanismo de gasóleo profissional extraordinário até final de 2022 e a prorrogação da redução temporária do ISP aplicável ao Gasóleo Agrícola até final do ano.
Estas medidas fiscais terão um peso de 50 milhões de euros neste pacote de apoio às empresas, conforme estimativas do Governo.

Inês Barbosa/MS

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