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Tirar pedras do caminho

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Sendo praticamente recém-chegada à comunidade portuguesa no Canadá, é para mim ousado tecer juízos de valor sobre o que deve ou não ser o futuro da comunidade. Há a responsabilidade de respeitar as inúmeras pessoas que têm dedicado as suas vidas ao movimento associativo, que trabalham arduamente para celebrar a nossa cultura todos os dias e que são incondicionalmente fiéis a essa missão. Por isso eu deixo o meu reconhecimento e faço questão de sublinhar que de modo algum o meu ponto de vista poderá ser tão profundo como o de alguém que tem efetivamente um papel ativo no palco da comunidade. A minha abordagem beneficia, contudo, do facto de trazer uma bagagem muito mais leve relativamente a este assunto.

Chegámos a um ponto em que se tornou dolorosamente óbvio que a comunidade como a conhecemos até ao momento chegou ao fim. Que para o nosso movimento sobreviver é preciso escrever a história de outra maneira. A mudança acontece quando a dor de ficar é maior do que a de ir e, eventualmente, chegaremos a uma rutura que nos obrigará a ceder. Muitos acreditam que uma Casa de Portugal é o plano ideal de resgate do nosso associativismo, mas até agora poucos trouxeram o assunto à tona para lhe dar forma. Eu creio que a utópica Casa de Portugal tem sido vista como o remédio que cura todos os males e isso é irrealista. Penso que precisamos antes de ir à raiz do problema e fazer um processo introspetivo em que analisamos a situação de forma não fantasiada. Muitos dos problemas estão à vista, nós é que teimamos em fazer vista grossa. A meu ver, a questão reside em resolver os aspetos: reformativo, estrutural e financeiro.

A comunidade está envelhecida e formatada em padrões que não encaixam na realidade dos nossos dias. Temos clubes feitos de e para os imigrantes das primeiras gerações, que não atendem às preferências das camadas jovens. Os clubes pedem que os jovens adiram e tragam ideias. Mas estão dispostos a abdicar de algumas iniciativas tradicionais que estão habituados a fazer todos os anos e alocar essas verbas para realizar a iniciativa que o jovem quer concretizar? Como em qualquer casa, há um orçamento limitado e há que estabelecer prioridades. Eu deixo a questão: os jovens têm estado nessas prioridades?

Outro grande problema é que estamos a viver um falso sentido de comunidade. Os clubes não estão organizados com vista à união, mas sim a um sistema individualizado. Acredito que numa primeira instância fez sentido existirem diferentes associações dedicadas a regiões específicas de Portugal, mas esse não é mais o caso. Temos clubes de todas as espécies e feitios numa distribuição completamente aleatória, não uniforme e sem qualquer lógica para a realidade atual. Chegamos a ter três ou mais eventos de São Martinho de clubes diferentes precisamente no mesmo dia à mesma hora, o que é irracional de todos os pontos de vista. Nomeadamente torna difícil promover a nossa cultura de forma eficaz junto das outras comunidades que estejam potencialmente interessadas em conhecer a cultura portuguesa. Nova questão: somos realmente uma comunidade ou somos uma família dividida e desgovernada? Para seguir em frente é preciso tirar pedras do caminho, remover bloqueios, abrir mão de noções antiquadas e sobretudo pôr de lado objetivos pessoais em nome de um bem maior.

Isto leva-nos ao último ponto que é também ele fatal: os clubes enfrentam grandes dificuldades de sustentabilidade. Alguns deles não vão sobreviver ao derrube financeiro que a pandemia trouxe. Talvez seja um “mal que vem por bem” e que acabe por nos mover no sentido da unidade em vez da individualidade. Num momento como este precisamos de juntar carteiras para poder cultivar algum tipo de prosperidade. O que certamente não agrada a todos.

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E porque críticas devem vir acompanhadas de sugestões, aproveito para deixar os meus ideais enquanto parte da malha jovem. Gostaria de ver uma comunidade estrategicamente organizada, movida por um motor que coordena diferentes órgãos. Uma comunidade com órgãos que trabalham em parceria. Precisamos de criar novos projetos e revitalizar outros que estão em risco de acabar. Criar um grupo dedicado particularmente aos jovens, encontros de networking, abraçar os grupos folclóricos num único movimento de danças tradicionais com diferentes valências, formar um grupo de cultura contemporânea, formar um grupo responsável pelo marketing da comunidade (que faz muita falta!), entre outros. Funcionaria essencialmente como um sistema descentralizado em que todos os envolvidos têm liberdade para criar projetos, respeitando sempre os regulamentos de um organismo principal que garante o bom funcionamento, boa gestão financeira, evita conflitos e redundâncias. Este sistema poderia chamar-se Casa de Portugal? Certamente.

Telma Pinguelo/MS

 

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