“Talvez o objetivo final seja simples: criar incerteza” – Pedro Antunes

A entrevista com Pedro Antunes, Chief Economist do Conference Board of Canada, oferece uma análise detalhada das políticas comerciais do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, especialmente no que diz respeito à imposição de tarifas sobre as importações canadianas. A decisão de Trump de aumentar tarifas para proteger a economia americana tem gerado considerável preocupação, tanto nos Estados Unidos quanto no Canadá.
Pedro Antunes questiona a fundamentação económica dessas tarifas, argumentando que elas resultam em maior custo para os consumidores e em menos concorrência, o que pode prejudicar ambas as economias. Embora as tarifas possam ser mais uma ameaça e moeda de troca do que uma política efetivamente implementada, Antunes aponta que, caso sejam aplicadas de forma consistente, as consequências seriam severas para o Canadá, com impacto direto nas indústrias manufatureiras e nos setores exportadores, como o de recursos naturais. Além disso, o economista reflete sobre as tarifas retaliatórias anunciadas pelo primeiro-ministro Justin Trudeau e os potenciais efeitos negativos nas relações comerciais entre os dois países. Ao longo da entrevista, Pedro Antunes destaca o impacto das tarifas no emprego e na produção, particularmente nas indústrias que dependem das exportações para os Estados Unidos, e questiona se essas políticas conseguirão atingir os objetivos desejados sem causar danos colaterais significativos para a economia dos EUA.
Milénio Stadium: Quais são os argumentos de Trump para impor tarifas sobre as importações canadianas? São argumentos economicamente bem fundamentados?

Pedro Antunes: Não são bem fundamentados economicamente. A administração dos EUA não concorda com a ideia de que o comércio aberto seja uma política vantajosa para aqueles que abrem as suas fronteiras. A História tem mostrado, repetidamente, que as tarifas resultam em menos concorrência e preços mais altos para os consumidores. O Presidente parece obcecado, por assim dizer, com o défice comercial dos EUA com o Canadá, mas isso não é um problema para os Estados Unidos e certamente não é um subsídio. Os EUA estão simplesmente a comprar mais dos nossos recursos (petróleo e gás, potássio, minerais e muitos outros) que são vendidos no mercado global a preços competitivos a nível mundial. Estas importações de matérias-primas, juntamente com os produtos manufaturados, são inputs essenciais que ajudam a manter a produção dos EUA eficiente e competitiva globalmente.
MS: Como espera que estas tarifas afetem a economia canadiana? Que consequências potenciais podem as empresas e os consumidores canadenses enfrentar como resultado dessas tarifas?
PA: Esperamos que as tarifas amplamente aplicadas de 25% sejam mais uma ameaça e uma moeda de troca do que uma política que será realmente implementada. Não há dúvida de que veremos algumas tarifas aplicadas e talvez não em março, mas, esperamos, que não nos níveis atualmente anunciados. Se realmente víssemos tarifas a estas taxas, aplicadas durante algum tempo, as consequências para a economia do Canadá seriam massivas. Os sectores da manufatura canadiana seriam dizimados. Para os exportadores do sector de recursos, provavelmente veríamos uma queda nos preços de exportação e dor económica no curto prazo, pelo menos até conseguirmos desviar algumas exportações para outros mercados.
MS: Durante o fim-de-semana, o primeiro-ministro Trudeau anunciou tarifas retaliatórias em resposta à decisão de Trump. Caso venham a ser implementadas, como acha que estas contramedidas poderão impactar as relações comerciais entre os dois países e que efeitos económicos podem ter no Canadá e nos EUA?
PA: O aumento das tarifas causará dor de ambos os lados da fronteira, mas as tarifas retaliatórias estão a ser aplicadas a produtos específicos para minimizar o impacto no Canadá. Está-se a tentar colocar tarifas em produtos para os quais temos produção nacional ou que podemos substituir com importações de outros países. Ainda assim, o impacto geral nos Estados Unidos será modesto. Isto porque as exportações dos EUA representam apenas 11% do PIB dos EUA. A maior parte do que os Estados Unidos produzem é consumido dentro do país. Para o Canadá, as exportações representam cerca de 31% do PIB.
MS: Como é que estas tarifas podem afetar o emprego no Canadá, particularmente nas indústrias que dependem das exportações para os EUA? Poderíamos ver perdas de empregos ou mudanças na procura de trabalho?
PA: Poderíamos ver encerramentos imediatos e perdas de empregos em alguns sectores. Os mais vulneráveis são os da manufatura. As nossas indústrias estão completamente integradas na cadeia de fornecimento da América do Norte, e as tarifas impostas ao México e ao Canadá aumentariam os custos em cada momento que produtos semi-acabados cruzassem as fronteiras. Para alguns produtos, os custos disparariam, tornando o comércio inviável. O tamanho do impacto sobre os empregos e o PIB dependerá, em última análise, de quanto tempo as tarifas forem aplicadas. Se a guerra comercial durar um ano, a economia do Canadá poderá muito bem entrar em recessão.
MS: Olhando para o futuro, acha que estas tarifas de Trump serão eficazes a alcançar os objetivos a que se propõem, ou poderão voltar-se contra a economia dos EUA?
PA: Se forem aplicadas, voltar-se-ão contra a economia dos EUA. Mas talvez o objetivo final seja simples: criar incerteza. Tivemos uma situação semelhante durante o primeiro mandato do Presidente Trump, criando incerteza sobre o acesso aos consumidores dos EUA com a dissolução do NAFTA. Se as empresas canadianas tiverem preocupações sobre o acesso aos consumidores dos EUA, escolherão investir nos Estados Unidos para garantir esse acesso. A maior parte dos nossos produtos manufaturados é exportada para os Estados Unidos, por isso, mais uma vez, o investimento na manufatura no Canadá poderá sofrer.
A atratividade para o investimento é um desafio contínuo para o Canadá, e os próximos quatro anos não serão mais fáceis.
MB/MS
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