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Shaffni Nalir “Os canadianos não odeiam os muçulmanos”

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Créditos: DR.

A noite estava agradável e convidava a um passeio a pé – em família, para fechar um fim de semana e preparar o início de mais uma semana, os Afzaal percorriam tranquilos as ruas de London, Ontário. Até que a brutalidade de um ato intencional transformou um quadro familiar perfeito, numa desgraça que atingiu um país. Dos cinco elementos da família sobreviveu apenas o mais novo. Fayez não morreu, mas perdeu quase todas as referências que o orientavam e lhe davam segurança e a sua vida nunca mais será a mesma.

A investigação sobre as motivações que levaram um rapaz de 20 anos a tirar a vida a uma família islâmica ainda decorrem, mas há sinais, já confirmados pela polícia, de estarmos perante um crime de ódio. Os políticos e a população em geral, de imediato, demonstraram a sua solidariedade misturada com um sentimento de choque perante um crime tão horrendo. As flores preencheram o local do crime, as velas iluminaram a vigília que juntou todos no mesmo sentimento de repulsa e dor. Os discursos de todas as fações políticas mostraram unanimidade no lamento e na necessidade de se fazer algo para não permitir que tal volte a acontecer. Mas como se sentem os que professam o islamismo? Shaffni Nalir, da Toronto Islamic Centre & Community Services, acedeu partilhar connosco o seu sentimento e as suas opiniões sobre o triste acontecimento.

Milénio Stadium: Que impacto teve o crime ocorrido em London na comunidade islâmica?

Shaffni Nalir: A comunidade está, claro, incomodada, chateada com a situação. Há um certo medo e raiva ao mesmo tempo. Mas não há surpresas… Não estamos surpreendidos.

MS: Porquê?

SN: Eu diria que não estamos surpreendidos porque nós temos visto que no decorrer dos últimos anos há um sentimento que tem vindo a crescer: Islamofobia. Nós sinceramente achávamos que era uma questão de tempo até algo deste género acontecesse no Canadá novamente. Por outro lado, o que é extremamente surpreendente é o facto de não ter acontecido numa mesquita.

MS: O que acha que poderá estar a acontecer na sociedade canadiana? Estará a aceitação do outro, a paz, o multiculturalismo a perder força?

SN: Eu ainda acredito que o Canadá continua a ser um país multicultural. Na minha opinião, a maioria dos canadianos são muito recetivos, acolhem bem a diversidade, e todos os emigrantes deste país aceitam first nations people. Eu acredito, e espero que assim seja, para a maioria dos canadianos. No entanto, internacionalmente, o que vemos é que quando surgem comentários antimuçulmanos, parece que encorajam aqueles que já pensam dessa forma. As pessoas são livres para pensar da forma que quiserem, mas o discurso de ódio penso que é algo que é muito mais pesado do que simplesmente discurso. O que eu vejo a acontecer em London, Ontario, na minha opinião, foi resultado de ódio. Podia ser qualquer família muçulmana. Eu próprio faço caminhadas com os meus filhos e com a minha esposa, e eu uso as roupas tradicionais, e é por isso, ainda mais, que nos identificamos com o que aconteceu.

MS: Há comunidades islâmicas – concretamente a de Kingston – que afirma haver Islamofobia já enraizada no Canadá. Qual é a sua opinião?

SN: Não sei em relação aos políticos, mas eu acho mesmo que os canadianos no fundo não odeiam os muçulmanos.

MS: Sentiram-se apoiados pela comunidade política e pela população em geral, depois desse lamentável episódio?

SN: Sentimo-nos apoiados, mas achamos que há mais que se pode fazer. Acredito que seja agora a altura certa para criminalizar a Islamofobia – tal como é um crime falar contra/mal de outras comunidades, penso que é tempo de fazer o mesmo em relação a quem tem essa atitude em relação a nós. O tiroteio no Quebeque devia ter sido suficiente, mas continuamos a ver famílias muçulmanas, várias pessoas a serem mortas sem razão aparente, a não ser pelo facto de visualmente serem diferentes, terem crenças diferentes. Se as pessoas souberem que a nível institucional, governamental, a Islamofobia é algo errado e que legalmente falando há consequências, talvez as pessoas pensassem duas vezes antes de agirem consoante os seus impulsos. Achamos que a comunidade política pode, portanto, fazer mais, mas temos realmente sentido muito amor por parte de toda a população em geral.

MS: O que considera importante ser feito para evitar que isto volte a acontecer? Que trabalho deve ser feito?

SN: Criminalizar a Islamofobia seria um bom começo. A nível político eu penso e espero que aconteça uma cimeira nacional contra a Islamofobia. Quando o tiroteio em Quebeque aconteceu, foi pedido por uma MP que acontecesse, mas alguns políticos não aceitaram essa moção. Mas agora queremos mesmo que algo aconteça a nível federal, uma coligação ou um deputado federal, que dediquem pelo menos um dia para falar sobre a Islamofobia, de que forma afeta as pessoas, que estudem o assunto, etc. Eu sei que, no final do dia, isto é tudo à base de estatísticas, mas é algo com que eu vivo no dia a dia. Algo com que os meus filhos convivem, a minha mulher convive, a minha família convive e algo com que todos os muçulmanos por aqui têm que lidar. Por isso eu acredito que depois de alguns estudos serem feitos, talvez algumas leis possam vir a surgir. Porque na verdade as flores deles são bem-vindas, estamos gratos pelas suas palavras, mas enquanto não houver leis que nos protejam, o que temos são apenas isso: palavras.

MS: Acredita que a comunicação social está a fazer o seu papel no que diz respeito à cobertura noticiosa destes acontecimentos na vossa comunidade?

SN: Eu acho que os media agora estão a fazer um trabalho bem melhor do que faziam há 20 ou até 15 anos. No entanto, acho que podem fazer mais. Mas estamos muito gratos pelas coisas estarem a ser feitas agora de uma melhor forma. As pessoas gostam de criticar a comunicação social, mas a realidade é que os media influenciam a opinião das massas – são os assuntos do momento da sociedade. Se estes ataques, por exemplo, tiverem mais cobertura mediática, serão mais e mais falados entre as pessoas. A comunicação social tem muita responsabilidade porque tem imensa influência.

Aproveito para deixar uma sugestão: se conhecerem um muçulmano, ou se o vosso vizinho é muçulmano… digam olá! Somos como vocês: temos famílias, vemos Netflix (risos)! Tentem conhecer-nos e estaremos mais do que interessados em partilhar a nossa cultura convosco e receber de vocês o que quiserem partilhar connosco!

Catarina Balça/MS

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